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23/03/2013

Resumos sobre a Fé Cristã



A elevação sobrenatural e o pecado original 2

2. O pecado original

Com o relato da transgressão humana do mandato divino de não comer do fruto da árvore proibida, por instigação da serpente (Gn 3,1-13), a Sagrada Escritura ensina que no início da história os nossos primeiros pais se rebelaram contra Deus desobedecendo-Lhe, sucumbindo à tentação de quererem ser como deuses. Como consequência, receberam o castigo divino, perdendo grande parte dos dons que lhes tinham sido concedidos (vv. 16-19) e foram expulsos do paraíso (v. 23). Isto foi interpretado pela tradição cristã como a perda dos dons sobrenaturais e preternaturais, bem como um dano na própria natureza humana, se bem que não ficasse essencialmente corrompida. Fruto da desobediência, de se preferirem antes si próprios em vez de Deus, o homem perde a graça (cf. Catecismo, 398-399) e também a harmonia com a criação e consigo mesmo: o sofrimento e a morte fazem a sua entrada na história (cf. Catecismo, 399-400).
O primeiro pecado teve o carácter de uma tentação aceite, pois por detrás da desobediência humana está a voz da serpente, que representa Satanás, o anjo caído. A Revelação fala de um pecado anterior, seu e de outros anjos, os quais – tendo sido criados bons – recusaram irrevogavelmente Deus. Após o pecado humano, a criação e a história ficam sob o influxo maléfico do «pai da mentira e homicida desde o princípio» (Jo 8,44). Embora o seu poder não seja infinito, mas muito inferior ao divino, causa realmente danos muito graves em cada pessoa e na sociedade, e o facto da permissão divina da actividade diabólica não deixa de constituir um mistério (cf. Catecismo, 391-395).

O relato contém também a promessa divina dum Redentor (Gn 3,15). A Redenção ilumina assim o alcance e a gravidade da queda humana, mostrando a maravilha do amor de um Deus que não abandona a sua criatura mas que vem ao seu encontro com a obra salvadora de Jesus. «É preciso conhecer Cristo como fonte da graça para conhecer Adão como fonte do pecado» (Catecismo, 388). «”O mistério da iniquidade” (2 Ts 2,7) só se esclarece à luz do “Mistério da piedade” (1 Tm 3,16)» (Catecismo, 385).

A Igreja entendeu sempre este episódio como um facto histórico – mesmo que nos tenha sido transmitido em linguagem certamente simbólica (cf. Catecismo, 390) –, que foi denominado tradicionalmente (a partir de Santo Agostinho) como “pecado original”, por ter ocorrido nas origens. O pecado não é “originário” – mesmo que “originante” dos pecados pessoais realizados na história –, mas entrou no mundo como fruto do mau uso da liberdade exercida pelas criaturas (primeiro os anjos, depois o homem). O mal moral não pertence, pois, à estrutura humana, não provém nem da natureza social do homem, nem da sua materialidade, nem, obviamente, sequer de Deus, ou de um destino inamovível. O realismo cristão põe o homem diante da sua própria responsabilidade: pode fazer o mal como fruto da sua liberdade, e o responsável por isso não é outro mas ele próprio (cf. Catecismo, 387).

Ao longo da história, a Igreja formulou o dogma do pecado original em contraste com o optimismo exagerado e o pessimismo existencial (cf. Catecismo, 406). Face a Pelágio, que afirmava que o homem pode realizar o bem usando apenas as suas forças naturais, e que a graça é uma mera ajuda externa, minimizando, assim, quer o alcance do pecado de Adão, quer a redenção de Cristo – reduzidos a um mero mau ou bom exemplo, respectivamente –, o Concilio de Cartago (418), seguindo Santo Agostinho, ensinou a prioridade absoluta da graça, pois o homem depois do pecado ficou debilitado (cf. DS 223.227; cf. também o Concilio II de Orange, no ano 529: DS 371-372). Contra Lutero, que defendia que depois do pecado o homem está essencialmente corrompido na sua natureza, que a sua liberdade fica anulada e que em tudo o que faz há pecado, o Concílio de Trento (1546) afirmou a relevância ontológica do baptismo, que apaga o pecado original; embora permaneçam as suas sequelas – entre elas, a concupiscência, que não se há-de identificar, como fazia Lutero, com o próprio pecado – o homem é livre nos seus actos e pode merecer com obras boas, apoiadas pela graça (cf. DS 1511-1515).

Na base da posição luterana e também de algumas interpretações recentes de Gn 3, está em jogo uma adequada compreensão da relação entre 1) natureza e história, 2) o plano psicológico-existencial e o plano ontológico, 3) o individual e o colectivo.

1 Mesmo que haja alguns elementos de carácter mítico no Génesis (entendendo o conceito de “mito” no seu melhor sentido, ou seja, como palavra-narração que dá origem e que, portanto, está no fundamento da história posterior), seria um erro interpretar o relato da queda como uma explicação simbólica da original condição pecadora humana. Esta interpretação converte em natureza um facto histórico, mitificando-o e tornando-o inevitável: paradoxalmente, o sentido de culpa que leva a reconhecer-se “naturalmente” pecador, conduziria a mitigar ou eliminar a responsabilidade pessoal no pecado, pois o homem não poderia evitar aquilo para que tende espontaneamente. O correcto, o justo, é afirmar que a condição pecadora pertence à historicidade do homem e não à sua natureza originária.

2 Ao terem ficado depois do baptismo algumas sequelas do pecado, o cristão pode experimentar com violência a tendência para o mal, sentindo-se profundamente pecador, como ocorre na vida dos santos. No entanto, esta perspectiva existencial não é a única, nem sequer a mais fundamental, pois o baptismo apagou realmente o pecado original e fez-nos de facto filhos de Deus (cf. Catecismo, 405). Ontologicamente, o cristão em graça é justo diante de Deus. Lutero radicalizou a perspectiva existencial, entendendo toda a realidade a partir dela, que ficava assim marcada ontologicamente pelo pecado.

3 O terceiro ponto conduz à questão da transmissão do pecado original, «um mistério que não podemos compreender plenamente» (Catecismo, 404). A Bíblia ensina que os nossos primeiros pais transmitiram o pecado a toda a humanidade. Os capítulos seguintes do Génesis (cf. Gn 4-11; cf. Catecismo, 401) narram a progressiva corrupção do género humano; estabelecendo um paralelismo entre Adão e Cristo, São Paulo afirma: «como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores, também pela obediência de um só (Cristo) todos virão a ser justos» (Rm 5,19). Este paralelismo ajuda a entender correctamente a interpretação que costuma dar-se do termo adamáh como de um singular colectivo: como Cristo é um só e cabeça da Igreja, assim Adão é um só e cabeça da humanidade 5. «Em virtude desta “unidade do género humano”, todos os homens estão implicados no pecado de Adão, do mesmo modo que todos estão implicados na justificação de Cristo» (Catecismo, 404).

A Igreja entende de modo analógico o pecado original dos nossos primeiros pais e o pecado herdado pela humanidade. «Adão e Eva cometem um pecado pessoal... É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e da justiça originais. E é por isso que o pecado original se chama “pecado” por analogia: é um pecado “contraído” e não “cometido”; um estado e não um acto» (Catecismo, 404). Assim, «embora próprio de cada um, o pecado original não tem, em qualquer descendente de Adão, carácter de falta pessoal» (Catecismo, 405) 6.

Para algumas pessoas é difícil aceitar a ideia de um pecado herdado 7, sobretudo se se tiver uma visão individualista da pessoa e da liberdade. O que é que eu tive a ver com o pecado de Adão? Porque é que hei-de pagar as consequências do pecado de outros? Estas perguntas reflectem uma ausência do sentido da solidariedade real que existe entre todos os homens enquanto criados por Deus. Paradoxalmente, esta ausência pode entender-se como uma manifestação do pecado transmitido a cada um. Quer dizer, o pecado original ofusca a compreensão daquela profunda fraternidade do género humano que torna possível a sua transmissão.

Perante as lamentáveis consequências do pecado e da sua difusão universal pode perguntar-se: «Mas, porque é que Deus não impediu o primeiro homem de pecar? São Leão Magno responde: “A graça inefável de Cristo deu-nos bens superiores aos que a inveja do demónio nos tinha tirado” (serm. 73,4). E São Tomás de Aquino: “Nada se opõe a que a natureza humana tenha sido destinada a um fim mais elevado depois do pecado. Efectivamente, Deus permite que os males aconteçam para deles retirar um bem maior. Daí as palavras de São Paulo: ‘onde abundou o pecado, superabundou a graça’” (Rm 5,20). Por isso, na bênção do círio pascal canta-se: ‘Ó feliz culpa que mereceu tal e tão grande Redentor!’” (Summa Theologiae, III, 1, 3, ad 3)» (Catecismo, 412).

santiago sanz

Bibliografia básica

Catecismo da Igreja Católica, 374-421.
Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 72-78.
João Paulo II, Creo en Dios Padre. Catequesis sobre el Credo (I), Palabra, Madrid 1996, 219 seg.
DS, n. 222-231; 370-395; 1510-1516; 4313.

Leituras recomendadas:

João Paulo II, Memória e Identidade, Bertrand Editora, Lisboa 2005.
Bento XVI, Homilia, 8-XII-2005.
Joseph Ratzinger, Creación y pecado, Eunsa, Pamplona 1992.

(Resumos da Fé cristã: © 2013, Gabinete de Informação do Opus Dei na Internet)

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Notas:
5 Esta é a principal razão de que a Igreja tenha sempre lido o relato da queda numa óptica de monogenismo (proveniência do género humano a partir de um só casal). A hipótese contrária, o poligenismo, pareceu impor-se como dado científico (e inclusive exegético) durante uns anos, mas actualmente, a nível científico, considera-se mais plausível a descendência biológica de um só casal (monofiletismo). Do ponto de vista da fé, o poligenismo é problemático, pois não se vê como possa conciliar-se com a Revelação sobre o pecado original (cf. Pio XII, Enc. Humani Generis, DS 3897), embora se trate de una questão sobre a qual ainda cabe investigar e reflectir.
6 Neste sentido, distinguiu-se tradicionalmente entre o pecado original originante (o pecado pessoal cometido pelos nossos primeiros pais) e o pecado original originado (o estado de pecado em que nasceram os seus descendentes).
7 Cf. João Paulo II, Audiência geral, 24-IX-1986, 1.

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