Páginas

06/11/2012

Viagem no oceano da fé 4


Uma última dupla ideal que queremos propor é o da fé-obras. (...) A uma determinada concepção judaica que exaltava a função salvífica das obras da Lei, introduzindo quase um “salvar-se” da parte do homem, Paulo opõe um “ser-se salvo” através da fé que acolhe a graça divina salvífica. Exemplar é a declaração reiterada três vezes num único versículo da Carta aos Gálatas: «Sabemos, porém, que o homem não é justificado pelas obras da Lei, mas unicamente pela fé em Jesus Cristo; por isso, também nós acreditámos em Cristo Jesus, para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei; porque pelas obras da Lei nenhuma criatura será justificada» (2, 16). As obras não são a causa mas o fruto da salvação, como na mesma carta se declara: «É este o fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, auto-domínio» (5, 22-23).
É portanto necessária também para S. Paulo a presença das obras como sinal da autenticidade da fé. Será isso que S. Tiago, mais ligado à tradição judaico-cristã, realçará na sua Carta, dando quase a impressão de corrigir Paulo, quando na realidade sublinha o relevo do empenho existencial moral para não reduzir a fé a simples adesão intelectual ou sentimental ou a mera experiência intimista.
Merecem ser escutadas as suas palavras, que revelam acentos seguramente diferentes relativamente aos paulinos mas não em contraste com eles: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: «Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome», mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda: poderá alguém alegar sensatamente: «Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé. Tu crês que há um só Deus? Fazes bem. Também o crêem os demónios, mas enchem-se de terror.» Queres tu saber, ó homem insensato, como é que a fé sem obras é estéril? Não foi porventura pelas obras que Abraão, nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaac? Repara que a fé cooperava com as suas obras e que, pelas obras, a sua fé se tornou perfeita. E assim se cumpriu a Escritura que diz: Abraão acreditou em Deus e isso foi-lhe contado como justiça, e foi chamado amigo de Deus. Vedes, pois, como o homem fica justificado pelas obras e não somente pela fé.» (Tg 2, 14-24).

armindo dos santos vaz, ocd, Semana de Espiritualidade 2012, Avessadas, © SNPC | 11.10.12
Card. gianfranco ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, In L'Osservatore Romano (26.7.2012), © SNPC (trad.) | 11.10.12

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.