Páginas

15/11/2013

Tratado das virtudes em geral 15


Questão 57: Da distinção entre as virtudes intelectuais.
Art. 4 — Se a prudência é virtude diferente da arte.

(IIª-IIª, q. 47, a.4, ad 2, a. 5, De Virtut., q. 1, a. 12, VI Ethic., lect IV).

O quarto discute-se assim. — Parece que a prudência não é virtude diferente da arte.

1. — Pois, a arte é a razão recta de acordo com a qual fazemos certas obras. Ora, obras genericamente diversas não fazem com que uma arte deixe de o ser, pois há artes diversas que se ocupam com obras muito diversas. Ora, como também a prudência é uma certa razão recta das obras, parece que também ela deve ser considerada como arte.

2. Demais. — A prudência convém mais com a arte que os hábitos especulativos, pois tanto estes como aquela, dizem respeito ao que se realiza contingentemente, como já se disse 1. Ora, certos hábitos especulativos se chamam artes. Logo e com maior razão, a prudência deve ser considerada uma arte.

3. Demais. — É próprio da prudência aconselhar rectamente, como já se disse 2. Ora, também em certas artes, como a militar, a governativa e a medicinal, é preciso haver conselho 3. Logo, a prudência não se distingue da arte.

Mas, em contrário, o Filósofo distingue a prudência da arte 4.

As virtudes distinguem-se pelas noções diversas que elas realizam. Pois, como já se disse 5, há hábitos que se fundamentam como virtudes só por darem a faculdade de obrar rectamente, outros, porque não só dão essa faculdade, mas também o uso. Ora, a arte dá apenas a faculdade de obrar rectamente, porque não diz respeito ao apetite. Ao passo que a prudência, não só dá a referida faculdade, como também o uso, pois, diz respeito ao apetite por lhe pressupor a retidão.

E a razão desta diferença é que a arte é a razão recta que nos dirige naquilo que produzimos, ao passo que a prudência é a razão recta que nos dirige quando agimos. Ora, produzir e agir diferem, pois, como se disse 6, produzir implica um acto transitivo para a matéria exterior, como, edificar, cortar e outros, enquanto que agir implica um acto imanente no agente, como ver, querer e outros. Assim que, a prudência está para os actos humanos, consistentes no uso das potências e dos hábitos, como a arte está para o que produzimos exteriormente. Ora, a perfeição e a rectitude do acto depende dos princípios que servem de base ao silogismo da razão, do mesmo modo que, como já dissemos 7, a ciência depende do intelecto, que é o hábito dos princípios e o pressupõe. Ora, nos actos humanos, os fins desempenham o mesmo papel que os princípios nas ciências especulativas, como já se disse 8. Donde, a prudência, que é a razão recta, que nos guia nas nossas acções, exige que estejamos bem dispostos em relação aos fins, o que se dá pelo apetite recto, e, portanto, ela também supõe a virtude moral, que torna recto o apetite. Ora, a bondade das obras da arte não é a do apetite humano, mas a dessas obras mesmas, e por isso a arte não pressupõe o apetite recto. E daí vem que o artífice que peca voluntariamente é mais digno de louvor que outro que o faz involuntariamente, ao contrário quem peca voluntariamente vai contra a prudência mais que quem o faz involuntariamente, porque a prudência exige, por essência, a rectidão da vontade, o que não se dá com a arte. Donde consta com clareza que a prudência é uma virtude distinta da arte.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os diversos géneros das coisas artificiais são todos exteriores ao homem, e por isso não diversificam a noção de virtude. Mas a prudência, sendo a razão recta dos próprios actos humanos, a diversifica, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A prudência convém mais com a arte que os hábitos especulativos, quanto ao sujeito e à matéria, pois ambas pertencem à parte opinativa da alma e dizem respeito ao que sucede contingentemente. Mas, pela noção de virtude, a arte convém mais com os hábitos especulativos, que com a prudência, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A prudência aconselha com acerto sobre o pertencente à totalidade e ao último fim da vida humana. Enquanto certas artes aconselham apenas sobre o pertencente aos seus fins próprios. Por isso, os bons conselheiros em matéria bélica ou náutica, se consideram chefes prudentes ou pilotos e não simplesmente prudentes, como aqueles, e só esses, que aconselham sobre o pertencente à totalidade da vida.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. VI Ethic. (lect. V).
2. VI Ethic. (lect. IV).
3. III Ethic. (lect. IV).
4. VI Ethic. (lect. IV).
5. Q. 57, a. 1, q. 56, a. 3.
6. IX Metaph. (lect. VIII).
7. Q. 57, a. 2, ad 2.
8. VII Ethic. (lect. VIII).


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.