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09/01/2013

Tratado da bem-aventurança 34




Questão 5: Da consecução da bem-aventurança.


Art. 4 — Se a bem-aventurança pode ser perdida.



(I. p. 64, a . 2, q. 94, a . 1, I Sent., dist., VIII, q. 3, a . 2, IV, dist. XLIX, q. 1, a . 1 q ª 4, III Cont. Gent., cap. LXII, Compend. Theol., Art. I, cap. CLXVI, pArt. II, cap. IX, In Ioann, cap. X, lect V).

O quarto discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança pode ser perdida.


1. — Pois, a bem-aventurança é uma perfeição, e toda perfeição está no perfectível, ao modo deste. Ora, sendo o homem mutável por natureza, resulta que a bem-aventurança é participada por ele mutávelmente, e portanto pode perdê-la.

2. Demais. — A bem-aventurança consiste na acção do intelecto, ao qual está sujeita a vontade. Ora, esta exerce entre termos opostos. Donde resulta que pode omitir a operação pela qual o homem se torna feliz, e então este deixa de o ser.

3. Demais. — Ao princípio corresponde o fim. Ora, a bem-aventurança do homem tem princípio, porque ele não foi sempre feliz. Logo, há-de ter fim.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Mt 25, 46), falando dos justos, que estes irão para a vida eterna, que é como já se disse 1, a bem-aventurança dos Santos. Ora, o eterno não pode faltar. Logo, a bem-aventurança não pode ser perdida.

Se nos referimos à bem-aventurança imperfeita, tal como pode ser obtida nesta vida, então pode ser perdida. — E isto é patente na felicidade contemplativa, que se perde ou pelo esquecimento, quando, p. ex., a ciência desaparece na doença, ou ainda por certas ocupações que nos desviam da contemplação. — É também patente na felicidade activa. Pois, a vontade do homem pode transmutar-se, degenerando para o vício, da virtude, em cujo acto consiste principalmente a felicidade. Se porém a virtude permanecer íntegra, as transmutações exteriores podem perturbar a bem-aventurança, impedindo muitas operações virtuosas, não podem contudo eliminá-la totalmente, porque ainda permanece a actividade virtuosa, enquanto o homem arrosta dignamente tais adversidades. — E como a bem-aventurança desta vida pode ser perdida, o que vai contra a sua essência, por isso o Filósofo 2 diz que alguns, nesta vida, são felizes, não absolutamente, mas como homens, cuja natureza está sujeito à mudança.

Se porém nos referimos à bem-aventurança perfeita, esperada depois desta vida, devemos saber que Orígenes, seguindo o erro de alguns platónicos, ensinou que depois de adquirida a bem-aventurança última o homem pode se tornar miserável.

Mas tal opinião resulta manifestamente falsa, de dupla razão.

A primeira é tirada da própria essência comum da bem-aventurança. Pois, sendo ela o bem perfeito e suficiente, é necessário que satisfaça o desejo do homem e exclua todo mal. Ora, o homem deseja naturalmente conservar o bem que possui e ter a certeza de conservá-lo, de contrário necessariamente havia de afligir-se com o temor de perdê-lo ou com a dor pela certeza da perda. Logo, é necessário, para a verdadeira bem-aventurança, que o homem tenha opinião certa de que nunca há-de perder o bem possuído. E de tal opinião, sendo verdadeira, resulta que nunca há-de perder a bem-aventurança, sendo falsa, já em si é um mal ter tal opinião, pois a falsidade é o mal do intelecto como o verdadeiro lhe é o bem, segundo diz Aristóteles 3. Logo, já não será verdadeiramente feliz, se algum mal nele existe.

Em segundo lugar, o mesmo resulta da consideração da essência da bem-aventurança, em especial. Pois, como já se demonstrou 4, a perfeita bem-aventurança do homem consiste na visão da essência divina. Ora, é impossível que, contemplando a essência divina, não queiramos contempla-la. Porque todo bem possuído, de que queiramos ser privados, ou é insuficiente, e em lugar dele buscamos outro mais suficiente, ou é acompanhado de algum incómodo, que causa aborrecimento. — Ora, a visão da divina essência enche a alma de todos os bens, porque une à fonte de toda vontade. Donde, diz a Escritura (Sl 16, 15): Saciar-me-ei quando aparecer a tua glória, e (Sb 7, 11): E todos os bens me vieram juntamente com ela, i. é, com a contemplação da sabedoria. — E semelhantemente, nenhum incómodo a acompanha, pois da contemplação da sabedoria diz a Escritura (Sb 8, 16): a sua conservação não tem nada de desagradável, nem a sua companhia nada de fastidioso. — É pois claro que, por vontade própria, o bem-aventurado não pode abandonar a bem-aventurança. — E do mesmo modo, também não pode perdê-la, porque Deus dela o prive. Pois a privação da bem-aventurança, sendo uma pena tal privação, não pode provir de Deus, juiz justo, senão por causa de alguma culpa, na qual não pode cair quem lhe vê a essência, porque essa visão é necessariamente acompanhada da rectidão da vontade, como já se demonstrou 5. E semelhantemente, nenhum outro agente pode privar dela. Pois a mente unida com Deus fica elevada acima de tudo o mais, e assim, dessa união, nenhum outro agente pode excluí-la. Donde, é inadmissível que, por quaisquer vicissitudes dos tempos, passe o homem da bem-aventurança para a miséria, e inversamente, porque, tais vicissitudes temporais só podem recair sobre o que está sujeito ao tempo e ao movimento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A bem-aventurança é a perfeição consumada, que exclui do bem-aventurado toda deficiência. E portanto, sem mutabilidade, advém ao que a possui, por feito da virtude divina, que eleva o homem à participação da eternidade transcendente a toda mutação.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A vontade exerce-se entre termos opostos, quanto às coisas ordenadas para o fim, mas ordena-se por necessidade natural ao fim último, como resulta claro de não poder o homem deixar de querer ser feliz.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A bem-aventurança tem princípio, quanto a condição do participante dela, mas não tem fim, por causa da condição do bem cuja participação torna feliz. Donde, a razão porque a bem-aventurança tem início, é uma e, outra, porque carece de fim.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 5, a. 2 sed contra.
2. I Ethic.
3. VI Ethic.
4. Q. 3 a. 8.
5. Q. 4 a. 4.

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