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17/10/2013

Tratado das paixões da alma 112




Questão 46: Da ira em si mesma


Art. 2 — Se o objecto da ira é o mal.


(Infra, a. 6, De malo, q. 12, a. 2, 4).


O segundo discute-se assim. — Parece que o objecto da ira é o mal.

1. — Pois, como diz Gregório Nisseno 1, a ira é quase a escudeira da concupiscência, porque impugna o que impede a esta. Ora, todo impedimento implica a noção de mal. Logo, a ira diz respeito ao mal, como seu objecto.

2. Demais — A ira e o ódio convêm no mesmo efeito, pois uma e o outro nos causam dano. Ora, o ódio tem o mal como objecto, segundo já se disse 2. Logo, também a ira.

3. Demais — A ira é causada pela tristeza, e por isso o Filósofo diz que a ira age acompanhada da tristeza 3. Ora, o objecto desta é o mal. Logo, também o daquela.

Mas, em contrário, diz Agostinho, que a ira provoca a vindicta 4. Ora, o desejo da vindicta é o desejo do bem, pois se refere à justiça. Logo, o objecto da ira é o bem.

DEMAIS. — A ira vai sempre junta com a esperança, e por isso causa o prazer, como diz o Filósofo 5. Ora, o objecto da esperança e do prazer é o bem. Logo, também o da ira.

O movimento da virtude apetitiva é consecutivo ao acto da apreensiva. Ora, esta pode apreender um objecto de dois modos, de modo incomplexo, como quando inteligimos o que é o homem, e de modo complexo, como quando inteligimos que a cor branca existe num homem. Donde, de ambos esses modos a virtude apetitiva pode tender para o bem e para o mal. A modo de simples e incomplexo, quando o apetite segue simplesmente o bem ou adere a ele, ou quando foge do mal. E tais movimentos constituem o desejo e a esperança, o prazer e a tristeza, e outros semelhantes. A modo de complexo, como quando o apetite deseja algum bem ou mal para alguém, quer tendendo para um determinado objecto, quer fugindo do mesmo. E isto é manifesto no amor e no ódio, pois amamos a quem desejamos o bem, e odiamos a quem queremos o mal. E o mesmo se dá com a ira: quem está irado procura vingar-se. Donde, o movimento da ira tende para dois termos: para a vindicta em si, que deseja e espera, como um bem, provindo daí o deleite, e para aquele de quem quer tirar vingança, como alguém que lhe é contrário e nocivo, o que implica a noção do mal.

Ora a esta luz, há uma dupla diferença a considerar entre a ira e o amor e o ódio. A primeira é que a ira diz sempre respeito a dois objectos, ao passo que o amor e o ódio às vezes visam só um objecto, como quando dizemos que alguém ama ou detesta o vinho ou coisa semelhante. A segunda é que os dois objectos a que diz respeito o amor são bons, pois o amante quer o bem a alguém como sendo conveniente a este último. E os dois objectos a que diz respeito o ódio são um e outro de natureza má, pois, quem odeia quer o mal a alguém como lhe sendo inconveniente a este. A ira, ao contrário, considera como bom um objecto, a saber, a vindicta que deseja, e outro, como mal, a saber, o homem nocivo, de quem se quer vingar. Donde, é uma paixão composta, de certo modo, de paixões contrárias.

E daqui se deduz claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Nemésio, De nat. hom.
2. Q. 29, a. 1.
3. VII Ethic. (lect. VI).
4. II Rhetoric. (cap. II).
5. II Rhetoric (cap. II).


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