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05/02/2014

Tratado dos vícios e pecados 02


Questão 71: Dos vícios e dos pecados em si mesmos.


Art. 2 ― Se o vício é contrário à natureza.



(Ad Roman., cap. I, VIII ; Ad Galat., cap. V, lect. VI).


O segundo discute-se assim ― Parece que o vício não é contrário à natureza.

1. ― Pois, o vício é contrário à virtude, como já se disse 1. Ora, as virtudes não nos procedem da natureza, mas são-nos causadas por infusão ou pelo costume, segundo já ficou dito 2. Logo, os vícios não são contrários à natureza.

2. Demais. ― O que vai contra a natureza não é susceptível de costume, assim, a pedra nunca se acostuma a ser dirigida para cima, como diz Aristóteles 3. Ora, alguns acostumam-se com os vícios. Logo, estes não são contrários à natureza.

3. Demais. ― Nada de contrário à natureza se encontra frequentemente nos que a têm. Ora, frequentemente se encontram homens viciosos, pois, no dizer do Evangelho (Mt 7, 13), larga é a porta que guia para a perdição, e muitos são os que entram por ela. Logo, o vício não é contra a natureza.

4. Demais. ― O pecado está para o vício como o acto para o hábito, conforme do sobredito 4 se colhe. Ora, o pecado é definido: o dito, feito ou desejado contra a lei de Deus, segundo se vê claramente em Agostinho 5. Ora, a lei de Deus é superior à natureza. Logo, devemos considerar o vício contrário, antes à lei do que à natureza.

Mas, em contrário, diz Agostinho. Todo vício por si mesmo é contrário à natureza 6.

Como já se disse 7, o vício é contrário à virtude. Ora, a virtude de um ser consiste em ter a boa disposição conveniente à sua natureza, como já ficou dito 8. Por onde e necessariamente, há vício sempre que um ser qualquer tem disposição contrária ao que lhe convém à natureza. E isso é causa de ser susceptível de vitupério, pois, no dizer de Agostinho, tem-se o nome de vitupério como derivado do vício 9.

É mister, porém, considerar que a forma, que especifica o ser, lhe constitui por excelência a natureza. Ora, o homem é constituído na sua espécie pela alma racional. Portanto, o contrário à ordem racional colide propriamente com a natureza do homem como tal, e o que é conforme à razão é-o também à sua natureza, considerada em si mesma. Ora, como diz Dionísio 10, o bem do homem é estar de acordo com a razão, e o mal, é estar contra ela. Donde, a virtude humana, que torna o homem bom e boa a sua obra, é-lhe conforme à natureza na medida em que lhe convém à razão, e o vício vai-lhe contra a natureza na medida em que encontra a ordem racional.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Embora as virtudes, na perfeição do seu ser, não sejam causadas pela natureza, inclinam contudo ao que a esta é conforme, i. é, ao que é conforme à ordem racional. Pois, diz Túlio, que a virtude é um hábito conforme à natureza, consentâneo com a razão 11. E deste modo dizemos, que a virtude é conforme à natureza, entendendo-se, ao contrário, que o vício vai contra ela.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― No lugar citado, o Filósofo refere-se ao contrário à natureza, no sentido de esta expressão se opor ao que procede da natureza, e não, como oposta ao que lhe é conforme, ao modo pelo qual dizemos, serem as virtudes conformes à natureza, por se inclinarem ao que a esta convém.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O homem tem dupla natureza: a racional e a sensitiva. E como pela operação dos sentidos ele exerce o acto racional, mais são os sequazes das inclinações da natureza sensitiva, que da ordem da razão. Pois são em maior número os que admitem o princípio de uma coisa, do que aqueles que lhe chegam ao fim consumado. Donde, os vícios e pecados dos homens provêm de seguirem a inclinação da natureza sensitiva, contra a ordem racional.

RESPOSTA À QUARTA. ― Tudo o contrário à natureza do artificiado vai também contra a da arte, por meio da qual ele é produzido. Ora, a lei eterna está para a ordem da razão humana, como a arte para o artificiado. Por onde, pela mesma razão, o vício e o pecado são contrários, tanto à ordem da razão humana como à da lei eterna. E por isso Agostinho diz, que de Deus procede todas as naturezas o serem o que são, e são viciosas na medida em que se afastam da arte daquele pelo qual foram feitas 12

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. Q. 71, a. 1.
2. Q. 63, a. 1, 2, 3.
3. II Ethic. (lect. I).
4. Q. 71, a. 1.
5. XXII Contra Faustum (cap. XXVII).
6. III De lib. Arb. (cap. XIII).
7. Q. 71, a. 1.
8. Ibid.
9. III De lib. Arb. (cap. XIV).
10. IV cap. De div. nom. (lect. XXII).
11. Rhetorica (lib. II De invent., cap. LIII).
12. III De lib. Arb. (cap. XV).





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