Páginas

24/12/2012

Tratado da bem-aventurança 20


Questão 3: Que é a bem-aventurança.


Art. 4 — Se a bem-aventurança consiste no acto da vontade.

(I, q. 26, a . 2, ad 2, IV Sent., dist. XLIX, q. 1, a . 1, q ª 2, III Cont. Gent. cap. XXVI, Quodl. VIII, q. 9, a . 1, Compend. Theol., cap. CVII),

O quarto discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança consiste no acto da vontade.



1. — Pois, como pensa Agostinho (1), a bem-aventurança do homem consiste na paz, Donde diz a Escritura (Sl 147, 14): O que estabeleceu a paz nos teus limites. Ora, a paz diz respeito à vontade. Logo, a bem-aventurança do homem consiste na vontade.

2. Demais. — A bem-aventurança é o sumo bem. Ora, o bem é objecto da vontade. Logo, a bem-aventurança consiste na operação da vontade.

3. Demais. — Ao primeiro movente corresponde o último fim, assim, o último fim de todo um exército é a vitória, que é o último fim do chefe, que move a todos. Ora, o primeiro movente à operação é a vontade, que move todas as outras virtudes, como a seguir se dirá. Logo, a bem-aventurança pertence à vontade.

4. Demais. — Se a bem-aventurança é uma operação, necessariamente há-de ser a mais nobre operação do homem. Ora, mais nobre é o amor de Deus, que é acto da vontade, do que o conhecimento, operação do intelecto, como se vê claramente na Escritura (1 Cor 13). Logo, a bem-aventurança consiste num acto da vontade.

5. Demais. — Agostinho diz que feliz é quem tem tudo o que quer e nada quer mal, e logo depois acrescenta: Aproxima-se de feliz quem quer bem tudo o que quer, pois, os bens fazem o feliz, dos quais ele já tem algo, que é a boa vontade mesma (2). Logo, a bem-aventurança consiste no acto da vontade.

Mas, em contrário, diz o Senhor, na Escritura (Jo 17, 3): A vida eterna porém consiste em que eles te conheçam por um só verdadeiro Deus. Ora, a vida eterna é o fim último, como já se disse. Logo, a bem-aventurança do homem consiste no conhecimento de Deus, acto do intelecto.

Como já se disse, a bem-aventurança supõe duas coisas, a essência dela e o deleite que acompanha e que lhe é como um acidente.

Digo, pois, que é impossível a bem-aventurança essencial consistir em acto da vontade, por ser manifesto, pelo já estabelecido, que ela é a consecução do último fim e este não consiste em tal acto. Pois, a vontade busca o fim ausente, quando o deseja, e compraz-se repousando no fim presente. Ora, como é manifesto, o desejo em si do fim não é a consecução dele, mas tendência para ele. Ao passo que o deleite advém à vontade quando o fim lhe é presente, e não inversamente, pois, não se torna presente uma coisa porque a vontade se deleita nela. Logo, é necessário seja outra, que não o acto da vontade, a causa que torna presente o fim. — E isto vê-se manifestamente em relação aos fins sensíveis. Assim, se conseguir dinheiro fosse acto da vontade, o cubiçoso, logo, desde o princípio, quando quer tê-lo, consegui-lo-ia. Ora, a princípio, este está-lhe ausente e consegue-o apreendendo-o com a mão ou por outro qualquer meio, e então é que se deleita com o dinheiro adquirido. — E o mesmo, se dá com o fim inteligível. Pois, primeiro, queremos consegui-lo, e o conseguimos quando ele se nos torna presente por um acto do intelecto: e então a vontade, deleitada, repousa no fim já adquirido. Donde, a essência da bem-aventurança consiste num acto da vontade.

Porém à vontade pertence o deleite consequente à bem-aventurança, segundo a expressão de Agostinho (3), quando diz ser a bem-aventurança o alegrar-se com a verdade, porque a alegria em si é a consumação da felicidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A paz diz respeito ao fim último do homem, não que seja essencial a própria bem-aventurança, mas por lhe ser relativa, antecedente e consequentemente. Antecedentemente, enquanto está já removido tudo o que perturba e impede o último fim. E consequentemente, quando o homem, alcançado esse fim, fica em paz, com o desejo satisfeito.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O objecto primeiro da vontade não é o seu acto, assim como o objecto primeiro da visão não é a visão, mas o visível. Donde, do próprio facto de a bem-aventurança pertencer à vontade, com seu objecto primeiro, resulta que lhe não pertence como acto da mesma.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O intelecto apreende o fim antes da vontade, contudo, o movimento para o fim começa na vontade. Donde, a esta cabe o que resulta em último lugar, da consecução do fim, a saber, o deleite ou fruição.

RESPOSTA À QUARTA. — A dilecção, movendo, tem preeminência sobre o conhecimento, mas este é-lhe anterior, no atingir o objecto, pois só se ama o conhecido, como diz Agostinho (4). Portanto, atingimos, primeiro, por acto do intelecto, o fim inteligível, assim como atingimos primeiro, pelo acto do sentido, o fim sensível.

RESPOSTA À QUINTA. — Quem tem tudo o que quer é feliz, por isso, mas não o é por um acto da vontade, senão por outra coisa. Porém não querer nada de mal é necessário à bem-aventurança, como disposição devida para ela. Ora, a boa vontade se considera do número dos bens que fazem feliz, porque é uma certa inclinação para eles, assim como o movimento se reduz ao género do seu termo, como a alteração à qualidade.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
_______________________
Notas:

1 XIX De Civ. Dei.
2 XIII De Trin
3 X De Trin.
4 X Confess

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.