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04/02/2014

Tratado dos vícios e pecados 01

Questão 71: Dos vícios e dos pecados em si mesmos.

Em seguida devemos tratar dos vícios e dos pecados. E, sobre esta questão há seis pontos a considerar. Primeiro, dos vícios e dos pecados em si mesmos. Segundo, da distinção deles. Terceiro, da comparação deles entre si. Quarto, do sujeito do pecado. Quinto, da sua causa. Sexto, do seu efeito.

Sobre o primeiro ponto discutem-se seis artigos:

Art. 1. ― Se o vício é contrário à virtude.
Art. 2 ― Se o vício é contrário à natureza.
Art. 3 ― Se o vício, i. é, o hábito mau, é pior que o pecado, i. é, o acto mau.
Art. 4 ― Se o acto vicioso ou pecado pode coexistir com a virtude.
Art. 5 ― Se qualquer pecado implica um acto.
Art. 6 ― Se o pecado é convenientemente definido assim: o dito, feito ou desejado contra a lei eterna.

Art. 1. ― Se o vício é contrário à virtude.


O primeiro discute-se assim. ― Parece que o vício não é contrário à virtude.

1. ― Pois, a unidade é contrária à unidade, como Aristóteles o prova 1. Ora, à virtude é contrário o pecado e a malícia. Logo, não o vício, pois este nome também se dá à indébita disposição dos membros corpóreos ou à de quaisquer outras coisas.

2. Demais. ― Virtude designa uma certa perfeição da potência. Ora, o vício não designa nada de pertinente à potência. Logo, não é contrário à virtude.

3. Demais. ― Como diz Túlio, a virtude é uma como saúde da alma 2. Ora, à saúde se opõe, mais que o vício, a doença ou moléstia. Logo, o vício não é contrário à virtude.

Mas, em contrário, diz Agostinho, que o vício é uma qualidade que torna má a alma, ao passo que a virtude é uma qualidade que torna bom quem a tem 3, como resulta do sobredito 4. Logo, o vício é contrário à virtude.

Duas coisas podemos considerar na virtude: a sua própria essência e aquilo a que ela se ordena. À essência é susceptível o ser considerada directamente e nas suas consequências. ― Directamente considerada, implica uma certa disposição do sujeito que se comporta segundo a sua natureza. Donde o dito do Filósofo: a virtude é uma disposição do perfeito para o óptimo, e chamo perfeito ao que é disposto segundo a natureza 5. ― Considerada nas suas consequências, a virtude é uma certa bondade, pois, a bondade de uma coisa consiste em comportar-se de modo conveniente à sua natureza.

E quanto àquilo a que ela se ordena, a virtude é um acto bom, como do sobredito 6 claramente se colhe.

Por onde, segundo estas considerações, à virtude se contrapõe tríplice oposição. ― Uma é a do pecado, oposto àquilo a que a virtude ordena, pois, propriamente, ele implica um acto desordenado, assim como o ato da virtude é ordenado e devido. ― Em seguida, a malícia opõe-se à virtude, que por essência, implica uma certa bondade. ― Ao passo que o vício se opõe à essência directa da virtude. pois, o vício de qualquer coisa consiste em ela não ter a disposição que lhe convém à natureza. Donde o dizer Agostinho: Chama vício ao que vires faltar à perfeição da natureza 7.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― As três oposições referidas não contrariam a virtude, à mesma luz. Mas, o pecado é-lhe contrário, enquanto ela obra o bem, a malícia, enquanto é uma certa bondade, e o vício, propriamente, enquanto virtude.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― A virtude implica não somente a perfeição da potência, que é o princípio da acção, mas também, a devida disposição do sujeito. E isto porque cada ser obra enquanto actual. Donde, o que deve obrar o bem há-de por força ter em si mesmo boa disposição. E a esta luz o vício opõe-se à virtude.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Como diz Túlio, as doenças e as enfermidades são partes da natureza viciosa 8. Assim, chama-se doença à corrupção de todo o corpo, como a febre ou coisa semelhante, ao passo que enfermidade é a doença acompanhada de fraqueza, e o vício supõe o dissídio entre as partes do corpo. A doença corpórea porém às vezes existe sem a enfermidade, como quando estamos interiormente mal-dispostos, sem que se nos fique impedida a actividade habitual; ao passo que, na alma, conforme diz o mesmo autor, esses dois fenómenos não podem ser separados senão mentalmente. Pois necessariamente, sempre que estamos de interior mal disposto e nutrindo um afecto desordenado, tornamo-nos fracos para obrar como devemos, porque pelo fruto é que a árvore se conhece, i. é, pelas obras, o homem, como diz o Evangelho (Mt 12, 33). Ao passo que o vício da alma, conforme diz Túlio no mesmo lugar, é um hábito ou afecto da mesma, inconstante, durante toda a vida e dissentindo de si mesma. O que se dá ainda sem doença ou enfermidade, como quando, por ex., pecamos por fraqueza ou paixão. Por onde, vício diz mais que enfermidade ou doença, assim como também virtude diz mais que saúde, pois esta se inclui naquela 9. Logo, mais convenientemente se opõe o vício à virtude que a enfermidade à doença.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. X Metaph. (lect. V).
2. IV De Tuscul. Quaest. (cap. XIII).
3. De perfectione iustitiae (c. II).
4. Q. 55, a. 3, 4.
5. VII Physic. (lect. V).
6. Q. 56, a. 3.
7. III De lib. Arb. (cap. XIV).
8. IV De tuscul. Quaest. (loc. cit.).

9. VII Physic. (lect. V).

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