Páginas

18/02/2013

Tratado dos actos humanos 36


Questão 13: Da eleição.


Em seguida devemos tratar dos actos da vontade concernentes aos meios. São três: eleger, consentir e usar. Ora, como à eleição precede o conselho, devemos tratar, primeiro, da eleição, segundo, do conselho, terceiro, do consentimento, quarto do uso.

Sobre a eleição, seis artigos se discutem:

Art. 1 ― Se a eleição é acto da vontade ou da razão.
Art. 2 ― Se a eleição convém aos brutos.
Art. 3 ― Se a eleição só existe em relação aos meios.
Art. 4 ― Se a eleição só existe em relação aos actos humanos.
Art. 5 ― Se há eleição só do possível.
Art. 6 ― Se o homem elege necessariamente.


Art. 1 ― Se a eleição é acto da vontade ou da razão.

(I, q. 83, ª 3, II Sent., dist. XXIV, q. 1, a . 2, De Verit., q. 22, a . 15, III Ethic., lect. VI, IX, VI, lect. II).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que a eleição não é acto da vontade, mas da razão.

1. ― Pois, a eleição importa numa certa comparação, pela qual se refere uma coisa a outra. Ora, comparar é próprio da razão. Logo, também a esta pertence a eleição.

2. Demais. ― A mesma faculdade é a que raciocina e conclui. Ora, raciocinar, na ordem dos actos é próprio da razão. E como a eleição é uma como conclusão, na ordem dos actos, como diz Aristóteles 1, parece que ela é um acto da razão.

3. Demais. ― A ignorância não é própria da vontade, mas, da virtude cognitiva. Ora, há uma certa ignorância da eleição, como diz Aristóteles 2. Logo, a eleição não pertence à vontade mas, à razão.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a eleição é o desejo das coisas que estão em nosso poder 3.

Ora, o desejo é acto da vontade. Logo, também a eleição.

A palavra eleição inclui algo pertencente à razão ou intelecto e algo pertencente à vontade. Pois, como diz o Filósofo, a eleição é o intelecto apetitivo, ou o apetite intelectivo 4. Ora, sempre que dois elementos concorrem para constituir uma só realidade, um deles é como formal relativamente ao outro. Donde, Gregório Nisseno (Nemésio), diz que a eleição nem é o apetite, em si mesma, nem só conselho, mas algo de composto desses dois elementos5. Pois, assim como dizemos que o animal é composto de corpo e alma, e que nem o corpo existe por si só, nem a alma só, mas ambos, assim também a eleição.

Devemos porém considerar, em relação aos actos da alma, que o acto essencialmente procedente de uma potência ou hábito, recebe a forma e a espécie da potência ou hábito superior, segundo a lei que subordina o inferior ao superior. Assim, se alguém pratica um acto de fortaleza, por amor de Deus, esse acto materialmente é, certo, de fortaleza, formalmente porém de caridade. Ora, como é manifesto, a razão precede de certo modo a vontade e lhe ordena o acto, a saber enquanto a vontade tende para o seu objecto conforme à ordem da razão, pois que a virtude apreensiva apresenta à apetitiva o seu objecto. Donde, o acto pelo qual a vontade tende para algo que é proposto como bom, desde que é ordenado a um fim pela razão, é, certo, um acto de vontade, materialmente, formalmente, porém é acto de razão. Ora, a substância de tais actos é a matéria, relativamente à ordem imposta pela potência superior. E portanto, a eleição não é, substancialmente, acto da razão, mas da vontade, pois ela se completa por um certo movimento da alma para o bem escolhido. Logo, é de manifesto, acto de potência apetitiva.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A eleição importa numa certa comparação precedente, mas não é essencialmente a comparação mesma.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― A conclusão do silogismo, mesmo relativo aos actos, pertence à razão e se chama sentença ou juízo, a que a eleição se subordina. E por isso, a conclusão, em si, pertence à eleição como a algo dela resultante.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Diz-se que há ignorância da eleição, não porque a eleição mesma seja ciência, mas por se ignorar o que se deve escolher.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
_____________________
Notas:
1. VII Ethic., lect. III.
2. III Ethic., lect. III.
3. III Ethic., lect. IX.
4. VI Ethic., lect. II.
5. Lib. De natura homini., cap. XXXIII.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.