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06/01/2013

Tratado da bem-aventurança 30


Questão 5: Da consecução da bem-aventurança.


Em seguida devemos, tratar da própria consecução da bem-aventurança. E sobre esta Questão discutem-se oito artigos:

Art. 1 — Se o homem pode alcançar a bem-aventurança.
Art. 2 — Se um homem pode ser mais feliz que outro.
Art. 3 — Se a bem-aventurança pode ser obtida nesta vida.
Art. 4 — Se a bem-aventurança pode ser perdida.
Art. 5 — Se o homem pelas suas faculdades naturais pode alcançar a bem-aventurança.
Art. 6 — Se o homem pode tornar-se feliz por obra de uma criatura superior, o anjo.
Art. 7 — Se são necessárias obras para que o homem alcance de Deus a bem-aventurança.
Art. 8 — Se todos desejam a bem-aventurança.

Art. 1 — Se o homem pode alcançar a bem-aventurança.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o homem não pode alcançar a bem-aventurança.


1. — Pois, assim como a natureza racional é superior à sensível, assim a intelectual o é à racional, como se vê claramente em muitos lugares de Dionísio 1. Ora, os brutos, dotados só da natureza sensível, não podem alcançar o fim da natureza racional. Logo, nem o homem de natureza racional, pode alcançar o fim da natureza intelectual, que é a bem-aventurança.

2. Demais. — A verdadeira bem-aventurança consiste na visão de Deus, que é a verdade pura. Ora, é conatural ao homem descobrir a verdade na ordem natural, por isso é que intelige, nos fantasmas, as espécies inteligíveis, como diz Aristóteles 2. Logo, não pode alcançar a bem-aventurança.

3. Demais. — A bem-aventurança consiste na obtenção do sumo bem. Mas ninguém pode chegar ao que é sumo sem passar pelos meios. Ora, como entre Deus e a natureza humana a natureza Angélica é média, que o homem não pode ultrapassar, resulta que não pode alcançar a bem-aventurança.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Sl 93, 12): Bem-aventurado o homem a quem tu instruíres, Senhor.

Bem-aventurança significa obtenção do bem perfeito. Logo, quem quer que seja capaz de tal bem pode alcançá-la. Ora, como o seu intelecto pode apreender o bem universal e perfeito, e a sua vontade apetecê-lo, conclui-se que o homem é capaz do bem perfeito. E portanto, pode alcançar a bem-aventurança. — E o mesmo também se conclui de ser ele capaz da visão da divina essência, como já se estabeleceu na primeira parte 3. Ora, dissemos que, nessa visão, consiste a sua perfeita bem-aventurança 4.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A natureza racional excede de modo diferente a sensitiva e a intelectual. Pois, a racional excede a sensitiva quanto ao objecto do conhecimento, porque o sentido de nenhum modo pode, ao contrário da razão, conhecer o universal. Porém a natureza intelectual excede a racional quanto ao modo de conhecer a verdade inteligível, pois aquela apreende imediatamente a verdade, que a natureza racional alcança pela perquirição da razão, como resulta claro do já dito na primeira parte 5. Donde, como a razão pode, movendo-se, alcançar aquilo que o intelecto apreende, conclui-se que a natureza racional pode alcançar a bem-aventurança, que é a perfeição da natureza intelectual, embora de modo diferente do angélico. Pois os anjos conseguiram-na imediatamente desde o princípio da sua condição, ao passo que os homens chegam a ela após certo tempo, enquanto que a natureza sensitiva de nenhum modo pode alcançar tal fim.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Ao homem, no estado de vida presente, é conatural o modo de conhecer a verdade inteligível por meio dos fantasmas, mas, passada esta vida, tem outro modo conatural, como já se disse na primeira parte 6.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O homem não pode exceder os anjos pelo grau de natureza e de modo que lhes seja naturalmente superior. Pode-o contudo pela actividade do intelecto, inteligindo que existe algo de superior aos anjos, que o beatifica, e que quando o alcançar perfeitamente, será perfeitamente feliz.


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Notas:
1. De div. nom.
2. III De Anima.
3. Q. 12 a. 1.
4. Q. 3 a. 8.
5. Q. 58 a. 3, q. 79 a. 8.
6. Q. 84 a. 7, q. 89 a. 1.

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