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20/05/2013

Tratado das paixões da alma 32



Questão 29: Do ódio.

Art. 3 ― Se o ódio é mais forte que o amor.




O terceiro discute-se assim. ― Parece que o ódio é mais forte que o amor.





1. ― Pois, diz Agostinho: Não há ninguém que não fuja da dor mais do que deseja o prazer 1. Ora, fugir da dor é próprio do ódio, ao passo que o desejo do prazer é próprio do amor. Logo, aquele é mais forte que este.

2. Demais. ― O mais débil é vencido pelo mais forte. Ora, quando o amor se converte no ódio é vencido por este. Logo, o ódio é mais forte que o amor.

3. Demais. ― As afeições da alma manifestam-se pelos seus efeitos. Ora, o homem aplica-se mais em repelir o odioso do que em buscar o amado, pois até mesmo os animais se abstêm do prazer por temor do açoite, como diz Agostinho 2. Logo, o ódio é mais forte que o amor.

Mas, em contrário. ― O bem é mais forte que o mal, pois o mal não age senão em virtude do bem, como diz Dionísio 3. Ora, o ódio e o amor diferem pela diferença existente entre o bem e o mal. Logo, o amor é mais forte que o ódio.

É impossível que o efeito seja mais forte que a causa. Ora, todo ódio precede, como de causa, de algum amor, como já dissemos 4. Logo, é impossível que o ódio seja absolutamente mais forte que o amor.

Mas é necessário além disto, que o amor, absolutamente falando, seja mais forte que o ódio. Pois, um ser move-se mais fortemente para os fins que para os meios. Ora, como o afastamento do mal se ordena à consecução do bem, como fim, conclui-se que, absolutamente falando, é mais forte o movimento da alma para o bem do que para o mal.

Às vezes porém o ódio parece mais forte que o amor, por duas razões. ― Primeira, por ser mais sensível que ele. Pois, a percepção do sentido implica uma certa imutação e esta nós sentimo-la mais vivamente no próprio momento em que se opera do que quando já é consumada, e assim se explica que o calor da febre hética, embora maior, não é sentido tão intensamente como o calor da terçã, porque já se transformou num quase hábito da natureza. E também o amor é mais sentido na ausência do amado, porque, como diz Agostinho, não é tão sentido como quando o manifesta a falta do amado 5. Donde, também se explica que a repugnância seja percebida pelo objecto odiado mais sensivelmente do que a conveniência do amado. ― Segunda, porque não há correlação entre o ódio e o amor correspondente. Pois, conforme a diversidade dos bens assim é a dos amores, na sua maior ou menor intensidade, e a esses amores proporcionam-se os ódios opostos. E por isso, o ódio correspondente ao maior amor move mais que o menor amor.

DONDE SE DEDUZ CLARA A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Assim, o amor do prazer é menor que o da própria conservação ao qual corresponde a fuga da dor, e por isso fugimos mais à dor do que amamos o prazer.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O ódio nunca venceria o amor senão por causa de um amor maior que tem o seu ódio correspondente. Assim como nos amamos a nós mesmos mais que o amigo, por isso odiamos até o próprio amigo que nos contraria.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Por ser o ódio mais sensível que o amor é que se age mais intensamente para repelir o que é odioso.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. LXXXIII Quaestio., q. XXXVI.
2. Ibid.
3. De divin. Nom., cap. IV, lect. XVI.
4. Q. 29, a. 2.
5. X De Trin., cap. XII.

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