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23/06/2013

Tratado das paixões da alma 60



Questão 35: Da dor e da tristeza em si mesmas.

Art. 2 — Se a tristeza é dor.


(III, q 15 a. 6, III Sent., dist. XV, 1. 2 a. 3, qª 1, 2, De Verit., q. 26, a. 3, ad 9, a. 4 ad 4).


O segundo discute-se assim. — Parece que a tristeza não é dor.


1. — Pois, como diz Agostinho, a dor refere-se ao corpo 1. Ora, a tristeza diz respeito sobretudo, à alma. Logo, a tristeza não é dor.

2. Demais — A dor só se refere ao mal presente. Ora, a tristeza pode referir-se ao pretérito e ao futuro, assim, a penitência é uma tristeza relativa ao pretérito e a ansiedade, ao futuro. Logo, a tristeza difere absolutamente da dor.

3. Demais — A dor não é causada senão pelo sentido do tacto. Ora, a tristeza pode ser causada por todos os sentidos. Logo, a tristeza não é dor e é objecto de um conceito mais lato.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 9, 2): Tenho grande tristeza e contínua dor no meu coração, usando das palavras tristeza e dor no mesmo sentido.

O prazer e a dor podem ser causados por dupla apreensão: pela do sentido externo ou pela interna, da inteligência ou da imaginação. Ora, a apreensão interna tem maior extensão que a externa, pois tudo o que entra no domínio desta entra também no daquela, mas não inversamente. Donde, só o prazer causado pela apreensão interna é denominado alegria, como já dissemos 2. E semelhantemente, é chamada tristeza só aquela dor que é causada pela apreensão interna. E assim como só o prazer causado pela apreensão externa merece o nome de tal e não o de alegria, assim também a dor causada pela apreensão externa tem tal denominação e não a de tristeza. Logo, a tristeza é uma espécie de dor, como a alegria é uma espécie de prazer.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — No passo aduzido, Agostinho se refere ao uso do vocábulo, pois a palavra dor é usada sobretudo para exprimir as dores corpóreas, que são mais conhecidas, do que para exprimir as dores espirituais.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Ao passo que o sentido externo só percebe o presente, a faculdade cognitiva interna pode perceber o presente, o pretérito e o futuro. E por isso a tristeza pode referir-se ao presente, ao pretérito e ao futuro, ao passo que a dor corpórea, consecutiva à apreensão do sentido externo só pode referir-se ao presente.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os sensíveis do tacto são dolorosos, não só enquanto desproporcionados à potência apreensiva mas também na medida em que contrariam a natureza. Os sensíveis dos outros sentidos porém, embora possam ser desproporcionados à potência apreensiva, contudo não contrariam a natureza senão em ordem aos sensíveis do tacto. Por isso, só o homem, animal de conhecimento perfeito, se deleita com os sensíveis em si mesmos dos outros sentidos, enquanto os brutos só se deleitam com eles na medida em que se referem aos sensíveis do tacto, como diz o Filósofo 3. E por isso, em relação aos sensíveis dos outros sentidos, não dizemos que há dor enquanto esta contraria o prazer natural, mas antes, tristeza, que contraria o prazer animal. Se, pois, numa acepção mais usual, tomarmos a dor como significando dor corpórea, ela divide-se, por oposição com a tristeza e relativamente à distinção entre apreensão interna e externa, embora quanto aos objectos o prazer tenha maior extensão que a dor corpórea. Se porém tomarmos a palavra dor numa acepção comum, então ela vem a ser um género de tristeza, como já dissemos.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. XIV De civit. Dei, cap. VII.
2. Q. 31, a. 3.
3. III Ethic., lect. XIX, XX.

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