Páginas

16/11/2012

Viagem no oceano da fé 1


O homem e a fé. Procuremos adentrar-nos neste vasto horizonte. A nossa será apenas uma breve navegação num oceano de mil rotas. «Em Deus descobrem-se sempre novos mares quanto mais se navega», afirmava frei Luis de León, escritor místico espanhol contemporâneo de Santa Teresa d’Ávila e S. João da Cruz. Orientar-nos-emos para o coração da fé cristã que é não só o «grande código» da civilização ocidental (sem ela, por exemplo, não existiria a “Divina Comédia”) mas é a alma da nossa espiritualidade e está indubitavelmente na raiz do mais alto e amplo sistema teológico e ideológico elaborado pela humanidade.

A fé é a primeira do tríptico das chamadas «virtudes teologais». Este adjectivo remete-nos obviamente para Deus, no sentido subjectivo (a fé é a virtude dada pelo próprio Deus, infundida por ele, alimentada, sustentada, provada e joeirada) e em sentido objectivo (é a virtude que tem por objecto Deus, o seu mistério, a sua palavra e a sua obra). É, em todo o caso, à luz da revelação e da razão que nós nela nos adentrarmos, procedendo segundo um ritmo binário que não é dialético e antitético, mas harmonioso, de contraponto, de dueto. (...) Avançaremos (...) por duplas temáticas. A primeira, fundamental, é a que une fé e graça. São duas estrelas que constituem o coração da constelação do crer. Acende-se em primeiro lugar a graça, chàris no grego de S. Paulo, o nosso maior ponto de referência neste itinerário. O vocábulo, que permaneceu nos nossos «caro, carícia, caridade» ou no inglês «charm» e no francês «charme», expressa amor, fascínio, esplendor. É o aparecimento de Deus na noite da alma; ele não é um imperador impassível relegado ao céu dourado da sua transcendência. «Está à porta e bate», como diz o Apocalipse (3, 20), rasga a nossa solidão, colocando-se antes de todos na estrada da história, tecendo um diálogo que é antes de tudo uma revelação do seu ser e da sua vida, dos seus pensamentos e dos seus projectos. Escreve Paulo: «Isaías atreve-se, mesmo, a dizer: [Eu, o Senhor] Deixei-me encontrar pelos que não me procuravam, manifestei-me aos que não perguntavam por mim» (Romanos 10, 20; Isaías 65, 1). No princípio é, então, o amor divino que interpela o homem. É este o sentido do brado final do Diário de um pároco de aldeia (1936) de Georges Bernanos: «Tudo é graça!».

armindo dos santos vaz, ocd, Semana de Espiritualidade 2012, Avessadas, © SNPC | 11.10.12
Card. gianfranco ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, In L'Osservatore Romano (26.7.2012), © SNPC (trad.) | 11.10.12

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.