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28/01/2014

Tratado dos dons do Espírito Santo 10



Questão 69: Das bem-aventuranças.


Art. 2 — Se os prémios atribuídos as bem-aventuranças pertencem a esta vida.

(In Matth., cap.V).


O segundo procede-se assim. — Parece que os prémios atribuídos as bem-aventuranças não pertencem a esta vida.


1. — Pois, como já se disse 1, chama-se felizes os que têm a esperança dos prémios. Ora, o objecto da esperança é a felicidade futura. Logo, esses prémios pertencem à vida futura.

2. Demais. — O Evangelho comina certas penas opostas as bem-aventuranças, quando diz (Lc 6, 25): Ai de vós os que estais fartos, porque vireis a ter fome. Ai de vós os que agora rides, porque gemereis e chorareiis. Ora, tais penas não as abrange a vida presente, pois frequentemente os homens não são punidos durante ela, conforme àquilo da Escritura (Job 21, 13): Eles passam os seus dias em prazeres. Logo, também os prémios das bem-aventuranças não pertencem a esta vida.

3. Demais. — O reino dos céus, posto como prémio da pobreza, é a beatitude celeste, conforme Agostinho 2. Ora, a plena saciedade só existirá na vida futura, consoante a Escritura (Sl 16, 15): saciar-me-ei quando aparecer a tua glória. Ora, a visão de Deus e a manifestação da filiação divina pertencem à vida futura, como consta da Escritura (1 Jo 3, 2): Agora somos filhos de Deus, e não apareceu ainda o que havemos de ser. Sabemos que quando ele aparecer, seremos semelhantes a ele, porquanto nos outros o veremos bem como ele é. Logo, os prémios de que tratamos pertencem à vida futura.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Tais coisas podem por certo existir completamente nesta vida, como cremos terem existido nos Apóstolos. Pois, aquela omnímoda transformação em forma Angélica, prometida para depois desta vida, não pode ser explicada por nenhumas palavras 3.

Sobre os prémios em questão manifestam-se diversamente os expositores da Sagrada Escritura. Uns, como Ambrósio dizem pertencerem todos à futura beatitude 4. Agostinho, porém, considera-os pertencentes à vida presente 5. Crisóstomo, por seu lado, nas suas Homilias, diz pertencerem uns à vida futura, e outros, à presente 6.

Para evidenciá-lo, devemos considerar que a esperança da beatitude futura pode existir em nós por duas razões: primeiro, por uma certa preparação ou disposição à futura beatitude, e isso dá-se pelo mérito, ou, segundo, por uma incoação imperfeita da futura beatitude, nos varões santos, já nesta vida. Pois, uma é a esperança na frutificação da árvore, quando frondeja viridente, e outra, quando começam a aparecer os primeiros frutos.

Por onde, nas bem-aventuranças o concernente ao mérito, são umas preparações ou disposições à beatitude, perfeita ou incoada. E o concernente nelas aos prémios, pode consistir ou na beatitude perfeita em si mesma, e então respeitar à vida futura, ou numa incoação da beatitude, como se dá com os santos varões, e então dizem respeito à vida presente. Pois, quem começa por progredir nos actos das virtudes e dos dons pode ter esperança de chegar à perfeição da via e da pátria.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A esperança pode recair sobre a beatitude futura, como sobre o último fim, pode também ter por objecto o auxílio da graça, como os meios, conforme a Escritura (Sl 27, 7): Em Deus esperou o meu coração e eu fui ajudado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora às vezes os maus não sofram nesta vida penas temporais, as sofrem contudo espirituais: Por isso, diz Agostinho: Conforme mandaste, Senhor, a alma desregrada é para si mesma o seu castigo 7. E o Filósofo, falando dos maus: na alma deles domina a discórdia, que os arrasta, ora para aqui e ora, para lá, e depois, conclui: Se a tal ponto é miserável o ser mau, havemos de fugir intensamente a malícia 8. E semelhante e inversamente, embora os bons não recebam às vezes prémios materiais nesta vida, contudo nunca lhes hão-de faltar os espirituais, já nesta vida, conforme a Escritura (Mt 19, 29 e Mc. 10, 30): recebereis, já neste século, o cêntuplo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Todos os prémios, de que se trata, se consumarão por certo, na vida eterna, mas de certo modo, enquanto lá não chegamos, começam já nesta vida. Pois, o reino dos céus, no dizer de Agostinho, pode ser entendido como o início da sabedoria perfeita, por já começar a reinar neles o espírito. Quanto à posse da terra, ela significa o bom afecto da alma repousando pelo desejo na estabilidade da herança perpétua, que é o significado de terra. São consolados nesta vida, participando do Espírito Santo, denominado Paráclito, i. é, Consolador. Ficam saturados, já no estado actual, do alimento de que diz o Senhor (Jo 4, 34): A minha comida é fazer a vontade de meu Pai. Também nesta vida os homens alcançam a misericórdia de Deus. Nela, purificada a visão pelo dom da inteligência, Deus pode de certo modo ser visto. Mesmo nesta vida, também os que pacificam os seus movimentos tornando-se mais semelhantes a Deus, são chamados seus filhos. Mas, sê-lo-ão mais perfeitamente, na pátria.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. Q. 69, a. 1.
2. Lib. I De serm. Dom. in monte (cap. 1).
3. I De Serm. Dom. in monte, cap. IV.
4. V Super Lucam (VI, 20).
5. Loc. sup. Cit.
6. Hom. XV in Matth.
7. I Confess., cap. XII.
8. IX Ethic., lect. IV.


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