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03/12/2012

Leitura espiritual para 03 Dez 2012


Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.


Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 3, 1-17; 4, 1-11


Naqueles dias apareceu João Baptista pregando no deserto da Judeia. 2 «Arrependei-vos, dizia, porque está próximo o Reino dos Céus».3 Este é aquele de quem falou o profeta Isaías quando disse: “Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai as Suas veredas”. 4 Este mesmo João trazia um vestido feito de peles de camelo e um cinto de couro em volta dos rins; e o seu alimento consistia em gafanhotos e mel silvestre. 5 Então iam ter com ele Jerusalém e toda a Judeia e toda a região do Jordão; 6 e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. 7 Vendo um grande número de fariseus e saduceus que vinham ao seu baptismo, disse-lhes: «Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir à ira que vos ameaça? 8 Produzi, pois, verdadeiros frutos de penitência, 9 e não vos justifiqueis interiormente dizendo: “Temos Abraão por pai!”, porque eu vos digo que Deus pode fazer destas pedras filhos de Abraão. 10 O machado já está posto à raiz das árvores. Toda a árvore que não dá bom fruto, será cortada e lançada no fogo. 11 Eu, na verdade, baptizo-vos com água para vos levar à penitência, mas O que há-de vir depois de mim é mais poderoso do que eu, e eu nem sou digno de Lhe levar as sandálias; Ele vos baptizará no Espírito Santo e em fogo. 12 Ele tem a pá na Sua mão, e limpará bem a Sua eira, e recolherá o Seu trigo no celeiro, mas queimará a palha num fogo inextinguível». 13 Então, foi Jesus da Galileia ao Jordão, e apresentou-Se a João, para ser baptizado por ele. 14 Mas João opunha-se-Lhe, dizendo: «Sou eu quem devo ser baptizado por Ti e Tu vens a mim?» 15 Jesus respondeu-lhe: «Deixa estar por agora, pois convém que cumpramos assim toda a justiça». Ele então concordou. 16 Logo que foi baptizado, Jesus saiu da água. E eis que se Lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descer em forma de pomba, e vir sobre Ele. 17 E eis que uma voz vinda do céu dizia: «Este é o Meu Filho amado no qual pus as Minhas complacências».
4 1 Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo demónio. 2 Jejuou quarenta dias e quarenta noites, e depois teve fome. 3 E, aproximando-se d'Ele o tentador, disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, diz que estas pedras se convertam em pães».4 Jesus respondeu: «Está escrito: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”». 5 Então o demónio transportou-O à cidade santa, pô-l'O sobre o pináculo do templo, 6 e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, lança-Te daqui a baixo, porque está escrito: “Mandou aos seus anjos em teu favor, eles te levarão nas suas mãos, para que o teu pé não tropece em alguma pedra”». 7 Jesus disse-lhe: «Também está escrito: “Não tentarás o Senhor teu Deus”». 8 De novo o demónio O transportou a um monte muito alto, e Lhe mostrou todos os reinos do mundo e a sua magnificência, 9 e disse-Lhe: «Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares». 10 Então, Jesus disse-lhe: «Vai-te, satanás, porque está escrito: “Ao Senhor teu Deus adorarás e a Ele só servirás”». 11 Então o demónio deixou-O; e eis que os anjos se aproximaram e O serviram.






PONTIFÍCIO CONSELHO «JUSTIÇA E PAZ»

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
CAPÍTULO I

O DESÍGNIO DE AMOR DE DEUS A TODA A HUMANIDADE

IV. DESÍGNIO DE DEUS E MISSÃO DA IGREJA

50 A Igreja põe-se concretamente ao serviço do Reino de Deus, antes de mais nada, anunciando e comunicando o Evangelho da salvação e constituindo novas comunidades cristãs. Ela, ademais, «serve o Reino, difundindo pelo mundo os “valores evangélicos”, que são a expressão do Reino, e ajudam os homens a acolher o desígnio de Deus. É verdade que a realidade incipiente do Reino se pode encontrar também fora dos confins da Igreja, em toda a humanidade na medida em que ela viva os “valores evangélicos” e se abra à acção do Espírito que sopra onde e como quer (cf. Jo 3, 8); mas é preciso acrescentar, logo a seguir, que esta dimensão temporal do Reino está incompleta, enquanto não se ordenar ao Reino de Cristo, presente na Igreja, em constante tensão para a plenitude escatológica» [57]. Donde deriva, em particular, que a Igreja não se confunde com a comunidade política e nem está ligada a nenhum sistema político [58]. A comunidade política e a Igreja, no próprio campo, são efectivamente independentes e autónomas uma em relação à outra, e estão ambas, embora a diferentes títulos, «ao serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens» [59]. Pode, antes, afirmar-se que a distinção entre religião e política e o princípio da liberdade religiosa constituem uma aquisição específica do cristianismo, de grande relevo no plano histórico e cultural.

51 À identidade e à missão da Igreja no mundo, segundo o projecto de Deus realizado em Cristo, corresponde  «uma finalidade salvífica e escatológica, que só pode ser plenamente alcançada no século futuro» [60]. Justo por isso, a Igreja oferece um contributo original e insubstituível à comunidade humana com a solicitude que a impele a tornar mais humana a família dos homens e a sua história, e a pôr-se como baluarte contra qualquer tentação totalitária, indicando ao homem a sua vocação integral e definitiva [61].
Com a pregação do Evangelho, a graça dos sacramentos e a experiência da comunhão fraterna, a Igreja sana e eleva a dignidade da pessoa humana, «firmando a coesão da sociedade e dando à actividade diária dos homens um sentido e um significado mais profundos» [62]. No plano das dinâmicas históricas concretas, não se pode compreender o advento do Reino de Deus na perspectiva de uma organização social, económica e política definida e definitiva. Ele é antes testemunhado pelo progresso de uma sociabilidade humana que é para os homens fermento de realização integral, de justiça e de solidariedade, na abertura ao Transcendente como termo referencial para a própria definitiva e plena realização pessoal.


52 Deus, em Cristo, não redime somente a pessoa individual, mas também as relações sociais entre os homens. Como ensina o apóstolo Paulo, a vida em Cristo faz vir à tona de modo pleno e novo a identidade e a sociabilidade da pessoa humana, com as suas concretas consequências no plano histórico e social: «Todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Todos vós que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus» (Gal 3, 26-28). Nesta perspectiva, as comunidades eclesiais, convocadas pela mensagem de Jesus Cristo e reunidas no Espírito Santo ao redor do Ressuscitado (cf. Mt 18, 20; 28, 19-20; Lc 24, 46-49), se propõem como lugar de comunhão, de testemunho e de missão e como fermento de redenção e de transformação das relações sociais. A pregação do Evangelho de Jesus induz os discípulos a antecipar o futuro renovando as relações recíprocas.
53 A transformação social que responde às exigências do Reino de Deus não está estabelecida nas suas determinações concretas uma vez por todas. Trata-se antes de uma tarefa confiada à comunidade cristã, que a deve elaborar e realizar através da reflexão e da praxe inspiradas no Evangelho. É o próprio Espírito do Senhor que conduz o povo de Deus e, concomitantemente, preenche o universo [63], inspirando, de vez em quando, soluções novas e actuais à criatividade responsável dos homens [64], à comunidade dos cristãos inserida nos dinamismos do mundo e da história e, por isso mesmo, aberta ao diálogo com todas as pessoas de boa vontade, na busca comum dos germes de verdade e de liberdade disseminados no vasto campo da humanidade [65]. A dinâmica de uma tal renovação deve estar ancorada nos princípios imutáveis da lei natural, impressa por Deus Criador na Sua criatura (cf. Rm 2, 14-15) e iluminada escatologicamente mediante Jesus Cristo.

54 Jesus Cristo revela-nos que «Deus é amor» (1 Jo 4, 8) e ensina-nos que «a lei fundamental da perfeição humana, e portanto da transformação do mundo, é o mandamento novo do amor. Destarte, aos que crêem no amor divino dá-lhes a certeza de que abrir o caminho do amor a todos os homens e instaurar a fraternidade universal não são coisas vãs» [66]. Esta lei è chamada a tornar-se a medida e a norma última de todas as dinâmicas nas quais se desdobram as relações humanas. Em síntese, é o próprio mistério de Deus, o Amor trinitário, que funda o significado e o valor da pessoa, da sociabilidade e do agir do homem no mundo, na medida em que foi revelado e participado à humanidade, por meio de Cristo, no Seu Espírito.

55 A transformação do mundo apresenta-se como uma instância fundamental também do nosso tempo. A esta exigência o Magistério social da Igreja entende oferecer as respostas que os sinais dos tempos invocam, indicando primeiramente no amor recíproco entre os homens, sob o olhar de Deus, o instrumento mais potente de mudança, no plano pessoal assim como no social. O amor recíproco, com efeito, na participação no amor infinito de Deus é o autêntico fim, histórico e transcendente, da humanidade. Portanto, «ainda que haja que distinguir cuidadosamente progresso terreno e crescimento do Reino de Cristo, contudo este progresso tem muita importância para o Reino de Deus, na medida em que pode contribuir para uma melhor organização da sociedade humana» [67].

c) Novos céus e nova terra

56 A promessa de Deus e a ressurreição de Jesus Cristo suscitam nos cristãos a fundada esperança de que para todas as pessoas humanas é preparada uma nova e eterna morada, uma terra em que habita a justiça (cf. 2 Cor 5, 1-2; 2Pd 3, 13). «Então, depois de vencida a morte, os filhos de Deus ressuscitarão em Cristo e aquilo que foi semeado na fraqueza e na corrupção, revestir-se-á de incorruptibilidade; e permanecendo a caridade com as suas obras, todas as criaturas que Deus criou por causa do homem serão livres da servidão da vaidade» [68]. Esta esperança, longe de atenuar, deve antes impulsionar a solicitude pelo trabalho referente à realidade presente.

57 Os bens, como a dignidade do homem, a fraternidade e a liberdade, todos os bons frutos da natureza e da nossa operosidade, esparsos pela terra no Espírito do Senhor e de acordo com o Seu preceito, limpos de toda a mancha, iluminados e transfigurados, pertencem ao Reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz que Cristo entregará ao Pai e lá os encontraremos novamente. Ressoarão então para todos, na sua solene verdade, as palavras de Cristo: «Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim (...) todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes» (Mt 25, 34-36.40).

58 A realização da pessoa humana, actuada em Cristo graças ao dom do Espírito, matura na história e é mediada pelas relações da pessoa com as outras pessoas, relações que, por sua vez, alcançam a sua perfeição graças ao empenho por melhorar o mundo, na justiça e na paz. O agir humano na história é de per si significativo e eficaz para a instauração definitiva do Reino, ainda que este continue a ser dom de Deus, plenamente transcendente. Tal agir, quando respeitoso da ordem objectiva da realidade temporal e iluminado pela verdade e pela caridade, torna-se instrumento para uma actuação sempre mais plena e integral da justiça e da paz e antecipa no presente o Reino prometido.

Configurando-se a Cristo Redentor, o homem percebe como criatura querida por Deus e por Ele eternamente escolhida, se chamada à graça e à glória, na plenitude do mistério de que se tornou partícipe em Jesus Cristo [69]. A configuração a Cristo e a contemplação do Seu Rosto [70] infundem no cristão um anelo indelével por antecipar neste mundo, no âmbito das relações humanas, o que será realidade no mundo definitivo, empenhando-se em dar de comer, de beber, de vestir, uma casa, a cura, o acolhimento e a companhia ao Senhor que bate à porta (cf. Mt 25, 35-37).

d) Maria e o Seu «fiat» ao desígnio de amor de Deus

59 Herdeira da esperança dos justos de Israel e primeira dentre os discípulos de Jesus Cristo é Maria, Sua Mãe. Ela, com o Seu «fiat» ao desígnio de amor de Deus (cf. Lc 1, 38), em nome de toda a humanidade, acolhe na história o enviado do Pai, o Salvador dos homens. No canto do «Magnificat» proclama o advento do Mistério da Salvação, a vinda do «Messias dos pobres» (cf. Is 11, 4; 61, 1). O Deus da Aliança, cantado pela Virgem de Nazaré na exultação do Seu espírito, é Aquele que derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes, sacia de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias, dispersa os soberbos e conserva a Sua misericórdia para aqueles que O temem (cf. Lc 1, 50-53).

Aurindo no coração de Maria, da profundidade da Sua fé expressa nas palavras do «Magnificat», os discípulos de Cristo são chamados a renovar cada vez melhor em si mesmos «a certeza de que não se pode separar a verdade a respeito de Deus que salva, de Deus que é fonte de toda a dádiva, da manifestação do seu amor preferencial pelos pobres e pelos humildes, amor que, depois de cantado no Magnificat, se encontra expresso nas palavras e nas obras de Jesus » [71]. Maria, totalmente dependente de Deus e toda orientada para Ele, com o impulso da sua fé «é o ícone mais perfeito da liberdade e da libertação da humanidade e do cosmos» [72].

CAPÍTULO II

MISSÃO DA IGREJA E DOUTRINA SOCIAL

I. EVANGELIZAÇÃO E DOUTRINA SOCIAL

a) A Igreja, morada de Deus com os homens

60 A Igreja, partícipe das alegrias e esperanças, das angústias e das tristezas dos homens, é solidária com todo homem e a toda a mulher, de todo lugar e de todo tempo, e leva-lhes a Boa Nova do Reino de Deus, que com Jesus Cristo veio e vem em meio a eles [73]. A Igreja é, na humanidade e no mundo, o sacramento do amor de Deus e, por isso mesmo, da esperança maior, que activa e sustém todo autêntico projecto e empenho de libertação e promoção humana. É, no meio dos homens, a tenda da companhia de Deus ― «o tabernáculo de Deus com os homens» (Ap 21, 3) ― de modo que o homem não se encontra só, perdido ou transtornado no seu empenho de humanizar o mundo, mas encontra amparo no amor redentor de Cristo. Ela é ministra de salvação, não em abstracto ou em sentido meramente espiritual, mas no contexto da história e do mundo em que o homem vive [74], onde o alcançam o amor de Deus e a vocação a corresponder ao projecto divino.

61 Único e irrepetível na sua individualidade, todo o homem é um ser aberto à relação com os outros na sociedade. O conviver social na rede de relações que interliga indivíduos, famílias, grupos intermédios em relações de encontro, de comunicação e de reciprocidade, assegura ao viver uma qualidade melhor. O bem comum que eles buscam e conseguem formando a comunidade social é garantia do bem pessoal, familiar e associativo [75]. Por estas razões, origina-se e forma-se a sociedade, com os seus componentes estruturais, ou seja, políticos, económicos, jurídicos, culturais. Ao homem «enquanto inserido na complexa rede de relações das sociedades modernas» [76], a Igreja dirige-se com a sua doutrina social. «Perita em humanidade» [77], a Igreja é apta a compreendê-lo na sua vocação e nas suas aspirações, nos seus limites e nos seus apuros, nos seus direitos e nas suas tarefas, e a ter para ele uma palavra de vida que ressoe nas vicissitudes históricas e sociais da existência humana.

b) Fecundar e fermentar com o Evangelho a sociedade

62 Com o seu ensinamento social a Igreja entende anunciar e actualizar o Evangelho na complexa rede de relações sociais. Não se trata simplesmente de alcançar o homem na sociedade ― o homem como destinatário do anúncio evangélico ― mas de fecundar e fermentar com o Evangelho a mesma sociedade [78]. Cuidar do homem significa, para a Igreja, envolver também a sociedade na sua solicitude missionária e salvífica. A convivência social, com efeito, não raro determina a qualidade da vida e, por conseguinte, as condições em que cada homem e cada mulher se compreendem a si próprios e decidem de si mesmos e da vocação própria. Por esta razão, a Igreja não é indiferente a tudo o que na sociedade se decide, se produz e se vive, numa palavra, à qualidade moral, autenticamente humana e humanizadora, da vida social. A sociedade e, com ela, a política, a economia, o trabalho, o direito, a cultura não constituem um âmbito meramente secular e mundano e portanto marginal e alheio à mensagem e à economia da salvação. Efectivamente, a sociedade ― com tudo o que nela se realiza ― diz respeito ao homem. É a sociedade dos homens, que é «a primeira e fundamental via da Igreja» [79].

63 Com a sua doutrina social a Igreja assume a tarefa de anúncio que o Senhor lhe confiou. Ela actualiza no curso da história a mensagem de libertação e de redenção de Cristo, o Evangelho do Reino. A Igreja, anunciando o Evangelho, «testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas; ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina» [80].

Evangelho que, mediante a Igreja, ressoa no hoje do homem [81], a doutrina social é palavra que liberta. Isso significa que tem a eficácia de verdade e de graça do Espírito Santo, que penetra os corações, dispondo-os a cultivar pensamentos e projectos de amor, de justiça, de liberdade e de paz. Evangelizar o social é, pois, infundir no coração dos homens a carga de sentido e de libertação do Evangelho, de modo a promover uma sociedade à medida do homem porque à medida de Cristo: é construir uma cidade do homem mais humana porque mais conforme com o Reino de Deus.

64 A Igreja, com a sua doutrina social, não só não se afasta da própria missão, mas é-lhe rigorosamente fiel. A redenção realizada por Cristo e confiada à sua missão salvífica é certamente de ordem sobrenatural. Esta dimensão não é expressão limitativa, mas integral da salvação [82]. O sobrenatural não deve ser concebido como uma entidade ou um espaço que começa onde termina o natural, mas como uma elevação deste, de modo que nada da ordem da criação e do humano é alheio ou excluído da ordem sobrenatural e teologal da fé e da graça, antes aí é reconhecido, assumido e elevado: «Em Jesus Cristo, o mundo visível, criado por Deus para o homem (cf. Gén 1, 26-30) — aquele mundo que, entrando nele o pecado, “foi submetido à caducidade” (Rm 8, 20; cf. ibid., 8, 19-22) — readquire novamente o vínculo originário com a mesma fonte divina da Sapiência e do Amor. Com efeito, “Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito” (Jo 3, 16). Assim como no homem-Adão este vínculo foi quebrado, assim no Homem-Cristo foi de novo reatado (cf. Rm 5, 12-21)» [83].

65 A Redenção começa com a Encarnação, mediante a qual o Filho de Deus assume tudo do homem, excepto o pecado, segundo as solidariedades instituídas pela Sabedoria criadora divina, e tudo abraça no seu dom de Amor redentor. Por este Amor o homem é abraçado na inteireza do seu ser: ser corpóreo e espiritual, em relação solidária com os outros. O homem todo — não uma alma separada ou um ser encerrado na sua individualidade, mas a pessoa e a sociedade das pessoas — fica implicado na economia salvífica do Evangelho. Portadora da mensagem de Encarnação e de Redenção do Evangelho, a Igreja não pode percorrer outra via: com a sua doutrina social e com a acção eficaz que ela activa, não somente não falseia o seu rosto e a sua missão, mas é fiel a Cristo e se revela aos homens como «sacramento universal da salvação» [84]. Isto é particularmente verdadeiro numa época como a nossa, caracterizada por uma crescente interdependência e por uma mundialização das questões sociais.

c) Doutrina social, evangelização e promoção humana

66 A doutrina social é parte integrante do ministério de evangelização da Igreja. Daquilo que diz respeito à comunidade dos homens — situações e problemas referentes à justiça, à libertação, ao desenvolvimento, às relações entre os povos, à paz — nada é alheio à evangelização e esta não seria completa se não levasse em conta o recíproco apelo que se continuamente se fazem o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social do homem [85]. Entre evangelização e promoção humana há laços profundos: «laços de ordem antropológica, dado que, o homem que há-de ser evangelizado não é um ser abstracto  mas é, sim, um ser condicionado pelo conjunto de problemas sociais e económicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da criação do plano da Redenção, um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça que deve ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da caridade: como se poderia proclamar o mandamento novo sem promover na justiça e na paz o verdadeiro e autêntico progresso do homem?» [86].

67 A doutrina social, «por si mesma, tem o valor de um instrumento de evangelização» [87] e desenvolve-se no encontro sempre renovado entre a mensagem evangélica e a história humana. Assim entendida, tal doutrina é via peculiar para o exercício do ministério da Palavra e da função profética da Igreja [88]: «para a Igreja, ensinar e difundir a doutrina social pertence à sua missão evangelizadora e faz parte essencial da mensagem cristã, porque essa doutrina propõe as suas consequências directas na vida da sociedade e enquadra o trabalho diário e as lutas pela justiça no testemunho de Cristo Salvador» [89]. Não estamos na presença de um interesse ou de uma acção marginal, que se apõe à missão da Igreja, mas no coração mesmo da sua ministerialidade: com a doutrina social a Igreja «anuncia Deus e o mistério de salvação em Cristo a cada homem e, pela mesma razão, revela o homem a si mesmo» [90]. Este é um ministério que procede não só do anúncio, mas também do testemunho.

68 A Igreja não se ocupa da vida em sociedade em todos os seus aspectos, mas com a sua competência própria, que é a do anúncio de Cristo Redentor [91]: «A missão própria que Cristo confiou à sua Igreja não é de ordem política, económica e social. Pois a finalidade que Cristo lhe prefixou é de ordem religiosa. Mas, na verdade, desta mesma missão religiosa decorrem benefícios, luzes e forças que podem auxiliar a organização e o fortalecimento da comunidade humana segundo a Lei de Deus» [92]. Isto quer dizer que a Igreja, com a sua doutrina social, não entra em questões técnicas e não institui nem propõe sistemas ou modelos de organização social [93]: tal não faz parte da missão que Cristo lhe confiou. A Igreja tem a competência que lhe vem do Evangelho: da mensagem de libertação do homem anunciada e testemunhada pelo Filho de Deus humanado.

d) Direito e dever da Igreja

69 Com a sua doutrina social a Igreja «propõe-se assistir o homem no caminho da salvação» [94]: trata-se do seu fim precípuo e único. Não há outros objectivos tendentes a sub-rogar ou invadir atribuições de outrem, negligenciando as próprias; ou a perseguir objectivos alheios à sua missão. Tal missão configura o direito e juntamente o dever da Igreja de elaborar uma doutrina social própria e com ela exercer influxo sobre a sociedade e as suas estruturas, mediante as responsabilidades e as tarefas que esta doutrina suscita.

70 A Igreja tem o direito de ser para o homem, mestra de verdades da fé: da verdade não só do dogma, mas também da moral que dimana da mesma natureza humana e do Evangelho [95]. A palavra do Evangelho, efectivamente, não deve somente ser ouvida, mas também posta em prática (cf. Mt 7, 24; Lc 6, 46-47; Jo 14, 21.23-24; Tg 1, 22): a coerência nos comportamentos manifesta a adesão do crente e não se restringe ao âmbito estrictamente eclesial e espiritual, mas abarca o homem em todo o seu viver e segundo todas as suas responsabilidades. Conquanto seculares, estas têm como sujeito o homem, vale dizer, aquele a quem Deus chama, mediante a Igreja, a participar do Seu dom salvífico.

Ao dom da salvação o homem deve corresponder, não com uma adesão parcial, abstracta ou verbal, mas com a sua vida inteira, segundo todas as relações que a conotam, de modo que nada se relegue ao âmbito profano e mundano, irrelevante ou alheio à salvação. Por isso a doutrina social não representa para a Igreja um privilégio, uma digressão, uma conveniência ou uma ingerência: é um direito seu, evangelizar o social, ou seja, fazer ressoar a palavra libertadora do Evangelho no complexo mundo da produção, do trabalho, do empresariado, das finanças, do comércio, da política, do direito, da cultura, das comunicações sociais, em que o homem vive.

71 Este direito é, ao mesmo tempo, um dever, pois a Igreja não pode renunciar a ele sem se desmentir a si mesma e a sua fidelidade a Cristo: «Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!» (1 Cor 9, 16). A admonição que São Paulo dirige a si próprio ressoa na consciência da Igreja como um apelo a percorrer todas as vias da evangelização; não somente as que levam às consciências individuais, mas também as que conduzem às instituições públicas: por um lado não se deve actuar uma «redução errónea do facto religioso à esfera exclusivamente privada» [96], por outro lado não se pode orientar a mensagem cristã a uma salvação puramente ultraterrena, incapaz de iluminar a presença sobre a terra [97].

Pela relevância pública do Evangelho e da fé e pelos efeitos perversos da injustiça, pode dizer-se, do pecado, a Igreja não pode ficar indiferente às vicissitudes sociais [98]: «Compete à Igreja anunciar sempre e por toda a parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas» [99].

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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Notas:

[57] João Paulo II, Carta encicl. Redemptoris missio, 20:  AAS 83 (1991) 267.
[58] Cf. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 76:  AAS 58 (1966) 1099; Catecismo da Igreja Católica, 2245.
[59] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1099.
[60] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 40: AAS 58 (1966) 1058.
[61] Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2244.
[62] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 40: AAS 58 (1966) 1058.
[63] Cf. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 11: AAS 58 (1966) 1033.
[64] Cf. Paulo VI, Carta apost. Octogesima adveniens, 37: AAS 63 (1971) 426-427.
[65] Cf. João Paulo II, Carta encicl. Redemptor hominis, 11: AAS 71 (1979) 276: «Justamente os Padres da Igreja viam nas diversas religiões como que outros tantos reflexos de uma única verdade, como que “germes do Verbo”, os quais testemunham que, embora por caminhos diferentes, está contudo voltada para uma mesma direção a mais profunda aspiração do espírito humano».
 [66] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 38: AAS 58 (1966) 1055-1056.
 [67] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 39: AAS 58 (1966) 1057.
 [68] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 39: AAS 58 (1966) 1057.
 [69] Cf. João Paulo II, Carta encicl. Redemptor hominis, 13: AAS 71 (1979) 283-284.
 [70] Cf. João Paulo II, Carta apost. Novo millennio ineunte, 16-28: AAS 93 (2001) 276-285.
 [71] João Paulo II, Carta encicl. Redemptoris Mater, 37: AAS 79 (1987) 410.
 [72] Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis conscientia, 97: AAS 79 (1987) 597.
 [73] Cf. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, l; AAS 58 (1966) 1025-1026.
 [74] Cf. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 40: AAS 58 (1966) 1057-1059; João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 53­-54: AAS 83 (1991) 959-960; Id., Carta encicl. Sollicitudo rei socialis, 1: AAS 80  (1988) 513-514.
 [75] Cf. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 32: AAS 58 (1966) 1051.
 [76] João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 54: AAS 83 (1991) 859.
 [77] PauloVI, Carta encicl. Populorum progressio, 13: AAS 59 (1967) 263.
 [78] Cf. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 40: AAS 58 (1966) 1057-1059.
 [79] João Paulo II, Carta encicl. Redemptor hominis, 14: AAS 71 (1979) 284.
 [80] Catecismo da Igreja Católica, 2419.
 [81] Cf. João Paulo II, Homilia da Missa de Pentecostes no centenário da «Rerum novarum» (19 de Maio de 1991): L’Osservatore Romano, ed. em Português, 26 de Maio de 1991, pp. 1.7.
 [82] Cf. Paulo VI, Exort. apost. Evangelii nuntiandi, 9; 30: AAS 68 (1976) 10-11.25-26; João Paulo II, Discurso à Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, Puebla  (28 de Janeiro de 1979), III/4-7: L’Osservatore Romano, ed. em Português, 4 de Fevereiro de 1979, pp. 11-12; Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis conscientia, 63-64; 80: AAS 79  (1987) 581-582. 590-591.
 [83] João Paulo II, Carta encicl. Redemptor hominis, 8: AAS 71 (1979) 270.
 [84] Concílio Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, 48: AAS 57 (1965) 53.
 [85] Cf. Paulo VI, Exort. apost. Evangelii nuntiandi, 29: AAS 68 (1976) 25.
 [86] Paulo VI, Exort. apost. Evangelii nuntiandi, 31: AAS 68 (1976) 26.
 [87] João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 54: AAS 83 (1991) 860.
 [88] Cf. João Paulo II, Carta encicl. Sollicitudo rei socialis, 41: AAS 80 (1988) 570-572.
 [89] João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 5: AAS 83 (1991) 799.
 [90] João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 54: AAS 83 (1991) 860.
 [91] Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2420.
 [92] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 42: AAS 58 (1966) 1060.
 [93] Cf. João Paulo II, Carta encicl. Sollicitudo rei socialis, 41: AAS 80 (1988) 570-572.
 [94] João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 54: AAS 83 (1991) 860.
 [95] Cf. Concílio Vaticano II, Dignitatis humanæ, 14: AAS 58 (1966) 940; João Paulo II, Carta encicl. Veritatis splendor, 27. 64. 110: AAS 85 (1993) 1154-1155. 1183-1184. 1219-1220.
 [96] João Paulo II, Mensagem ao Secretário Geral das Nações Unidas por ocasião do trigésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem (2 de Dezembro de 1978): L’Osservatore Romano, ed. em Português, 24 de Dezembro de 1978, p. 6.
 [97] Cf. João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 5: AAS 83 (1991) 799.
 [98] Cf. Paulo VI, Exort. apost. Evangelii nuntiandi, 34: AAS 68 (1976) 28.
 [99] CIC cânon 747, § 2.


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