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19/02/2014

Tratado dos vícios e pecados 16


Questão 73: Da relação dos pecados entre si.

Em seguida devemos tratar da relação dos pecados entre si. E neste ponto, discutem-se dez artigos:

Art. 1 ― Se todos os pecados são conexos.
Art. 2 ― Se todos os pecados são iguais.
Art. 3 ― Se a gravidade dos pecados varia com os objectos deles.
Art. 4 ― Se a gravidade dos pecados difere da dignidade das virtudes a que se opõem, de modo que à maior virtude se oponha maior pecado.
Art. 5 ― Se os pecados carnais implicam menor culpa que os espirituais.
Art. 6 ― Se a gravidade dos pecados depende da causa deles.
Art. 7 ― Se a circunstância agrava o pecado.
Art. 8 ― Se a gravidade do pecado cresce com o aumento do dano causado.
Art. 9 ― Se o pecado se agrava conforme a condição da pessoa contra quem pecamos.
Art. 10 ― Se a grandeza da pessoa que peca agrava o pecado.

Art. 1 ― Se todos os pecados são conexos.

(III Sent., dist. XXVI, a. 5; IV dist. XVI, q. 2, a. 1, qa. 2)

O primeiro discute-se assim. — Parece que todos os pecados são conexos.

1. ― Pois, diz a Escritura (Tg 2, 10): qualquer que tiver guardado toda a lei, e faltar em um só ponto, faz-se réu de ter violado todos. Ora, ser réu de todos os mandamentos da lei é o mesmo que ter todos os pecados. Porque, como diz Ambrósio 1, o pecado é a prevaricação contra a lei divina e a desobediência aos mandamentos celestes. Logo, quem comete um pecado comete todos.

2. Demais. ― Todo o pecado exclui a virtude oposta. Ora, quem carece de uma virtude carece de todas, como já se disse (q. 65, a. 1). Logo, quem comete um pecado fica privado de todas as virtudes. E como quem carece de uma virtude tem o vício oposto, quem comete um pecado comete todos.

3. Demais. ― Todas as virtudes que convêm num mesmo princípio são conexas, como já se estabeleceu (q. 65, a. 1, 2). Ora, como as virtudes, também os pecados convêm num mesmo princípio, porque assim como o amor divino, causa da cidade de Deus, é o princípio e a raiz de todos as virtudes, assim o amor-próprio, causa da cidade de Babilónia, é a raiz de todos os pecados, como se vê claramente em Agostinho 2. Logo, também todos os vícios e pecados são conexos, de modo tal que, quem tem um tem todos.

Mas, em contrário. ― Alguns vícios são contrários entre si, como claramente se vê no Filósofo 3. Ora, é impossível os contrários coexistirem no mesmo sujeito. Logo, é impossível que todos os pecados e vícios sejam conexos entre si.

A intenção do agente de, na prática da virtude, seguir a razão, difere da intenção do pecador no afastar-se da mesma. Pois, a intenção de qualquer agente, na prática da virtude, é seguir a regra da razão, e portanto, a intenção, em todas as virtudes, recai sobre o mesmo objecto. E por isto, todas são conexas entre si, no seguir a razão recta dos actos, que é a prudência, como já dissemos (q. 65, a. 1). Ao passo que a intenção do pecador não é afastar-se do racional, mas antes, tender para algum bem desejável, que lhe especifica o acto. Ora, tais bens, a que tende a intenção do pecador, afastando-se da razão, são diferentes, sem nenhuma conexão entre si, antes, são contrários às vezes. Ora, como os vícios e os pecados se especificam pelos seus objectos, é manifesto que os pecados entre si não têm nenhuma conexão, quanto ao que lhes dá a espécie completa. Pois, não cometemos pecados, chegando-nos, da multidão, à unidade, como se dá com as virtudes, que são conexas, mas, ao contrário, deixando a unidade, pela multidão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Tiago refere-se ao pecado, não quanto à sua conversão, pela qual se distinguem, como já dissemos (q. 62, a. 1), mas quanto à aversão, pela qual, pecando, afastamo-nos dos mandamentos da lei. Ora, todos estes procedem de uma mesma fonte, como ele o diz no mesmo lugar (Tg 2, 11), e portanto, o próprio Deus é o desprezado em todos os pecados. E por isso, diz, que quem faltar em um só ponto, faz-se réu de ter violado a todos. Porque, cometendo um pecado, incorremos no reato da pena, por desprezarmos a Deus, de cujo desprezo provém o reato de todos os pecados.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Como já dissemos (q. 71, a. 4), qualquer acto pecaminoso não nos priva da virtude oposta. Assim, o pecado venial não nos priva dela, por seu lado, o pecado mortal priva-nos da verdade infusa, por nos afastar de Deus, mas, um só acto pecaminoso, ainda que mortal, não nos tira o hábito da virtude adquirida. Mas se os actos se multiplicarem a ponto de gerarem um hábito contrário, fica excluído o hábito da virtude adquirida, e excluída esta, fica também excluída a prudência. Porque, agindo contra qualquer virtude, agimos contra a prudência, sem a qual não pode existir nenhuma virtude moral, como já estabelecemos (q. 58, a. 4; q. 65, a. 1). E por consequência, ficam excluídas todas as virtudes morais, no atinente ao que há de perfeito e formal na virtude, e isso elas o têm na medida em que participam da prudência, permanecem contudo as inclinações para os actos virtuosos, que não implicam a essência da virtude. Mas daqui não se segue o incorrermos em todos os vícios ou pecados. Primeiro, porque a uma mesma virtude se opõem vários vícios, de modo que a virtude pode ser excluída por um deles, sem que os outros existam. Segundo, porque o pecado se opõe directamente à virtude, quanto à inclinação desta para o acto, como já dissemos (q. 71, a. 1). Donde, enquanto permanecerem algumas inclinações virtuosas, não podemos considerar-nos como tendo os vícios ou pecados opostos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O amor de Deus é unitivo, porque reduz à unidade os múltiplos afectos humanos. Portanto, as virtudes causadas por esse amor têm entre si conexão. O amor-próprio, pelo contrário, dispersa-nos os afectos para diversos objetos, pois, amando-nos a nós mesmos, desejamo-nos bens temporais, vários e diversos. E portanto, os vícios e os pecados causados pelo amor-próprio, não são conexos.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. De parad. (cap. VIII).
2. XIV De civitate Dei (cap. XXVIII).
3. II Ethic. (lect. X).





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