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14/01/2013

Tratado dos actos humanos 1


Questão 6: Da voluntariedade e da involuntariedade.
Questão 7: Das circunstâncias dos actos humanos.
Questão 8: Dos actos em que há vontade.
Questão 9: Do motivo da vontade.
Questão 10: Do modo pelo qual a vontade é movida.
Questão 11: Da fruição.
Questão 12: Da intenção.
Questão 13: Da eleição.
Questão 14: Do conselho.
Questão 15: Do consentimento.
Questão 16: Do uso.
Questão 17: Dos actos ordenados pela vontade.
Questão 18: Da bondade e da malícia dos actos humanos em geral.
Questão 19: Da bondade do acto interior da vontade.
Questão 20: Da bondade e da malícia dos actos humanos exteriores.
Questão 21: Das consequências dos actos humanos em razão da bondade ou da malícia deles.

Questão 6: Da voluntariedade e da involuntariedade.


Como é necessário, pois, chegar-se à bem-aventurança por meio de certos actos, é preciso, consequentemente, tratar dos actos humanos, para conhecermos os que a ela conduzem ou dela se desviam. Mas, como as operações e os actos dizem respeito ao singular, toda ciência considerada em particular, operativa se completa. Donde, a ciência moral, que versa sobre os actos humanos há-de ser tratada, primeiro, em universal e, segundo, em particular.

Quanto à consideração universal dos actos humanos, há que, primeiro, tratar deles em si mesmos, segundo, dos seus princípios. Ora, desses actos, uns são próprios ao homem, outros são-lhe comuns aos animais. E como a bem-aventurança é bem próprio do homem, conduzem a ela mais proximamente os actos propriamente humanos, que os que lhe são comuns com os animais. Portanto, há-de tratar-se, primeiro, dos actos próprios ao homem. Segundo, dos que lhe são comuns com os animais, chamados paixões.

Sobre o primeiro ponto apresentam-se duas considerações: primeira, da condição dos actos humanos, segunda, da distinção deles. Mas como se chamam actos humanos propriamente ditos, aos voluntários, por ser a vontade o apetite racional próprio do homem, é preciso considerar os actos enquanto voluntários. E portanto, há-de tratar-se, primeiro, da voluntariedade e da involuntariedade em comum, segundo, dos actos voluntários ilícitos da própria vontade, dela procedente imediatamente, terceiro, dos actos voluntários imperados pela vontade, procedentes da vontade mediante outras potências.

E como os actos voluntários têm certas circunstâncias pelas quais são julgados há-de tratar-se, primeiro, da voluntariedade e da involuntariedade, e consequentemente, das circunstâncias dos actos em si, onde se manifesta a voluntariedade e a involuntariedade.

Sobre o primeiro ponto oito artigos se discutem:
Art. 1 ― Se há voluntariedade nos actos humanos.
Art. 2 ― Se há voluntariedade nos brutos.
Art. 3 ― Se a voluntariedade pode existir sem algum acto.
Art. 4 ― Se se pode violentar a vontade.
Art. 5 ― Se a violência causa a involuntariedade.
Art. 6 ― Se o medo causa a involuntariedade absoluta.
Art. 7 ― Se a concupiscência causa a involuntariedade.
Art. 8 ― Se a ignorância causa a involuntariedade.
Art. 1 ― Se há voluntariedade nos actos humanos.

(De Verit., q. 23, a . 1).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que não há voluntariedade nos actos humanos.


1. ― Pois, como se vê em Gregório Nisseno 1, Damasceno 2 e Aristóteles 3, é voluntariedade o que tem em si mesmo o seu princípio. Ora, o princípio dos actos humanos não está no próprio homem, mas é-lhe exterior, pois, o apetite do homem é movido a agir pelo apetecível, que lhe é exterior e é como que um motor não-movido, conforme diz Aristóteles 4. Logo, nos actos humanos não há voluntariedade.

2. Demais. ― Como prova o Filósofo 5, não há nos animais nenhum movimento incipiente que não seja precedido de algum movimento exterior. Ora, todos os actos do homem principiam, pois nenhum é eterno. Logo, o princípio de todos os actos humanos é exterior, e portanto não há neles voluntariedade.

3. Demais. ― Quem age voluntariamente pode agir por si. Ora, tal não convém ao homem, pois, diz a Escritura (Jo 15, 5): Vós sem mim não podeis fazer nada. Logo, não há voluntariedade nos actos humanos.

Mas, em contrário, como diz Damasceno 6, voluntariedade é o acto que é operação racional. Ora, tais são os actos humanos. Logo, neles há voluntariedade.

Necessariamente há voluntariedade nos actos humanos. Isto evidencia-se considerando que o princípio de certos actos ou movimentos está no agente ou no que é movido, e de outros movimentos ou actos o princípio é exterior. Assim, quando a pedra é movida para cima, o princípio dessa moção é-lhe exterior, mas, quando movida para baixo, o princípio de tal moção está na própria pedra. Ora, dos seres movidos por um princípio intrínseco, uns movem-se a si mesmos e outros, não. E como todo agente ou ser movido age ou é movido para um fim, são perfeitamente movidos por um princípio intrínseco os seres em que há um princípio intrínseco, não só de serem movidos, mas de serem movidos para um fim. Ora, para que alguma coisa se faça para um fim, é necessário algum conhecimento deste. Donde, tudo o que age ou é movido por um princípio intrínseco, com algum conhecimento do fim, tem em si mesmo o princípio de seu acto, não só para agir, mas agir para o fim. Enquanto o que não tem nenhum conhecimento do fim, embora encerre em si o princípio da acção ou do movimento, não contém, contudo o princípio de agir ou ser movido para um fim, em si mesmo, mas em outro ser que lho imprime, para a sua moção em vista do fim. E por isso não se diz que tais seres se movem a si própros, mas que são movidos por outros. Ao passo que os que têm conhecimento do fim se consideram como movendo-se a si próprios, por terem em si o princípio, não só de agir, mas ainda de agir para um fim. E portanto, como uma e outra coisa, i. é, o agir e o agir para um fim, procedem de um princípio intrínseco, os movimentos de tais seres e os seus actos são chamados voluntários, pois, a denominação de voluntariedade importa em que o movimento e o acto proceda da própria inclinação. Donde vem chamar-se voluntário, conforme a definição de Aristóteles, de Gregório Nisseno e de Damasceno, o que tem um princípio interno, mas com a adição da ciência. Donde, como o homem conhece por excelência o fim da sua obra e se move a si mesmo, os seus actos implicam a voluntariedade, em máximo grau.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Nem todo princípio é princípio primeiro. Embora, pois, seja da essência da voluntariedade ter princípio intrínseco, não lhe vai contudo contra a essência que esse princípio seja causado ou movido por um princípio externo, pois essa essência não exige que tal princípio seja um princípio primeiro. Deve porém saber-se que pode um princípio de movimento ser primeiro, genericamente e não o ser em si mesmo, assim, no género dos seres alteráveis, o alterador primeiro é o corpo celeste, que todavia não é em si mesmo o primeiro motor, mas é movido localmente, pelo motor superior. Assim, pois, o princípio intrínseco do acto voluntário, que é a virtude cognoscitiva e apetitiva, é o primeiro princípio genérico do movimento apetitivo, embora seja movido por um princípio externo, quanto a outras espécies de movimento.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Certamente o primeiro movimento do animal é precedido de algum movimento externo, sob duplo aspecto. Primeiro, enquanto por este movimento externo um sensível é apresentado ao sentido do animal, cujo sensível, apreendido, move o apetite. Assim o leão, vendo um veado aproximar-se, pelo seu movimento, começa a ser movido para ele. Segundo, enquanto, pelo movimento externo, o corpo do animal começa, de algum modo, a imutar-se, por imutação natural, p. ex., pelo frio ou pelo calor. Ora, imutado um corpo, pelo movimento de outro corpo externo, também se imuta, acidentalmente, o apetite sensitivo, que é virtude do corpo orgânico, assim quando, por uma alteração do corpo, juntamente se move o apetite à concupiscência. Mas isto não vai contra a essência da voluntariedade, como já se disse, pois, tais moções por um princípio externo são de outro género.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Deus move o homem a agir, não só propondo-lhe ao sentido o apetecível, ou imutando-lhe o corpo, mas também movendo a própria vontade, porque todo movimento, tanto da vontade como da natureza, dele procede, como primeiro motor. E assim como não é contra a essência da natureza que o seu movimento provenha de Deus, como primeiro motor, por ser a natureza um instrumento de Deus, que se move, assim, não é contra a essência do acto voluntário proceder de Deus, por ser a vontade movida por ele. É, porém, comum à essência do movimento, tanto natural, como voluntário, proceder de um princípio intrínseco.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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Notas:
1. Nemesium, lib. De Nat. Hom., c. XXXII.
2. Lib. II Orthod. Fid., cap. XXIV.
3. III Ethic., lect. IV.
4. III De Anima, lect. XV.
5. VIII Physic., lect. IV.
6. II lib. Orthod. Fid., cap. XXIV.

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