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22/11/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 61


Questão 116: Se há fado. [i]

Em seguida deve-se tratar do fado.

E sobre esta questão, quatro artigos se discutem:
Art. 1 — Se há fado.
Art. 2 — Se há fado nas coisas criadas.
Art. 3 — Se o fado é imutável.
Art. 4 — Se tudo está sujeito ao fado.





Art. 1 — Se há fado.

(III Cont. Gent., cap. XCIII, Compend. Theol., cap. CXXXVIII, Quodl. XII, q. 3, a. 2, Opusc. XXVIII, De Fato, cap. I, In Matth., cap. II, I Perihem., Iect. XIV, VI Metaphys., lect. III).

O primeiro discute-se assim. — Parece que não há fado.

1. — Pois, diz Gregório: Esteja longe da mente dos fiéis dizer que há fado.

2. — Coisas acontecidas por fado não são improvisadas, pois, como diz Agostinho, compreendemos o fado como originado de dizer, isto é, falar, de modo que se considera acontecido por fado aquilo que é de antemão e determinadamente falado por alguém. Ora o que é previsto não é fortuito nem casual. Se pois há coisas fatais, fica excluído o acaso e a fortuna, das coisas.

Mas, em contrario. — O que não existe não tem definição. Ora, Boécio define o fado assim: o fado é uma disposição inerente às coisas móveis, pela qual a Providência sujeita tudo às suas ordens. Logo, o fado existe.

Vemos que na ordem das coisas inferiores, certas acontecem por fortuna ou acaso. Ora, às vezes, uma coisa, relativamente às causas inferiores, é fortuita ou casual, e relativamente a uma causa superior, é intencional. Assim, se dois servos do mesmo senhor forem mandados para o mesmo lugar, sem que um saiba do outro, o encontro deles, relativo a eles próprios, é casual, porque se dá fora da intenção de ambos, relativamente porém ao senhor, que tal predeterminou, não é casual, mas intencional.
Ora, alguns não querem reduzir a nenhuma causa superior o casual e fortuito nas coisas inferiores deste mundo. E estes negam o fado e a Providência, como, de Túlio, refere Agostinho. O que é contrário ao que já se disse, da Providência.

Outros porém pretendem reduzir a uma causa superior, que são os corpos celestes, todo o fortuito e casual, quer nas coisas naturais, quer nas humanas. E segundo estes o fado não é senão a disposição dos astros, sob os quais fomos concebidos ou nascidos. — Mas esta opinião não pode subsistir, por duas razões. — Primeira, quanto às causas humanas. Pois, como já se demonstrou, os actos humanos não estão sujeitos à acção dos corpos celestes, senão acidental e indirectamente. Ora, a causa fatal, de que dependem as coisas fatais, há-de necessariamente ser causa directa e por si do que é realizado. — A segunda, quanto a tudo o que é acidentalmente feito. Pois, como se disse antes, o acidental não é propriamente ser uno. Ora, toda acção da natureza termina em alguma unidade. Por onde, é impossível o acidental ser, em si, efeito de um princípio agente natural. Assim, não está no poder de nenhuma natureza, em si mesma, cavar um sepulcro e achar um tesouro. Logo, é manifesto que o corpo celeste age como princípio natural, e portanto os seus efeitos, neste mundo, são naturais. E por consequência, é impossível que qualquer virtude activa desse corpo seja causa do que neste mundo se realiza acidentalmente, pelo acaso ou pela fortuna.

E portanto, deve-se dizer que o que se realiza acidentalmente neste inundo, quer em relação às causas naturais, quer às humanas, reduz-­se a alguma causa preordenada, que é a Providência divina. Pois nada impede que o acidental seja considerado como uno, por algum intelecto, de contrário, o intelecto não poderia formar esta proposição: o que cavava um sepulcro encontrou um tesouro. E assim como o intelecto pode apreender tal, também pode realizá-lo, p. ex., alguém ciente do lugar em que há um tesouro escondido, instigasse algum rústico, que o ignorasse, a cavar aí um sepulcro. Por isso nada impede que as causas feitas acidentalmente, neste mundo, como fortuitas ou casuais, sejam reduzidas a uma causa ordenadora, que age por meio do intelecto, e sobretudo do intelecto divino. Pois, só Deus pode imutar a vontade, como já, se estabeleceu. E por consequência, a ordenação dos actos humanos, cujo princípio é a vontade, deve ser atribuída só a Deus.

Assim, pois, estando todas as coisas feitas neste mundo sujeitas à Providência divina por serem por elas preordenadas e como que de antemão faladas, podemos admitir o fado, embora os santos Doutores se recusassem empregar esse nome, por causa dos que o aplicavam em relação à virtude da posição dos astros. Por onde, diz Agostinho: Quem atribuir ao fado as coisas humanas, porque dá esse nome à vontade ou ao poder de Deus mesmo, conserve a sua opinião, mas corrija o modo de falar. E nesse sentido também Gregório nega que haja fado.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.



[i] Nota: no sentido ‘fatal, destino’ e equiparados.

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