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27/10/2013

Tratado das paixões da alma 122




Questão 47: Da causa eficiente da ira e dos seus 
remédios


Art. 4 — Se uma deficiência é causa de mais facilmente nos irarmos contra outrem.


O quarto discute-se assim. — Parece que uma deficiência não é causa de mais facilmente nos irarmos contra outrem.

1. — Pois, como diz o Filósofo, não nos iramos contra os que confessam o mal que fizeram, dele se arrependem e se humilham, antes, somos brandos para com eles. Assim também os cães não mordem os que estão sentados 1. Ora, isto supõe fraqueza e deficiência. Logo, a fraqueza é causa de não nos irarmos contra outrem.

2. Demais — Não há deficiência maior que a morte. Ora, a ira cessa para com os mortos. Logo, a deficiência de uma pessoa não é causa de nos irarmos contra ela.

3. Demais — Não julgamos que alguém valha pouco por ser nosso amigo. Ora, ofendemo-nos, sobretudo, quando os amigos nos fazem mal ou não nos ajudam, e por isso diz a Escritura (Sl 54, 13): Porque se o meu inimigo houvera falado mal de mim, eu houvera sofrido por certo. Logo, a deficiência não é causa de nos irarmos contra ninguém.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, o rico ira-se contra o pobre, que o despreza, e o chefe, contra o súbdito 2.

Como já dissemos 3, o desprezo imerecido é o que sobretudo provoca a ira. Donde, a deficiência ou a fraqueza daquele contra quem estamos irados contribui para o aumento da ira, enquanto aumenta o desprezo imerecido. E assim, quanto maior for alguém tanto mais será imerecidamente desprezado, e quanto menor, tanto mais imerecidamente despreza. Por isso os nobres se iram quando desprezados pelos rústicos, bem como os sábios, quando o são pelos ignorantes e os senhores, pelos servos.

A fraqueza porém, ou a deficiência, que diminui o desprezo imerecido não aumenta, mas diminui a ira. E deste modo, os que se arrependem das injúrias feitas, confessam o mal praticado, humilham-se e pedem perdão mitigam a ira, conforme aquilo da Escritura (Pr 15, 1): A resposta branda quebra a ira. Porque vemos que esses tais não desprezam, mas antes, estimam aqueles ante quem se humilham.

E daqui se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A causa porque a ira cessa em relação aos mortos, é dupla. Primeiro por não poderem sofrer e sentir, o que sobretudo desejam os irados em relação aos de quem têm ira. Segundo, por vermos que já sofreram o último dos males. Por isso a ira também cessa relativamente aos que já sofreram graves penas, por exceder o mal deles a medida da justa retribuição.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O desprezo dos amigos está no número dos mais imerecidos. Por isso, por semelhante causa, mais nos iramos contra eles, se nos desprezarem, quer fazendo-nos mal, ou não nos auxiliando, assim como contra os que nos são inferiores.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II Rhetoric. (cap. III).
2. II Rhetoric. (cap. II).
3. q. 47, a. 2, 3.


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