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16/10/2013

Tratado das paixões da alma 111




Questão 46: Da ira em si mesma

Em seguida, devemos tratar da ira. — E, primeiro, da ira em si mesma. Segundo, da causa produtiva da ira e do seu remédio. Terceiro, do seu efeito.

Sobre a primeira questão oito artigos se discutem:

Art. 1 — Se a ira é uma paixão especial.
Art. 2 — Se o objecto da ira é o mal.
Art. 3 — Se a ira tem sua sede no concupiscível.
Art. 4 — Se a ira é acompanhada da razão.
Art. 5 — Se a ira é mais natural que a concupiscência.
Art. 6 — Se a ira é mais grave que o ódio.
Art. 7 — Se a ira só tem por objecto os susceptíveis de justiça.
Art. 8 — Se Damasceno assinala convenientemente três espécies de ira, a saber: o fel, a mania e o furor.

Art. 1 — Se a ira é uma paixão especial.

(Supra, q. 23, a . 4, III Sent., dist. XXVI, q. 1, a . 3).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a ira não é uma paixão especial.

1. — Pois, da ira tem a sua denominação a potência irascível. Ora, a esta pertence, não só uma, mas muitas paixões. Logo, a ira não é uma paixão especial.

2. Demais — Cada paixão especial tem a sua contrária, como verá claramente quem as examinar uma por uma. Ora, não há nenhuma paixão contrária à ira, como já se disse 1. Logo, não é uma paixão especial.

3. Demais — Uma paixão especial não inclui outra. Ora, a ira inclui muitas paixões, pois vai de mescla com a tristeza, com a esperança e com o prazer, como se vê claramente no Filósofo 2. Logo, não é uma paixão especial.

Mas, em contrário, Damasceno considera a ira como uma paixão especial 3, e semelhantemente Túlio 4.

Uma expressão ser geral pode de dois modos. Ou como predicação, e assim a palavra animal aplica-se geralmente a todos os animais, ou como causa, e assim o sol é a causa geral de tudo o que se produz nos seres da terra, segundo Dionísio 5. Ora, assim como o género contém, potencialmente, muitas diferenças, quanto à semelhança da matéria, assim a causa agente, muitos efeitos quanto à virtude activa. Um efeito porém pode ser produzido pelo concurso de diversas causas. E como toda causa permanece, de certa maneira, no seu efeito, podemos também dizer, de um terceiro modo, que o efeito, produzido pela reunião de muitas causas, tem uma certa generalidade, enquanto as encerra, de certo modo, actualmente.

Donde, do primeiro modo, a ira não é uma paixão geral, mas entra na mesma divisão que as outras, como já dissemos 6. — E nem do segundo. Pois, não é a causa das outras paixões, ao passo que, deste modo, podemos considerar o amor como uma paixão geral, segundo vemos claramente em Agostinho 7, pois, ele é a raiz primeira de todas as paixões, como já dissemos 8. Num terceiro modo porém, a ira pode ser considerada paixão geral, enquanto causada pelo concurso de muitas paixões. Pois, o movimento da ira não se manifesta senão porque sofremos alguma tristeza e porque nos está presente o desejo e a esperança de nos vingarmos, porquanto, no dizer do Filósofo, o irado nutre a esperança de se vingar, pois, deseja a vindicta como lhe sendo possível 9. Donde, se for muito avantajada a pessoa que nos causou um mal, não dará lugar à ira, mas só à tristeza, como diz Avicena 10.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A potência irascível recebe da ira a sua denominação, não que todos os movimentos dessa potência se reduzam a ela, mas porque todos nela acabam, ora, entre todos os referidos movimentos este é o mais manifesto.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Por isso mesmo é que a ira é causada por paixões contrárias, a saber, pela esperança, que visa o bem, e pela tristeza, que visa o mal, ela inclui em si a contrariedade, por isso não tem contrário. Como também as cores médias não têm contrariedade senão a que resulta das cores simples que as causam.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A ira inclui muitas paixões, não, certo, como o género inclui as espécies, mas antes, como a causa contem o efeito.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 23, a. 3.
2. II Rhetoric. (cap. II).
3. Lib. II Orth. Fid., cap. XVI.
4. IV De tuscul. Quaestion. (cap. VII).
5. IV cap. De div. nom. (lect. III).
6. Q. 23, q. 4.
7. XIV De civit. Dei (cap. VII).
8. Q. 27, a. 4.
9. II Rhetoric. (cap. II).
10. De anima (lib. IV, cap. VI).


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