
Deve
tratar-se aqui primeiro, do fim último da vida humana. Em seguida, dos meios
pelos quais o homem pode alcançar esse fim ou dele desviar-se, pois, é do fim
que se deduz a natureza daquilo que se a ele ordena.
Ora,
como se admite que o fim último da vida humana é a bem-aventurança, necessário
é, em primeiro lugar, tratar do fim último, em comum, e depois, da bem-aventurança.
Sobre
o primeiro ponto oito artigos se discutem:
Art.
1 — Se convém ao homem agir para um fim.
Art.
2 — Se agir para um fim é próprio da natureza racional.
Art.
3 — Se os actos humanos não são especificados pelo fim.
Art.
4 — Se há um fim último da vida humana, ou se, nos fins, se deve proceder ao
infinito.
Art.
5 — Se é possível à vontade de um mesmo homem buscar simultaneamente vários
fins últimos.
Art.
6 — Se tudo o que o homem quer é por causa do fim último.
Art.
7 — Se há um só fim último para todos os homens.
Art.
8 — Se todos os outros seres têm o mesmo fim último do homem.
(infra, a . 2, q. 6, a . 1, III cont.
Gent., cap. II).
O primeiro artigo discute-se assim. —
Parece que não convém ao homem agir para um fim.
1. — Pois, o que tem naturalmente
prioridade é a causa. Ora, o fim, como a própria palavra o indica, é por
natureza o último. Logo, o fim não exerce a função de causa. Ora, o homem age
para a causa da acção, pois, a preposição para designa função causal. Logo, não
convém ao homem agir para um fim.
2. Demais. — O fim que é último não
existe para outro. Ora, certas acções constituem um fim último, como se vê no
Filósofo. Logo, o homem, nem tudo faz para um fim.
3. Demais. — O homem age para um fim
quando delibera. Ora, praticamos muitos actos sem deliberação e sem mesmo,
muitas vezes, neles pensar, assim, enquanto pensamos em outras cousas, movemos
o pé ou a mão, ou esfregamos a barba. . Logo, o homem, nem tudo faz para um
fim.
Mas, em contrário. — Tudo o que
pertence a um género deriva do princípio desse género. Ora, como se vê
claramente no Filósofo, o fim é o principio das operações do homem. Logo, a
este convém fazer tudo para um fim.
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. —
Último na execução, o fim é contudo o primeiro na intenção do agente, e por
isso tem a natureza de causa.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Qualquer acção
humana que seja fim último há-de necessariamente ser voluntária, do contrário
não seria humana, como já se disse. Ora, em duplo sentido uma acção é chamada
voluntária. Por ser imperada pela vontade, como andar ou falar, ou por ser dela
decorrente, como o querer, em si mesmo. Ora, é impossível que o acto mesmo decorrente
da vontade seja fim último. Pois, o objecto da vontade é fim como o da visão é
cor. Donde, assim como é impossível que o primeiro visível seja a visão mesma,
porque toda visão se refere a algum objecto visível, assim também é impossível
que o primeiro desejável, que é fim, seja o querer em si mesmo. Donde resulta
que se alguma acção humana for fim último, há-de ser imperada pela vontade. E
então, em tal caso, há- de haver alguma acção do homem — ao menos, o próprio
querer, que seja para um fim. Logo, faça o homem, seja o que for, é verdade
dizer-se que age para um fim, mesmo operando um acto que seja o último fim.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Tais acções não
são propriamente humanas, por não procederem da deliberação da razão, princípio
próprio dos actos humanos. E por isso têm certamente um fim imaginado , porém, não
estabelecido pela razão.
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