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28/02/2013

Resumos da Fé Cristã 52


A Criação 2


1. O acto criador 2


1.1. «A criação é obra comum da Santíssima Trindade» (Catecismo, 292) 3


«Criador do céu e da terra»


«”No princípio, Deus criou o céu e a terra”. Três coisas são afirmadas nestas primeiras palavras da Escritura: Deus eterno deu um princípio a tudo quanto existe fora d’Ele. Só Ele é criador (o verbo “criar” – em hebreu bara – tem sempre Deus por sujeito). E tudo quanto existe (expresso pela fórmula “o céu e a terra”) depende d’Aquele que lhe deu o ser» (Catecismo, 290).

Só Deus pode criar em sentido próprio 4, o que implica originar as coisas a partir do nada – ex nihilo – e não a partir de algo preexistente; para isso requer-se uma potência activa infinita, que só a Deus corresponde (cf. Catecismo, 296-298). É congruente, portanto, apropriar a omnipotência criadora ao Pai, já que Ele é na Trindade (segundo uma clássica expressão) fons et origo, quer dizer, a Pessoa de quem procedem as outras duas, princípio sem princípio.

A fé cristã afirma que a distinção fundamental na realidade é a que se dá entre Deus e as Suas criaturas. Isto supôs uma novidade nos primeiros séculos, nos quais, polaridade entre matéria e espírito motivava visões inconciliáveis entre si (materialismo e espiritualismo, dualismo e monismo). O cristianismo quebrou estes moldes, sobretudo com a sua afirmação de que também a matéria, como o espírito, é criação do único Deus transcendente. Mais tarde, São Tomás desenvolveu uma metafísica da criação que descreve Deus como o próprio Ser subsistente – Ipsum Esse Subsistens. Como causa primeira, é absolutamente transcendente ao mundo e, ao mesmo tempo, em virtude da participação do Seu ser nas criaturas, está presente intimamente nelas, as quais dependem, em tudo, d’Aquele a que pertence a fonte do ser. Deus é superior summo meo e ao mesmo tempo, intimior intimo meo (Santo Agostinho, Confissões, 3,6,11; cf. Catecismo, 300).

A literatura sapiencial do Antigo Testamento apresenta o mundo como fruto da sabedoria de Deus (cf. Sb 9,9). «O mundo não é fruto duma qualquer necessidade, dum destino cego ou do acaso» (Catecismo, 295), mas tem uma inteligibilidade que a razão humana, participando na luz do Entendimento divino, pode captar, não sem esforço e num espírito de humildade e de respeito perante o Criador e a Sua obra (cf. Jb 42,3; cf. Catecismo, 299). Este desenvolvimento chega à sua expressão plena no Novo Testamento; ao identificar o Filho, Jesus Cristo, com o Logos (cf. Jo 1,1 ss), afirma que a sabedoria de Deus é uma Pessoa, o Verbo encarnado, por quem tudo foi feito (Jo 1,3). São Paulo formula esta relação do criado com Cristo, esclarecendo que todas as coisas foram criadas n’Ele, por Ele e para Ele (Col 1,16-17).

Há, pois, uma razão criadora na origem do cosmos (cf. Catecismo, 284) 5. O cristianismo tem desde o início uma grande confiança na capacidade da razão humana para conhecer e uma enorme segurança em que jamais a razão – científica, filosófica, etc. – poderá chegar a conclusões contrárias à fé, pois ambas provêm de uma mesma origem.

Não é infrequente encontrarem-se pessoas que colocam falsas disjuntivas, como por exemplo, entre criação e evolução. Na realidade, uma adequada epistemologia não só distingue os âmbitos próprios das ciências naturais e da fé, mas, além disso, reconhece na filosofia um elemento necessário de mediação, pois as ciências, com o seu método e objecto próprios, não cobrem a totalidade do âmbito da razão humana e a fé, que se refere ao próprio mundo de que falam as ciências; necessita de categorias filosóficas 6 para se formular e entrar em diálogo com a racionalidade humana.

É, pois, lógico que desde o início, a Igreja procurasse o diálogo com a razão, uma razão consciente do seu carácter criado, pois não se deu a si própria a existência, nem dispõe, completamente, do seu futuro; uma razão aberta ao que a transcende, ou seja, à Razão originária. Paradoxalmente, uma razão fechada sobre si, que crê poder encontrar dentro de si a resposta às suas questões mais profundas, acaba por afirmar o sem-sentido da existência e por não reconhecer a inteligibilidade do real (niilismo, irracionalismo, etc.).

santiago sanz

Bibliografia básica

Catecismo da Igreja Católica, 279-374.
Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 51-72.
DS, n. 125, 150, 800, 806, 1333, 3000-3007, 3021-3026, 4319, 4336, 4341.
Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 10-18, 19-21, 36-39.
João Paulo II, Creo en Dios Padre. Catequesis sobre el Credo (I), Palabra, Madrid 1996, 181-218.

Leituras recomendadas:

Santo Agostinho, Confissões, livro XII.
São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I, qq. 44-46.
São Josemaria, Homilia «Amar o mundo apaixonadamente» em Temas Actuais do Cristianismo, 113-123.
Joseph Ratzinger, Creación y pecado, Eunsa, Pamplona 1992.
João Paulo II, Memória e Identidade, Bertrand Editora, Lisboa 2005.

(Resumos da Fé cristã: © 2013, Gabinete de Informação do Opus Dei na Internet)

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Notas:
4 Por isso se diz que Deus não necessita de instrumentos para criar, já que nenhum instrumento possui a potência infinita necessária para criar. Daí também que, quando se fala, por exemplo, do homem como criador ou inclusive como capaz de participar no poder criador de Deus, o emprego do adjectivo “criador” não é analógico mas metafórico.
5 Este ponto aparece com frequência nos ensinamentos de Bento XVI, por exemplo, Homilia em Regensburg, 12-IX-2006; Discurso em Verona, 19-X-2006; Encontro com o clero da diocese de Roma, 22-II-2007; etc.
6 Tanto o racionalismo cientificista como o fideísmo acientífico necessitam de uma correcção da filosofia. Além disso, há-de evitar-se também a falsa apologética de quem vê forçadas concordâncias, procurando nos dados que a ciência traz uma verificação empírica ou uma demonstração das verdades de fé, quando, na realidade, como dissemos, se trata de dados que pertencem a métodos e disciplinas distintas. 

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