Páginas

04/11/2013

Tratado dos hábitos 4


Questão 49: Da substância dos hábitos

Art. 4 — Se é necessário existir o hábito.

(III Sent., XXIII, q. 1, a. 1, De Verit., q. 20, a. 2, De Virtut., q. 1, a. 1).

O quarto discute-se assim. — Parece que não é necessário existir o hábito.

1. — Pois, pelos hábitos, um ser fica bem ou mal disposto para alguma coisa, como já se disse 1. Ora, os seres a têm essa boa ou má disposição da forma, pois por esta é que cada um deles tem a bondade e é ente. Logo, não há nenhuma necessidade dos hábitos.

2. Demais — O hábito implica em ordenar-se para o acto. Ora, a potência implica em ser princípio suficiente do acto, pois as potências, sem os hábitos, são princípios dos actos. Logo, não há necessidade da existência daqueles.

3. Demais — O hábito comporta-se do mesmo modo que a potência, em relação ao bem e ao mal, e tal como a potência, também o hábito nem sempre age. Logo, a existência das potências torna supérflua a do hábito.

Mas, em contrário, os hábitos são certas perfeições, como diz Aristóteles 2. Ora, a perfeição é sumamente necessária, porque tem a natureza de fim. Logo, é necessária a existência dos hábitos.

Como já dissemos 3, o hábito implica uma certa disposição ordenada à natureza da coisa e à operação ou fim da mesma, e em virtude da qual um ser fica bem ou mal disposto para essa operação ou esse fim. Porém para que um ser deva ser disposto para outro são necessárias três condições. — Primeira, o que é disposto deve ser diferente daquilo a que é disposto e estar para este como a potência, para o acto. Donde, o ser que tiver a natureza não composta de potência e acto cuja operação for substancial e em si mesmo subsistente, não é susceptível de hábito ou disposição. — A segunda é que o ser potencial possa ser determinado de vários modos e relativamente a vários actos. Donde, o que for potencial relativamente a um acto, e só a esse, não é susceptível de disposição nem de hábito, porque um tal sujeito já tem, por natureza, a devida predisposição para um determinado acto. Assim, se o corpo celeste for composto de matéria e de forma, como essa matéria não é potencial em relação a mais de uma forma, segundo já dissemos na Primeira Parte 4, não será susceptível de disposição ou de hábito relativamente à forma ou à operação, porque a natureza do corpo celeste não é potencial senão a um movimento determinado. — A terceira é que vários elementos qualitativos concorram para dispor o sujeito a um daqueles termos em relação ao qual é potencial e que podem ser proporcionados diversamente entre si, de modo a ele ser bem ou mal disposto para a forma ou para a operação. Donde, as qualidades simples dos elementos, que, de um determinado modo convêm às naturezas, não as denominamos disposições ou hábitos. Denominamos porém assim, a saúde, a beleza e atributos semelhantes, que implicam uma certa proporção entre muitos elementos qualitativos, susceptíveis de serem combinados de modos diversos. E por isto o Filósofo diz, que o hábito é uma disposição, e que a disposição é a ordem do que tem parte, local, potencial ou especificamente 5, como já dissemos 6.

Donde, como há muitos entes, para cujas naturezas e operações necessariamente concorrem muitos elementos qualitativos, que podem ser combinados de diversos modos, é necessário que existam os hábitos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A natureza de um ser aperfeiçoa-se pela forma, mas é necessário que o sujeito se disponha, por alguma disposição ordenada a essa forma. Esta última por sua vez ordena-se ulteriormente à operação, que é o fim ou a via para ele. Se porém a forma for susceptível de uma só operação determinada, não é necessária, para tal operação, além dessa forma, nenhuma outra disposição. Se porém a forma for tal que possa operar de modos diversos, como é o caso da alma, é necessário que seja disposta por alguns hábitos para as suas operações.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A potência às vezes é relativa a muitos actos, e, por isso, é necessário que seja determinada por outro ser. A potência porém que se não referir a muitos actos, não precisa de nenhum hábito determinante, como já dissemos. E por isso as potências naturais não produzem as suas operações mediante certos hábitos, porque já por si mesmas estão determinadas a um termo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é um mesmo hábito que se refere ao bem e ao mal, como a seguir se dirá 7, ao contrário do que se dá com uma mesma potência. E portanto os hábitos são necessários para determinarem as potências ao bem.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. Q. 49, a. 2.
2. VII Physic. (lect. V).
3. Q. 49, a. 2, 3.
4. Q. 66, a. 2.
5. V Metaph. (lect. XXIII).
6. Q. 49, a. 1, ad 3.
7. Q. 54, a. 3.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.