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18/01/2014

Tratado dos dons do Espírito Santo 04


Questão 68: Dos dons.

Art. 4 — Se são convenientemente enumerados os sete dons do Espírito Santo.

(IIª – IIªe, q. 8, a, 6, III Sent., dist. XXXIV, q. 1, a. 2, In Isaiam, cap. XI).

O quarto discute-se assim. — Parece que os sete dons do Espírito Santo são inconvenientemente enumerados.


1. — Pois, nessa enumeração incluem-se quatro elementos pertencentes às virtudes intelectuais: a sabedoria, o intelecto, a ciência e o conselho, pertencentes à prudência, e nela não se inclui nada relativo à arte, a quinta virtude intelectual. Semelhantemente, essa enumeração inclui a piedade, pertinente à justiça, o dom da fortaleza, pertencente à fortaleza, e nada inclui pertinente à temperança. Logo, os dons estão insuficientemente enumerados.

2. Demais. — A piedade faz parte da justiça. Ora, a enumeração inclui a fortaleza e não qualquer parte da mesma. Logo, também não devia incluir a piedade, mas, a justiça.

3. Demais. — As virtudes teologais ordenam-se principalmente para Deus. Ora, como os dons aperfeiçoam o homem para se mover para Deus, a enumeração devia incluir também certos dons pertinentes às virtudes teologais.

4. Demais. — Assim como tememos a Deus, também o amamos, nele esperamos, com ele nos comprazemos. Ora, o amor, a esperança e o prazer são paixões que entram na mesma divisão do temor. Logo, se este é considerado como um dom, também as três paixões haveriam de ser dons.

5. Demais. — Ao intelecto acrescenta-se a sabedoria, que o rege, à fortaleza, o conselho, à piedade, a ciência. Logo, também ao temor devia ser acrescentado algum dom directivo, e, portanto, são inconvenientemente enumerados os sete dons do Espírito Santo.

Mas, em contrário, é a autoridade da Escritura (Is 11, 2-3).

Como já dissemos 1, os dons são uns hábitos que tornam o homem apto a seguir prontamente o instinto do Espírito Santo, assim como as virtudes morais aperfeiçoam as potências apetitivas para obedecerem à razão. Ora, assim como é natural a estas serem movidas pelo império da razão, assim é natural a todas as potências humanas serem movidas pelo instinto de Deus, como por um poder superior. Logo, todas as potências, que podem ser princípios de actos humanos, i. é, a razão e a potência apetitiva, são susceptíveis tanto de virtudes como de dons. Ora, a razão ou é especulativa ou prática, e ambas consideram a apreensão da verdade, conducente a um conhecimento ulterior, e o juízo sobre a verdade. — Ora, para apreender a verdade, a razão especulativa é aperfeiçoada pelo intelecto, e a prática, pelo conselho. — E para julgar rectamente, a especulativa é aperfeiçoada pela sabedoria, e a prática, pela ciência.

Por seu lado, a potência apetitiva, nas nossas relações com outrem, é aperfeiçoada pela piedade, no referente a nós mesmos, pela fortaleza, no concernente ao temor dos perigos, e pelo temor, no relativo ao desejo desordenado dos prazeres, conforme Escritura (Pr 15, 27): todo o homem evita o mal por meio do temor do Senhor, e (Sl 118, 120): Trespassa com o seu temor as minhas carnes, porque tenho temido os teus juízos.

Por onde é claro que os dons em apreço têm a mesma extensão que as virtudes, tanto intelectuais como morais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os dons do Espírito Santo aperfeiçoam o homem no concernente ao bem viver, o que não faz a arte, que se ocupa com as produções externas, pois ela é a razão recta das coisas factíveis, e não das acções, como se disse 2. Pode contudo dizer-se que, quanto à infusão dos dons, a arte pertence ao Espírito Santo, principal motor, e não, aos homens, que lhe servem como de instrumentos, enquanto por ele movidos. A temperança, por seu lado, responde, de certo modo, ao temor. Pois, assim como é próprio à virtude da temperança, por essência, fazer-nos preferir o bem da razão aos maus prazeres, assim é próprio ao dom do temor fazer-nos preferir o temor de Deus a esses maus prazeres.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A palavra — justiça — deriva da rectidão da razão, e portanto convém-lhe mais a denominação de virtude que de dom. Ao passo que a piedade implica a reverência para com os pais e a pátria. E como Deus é Pai de todos os seres, também ao seu culto se chama piedade, como diz Agostinho 3. E, portanto, chama-se convenientemente piedade ao dom pelo qual, reverenciando a Deus, fazemos o bem para com todos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A nossa alma não é movida pelo Espírito Santo se não se lhe estiver unida, de certo modo, assim como o instrumento não é movido pelo artífice, senão por contacto ou por qualquer outra união. Ora, a primeira forma de união dá-se pela fé, pela esperança e pela caridade. Donde, estas virtudes pressupõem-se aos dons, sendo-lhes, como raízes. E portanto, todos os dons pertencem a essas três virtudes, como derivações delas.

RESPOSTA À QUARTA. — O amor, a esperança e o prazer têm o bem como objecto. Ora, o sumo bem é Deus. Donde, os nomes dessas três paixões transferem-se para virtudes teologais, pelas quais o homem se une a Deus. Ao passo que o objecto do temor é o mal, que em Deus não existe de nenhum modo. Logo, ele não implica união com Deus, mas antes, afastamento de certas causas, pela reverência para com Deus, E portanto, não denomina nenhuma virtude teologal, mas um dom que nos retrai do mal, de modo mais eminente que a virtude moral.

RESPOSTA À QUINTA. — A sabedoria dirige tanto o intelecto como o afecto do homem. E por isso se põem dois dons directivos, correspondentes à sabedoria: para a inteligência, o dom do intelecto, para o afecto, o do temor. Pois, a razão de temer a Deus funda-se precipuamente na consideração da excelência divina, que a sabedoria considera.

(Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama)
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Notas:
1. Q. 68, a. 3.
2. VI Ethic. (lect. III).

3. X De Civitate Dei (c. I).

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