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16/11/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 55


Questão 115: Da acção da criatura corpórea.

Em seguida deve-se tratar da acção da criatura corpórea, e do destino atribuído a certos corpos.


Sobre as acções corpóreas seis artigos se discutem:

Art. 1 — Se há algum corpo activo.
Art. 2 — Se na matéria corpórea há razões seminais.
Art. 3 — Se os corpos celestes são a causa do que é feito neste mundo, nos corpos inferiores.
Art. 4 — Se os corpos celestes são causa dos actos humanos.
Art. 5 — Se os corpos celestes podem causar impressões sobre os demónios.
Art. 6 — Se os corpos celestes impõem necessidade ao que lhes está sujeito à acção.


Art. 1 — Se há algum corpo activo.

(III Cont. Gent., cap. LXIX, De Verit., q. 5, a. 9 ad. 4, De Pot., q. 4, a. 7)

O primeiro discute-se assim. — Parece que não há nenhum corpo activo.

1. — Pois, diz Agostinho, há seres que são feitos e não agem, como os corpos, há um ser que é agente e não feito, que é Deus, e há outros, agentes e feitos, que são as substâncias espirituais.

2. Demais. — Todos os agentes, excepto o primeiro, necessitam, para agir, de um sujeito, sobre o qual lhes recaia a acção. Ora, abaixo da substância corpórea não há substância que seja susceptível de tal acção, porque essa substância está no último grau dos seres. Logo, a substância corpórea não é activa.

3. Demais. — Toda substância corpórea tem quantidade. Ora, a quantidade impede o movimento e a acção da substância, porque a compreende e está como imersa nesta, assim como o ar nebuloso fica impedido de receber a luz. E prova disto é que, quanto maior for a quantidade do corpo, tanto mais este será pesado e grave ao mover-se. Logo, nenhuma substância corpórea é activa.

4. Demais. — Todo agente recebe a sua virtude activa da proximidade do ser activo primeiro. Ora, os corpos compostos, em máximo grau, são os mais afastados do ser abaixo primeiro, que é simplicíssimo. Logo, nenhum corpo é agente.

5. Demais. — O corpo, que for agente, há­de agir, pela forma substancial ou pela acidental. Ora, hão-de por aquela, porque os corpos não têm nenhum princípio de acção, a não ser as qualidades activas, que são acidentais, e o acidente não pode ser causa da forma substancial, porque a causa é superior ao efeito. Nem, semelhantemente, pela forma acidental, porque o acidente não alcança além do seu sujeito, como diz Agostinho. Logo, nenhum corpo é activo.

Mas, em contrário, diz Dionísio que, entre as outras propriedades do fogo corpóreo, está a manifestação da sua grandeza, como activo e poderoso, em relação às matérias dela susceptíveis.

É sensível que certos corpos são activos. Mas há três opiniões erradas, relativamente às acções dos corpos.

Assim, para uns os corpos são totalmente privados de acção. E esta é a opinião de Avicebrão, na obra A Fonte da vida, em que aduz razões, esforçando-se por provar que nenhum corpo age, sendo todas as acções, que parecem deles, as de alguma virtude espiritual, que os penetra a todos. Segundo tal opinião, pois, não é o fogo que aquece, mas uma virtude espiritual, que penetra, por meio dele. E essa opinião considera-se derivada da de Platão, que ensina serem todas as formas da matéria corpórea participadas, determinadas e realizadas numa particular matéria, ao passo que as formas separadas são absolutas e como que universais. E por isso considera essas formas separadas como causas das formas existentes na matéria. Por onde, sendo a forma da matéria corpórea de terminada a uma certa matéria, individuada pela quantidade, esta mesma quantidade, ensina Avicebrão, como princípio de individuação, retém e impede a forma corpórea, para que não possa agir sobre outra matéria. E só a forma espiritual e imaterial, não coarctada pela quantidade, pode influir sobre outra, pela sua acção.

Esta opinião porém não conclui que a forma corpórea não é agente, mas que não é agente universal. Pois, na medida em que uma coisa é participada, nessa mesma há-de necessariamente ser participado o que a essa coisa é próprio, assim, na medida em que um ser participa da luz, nessa mesma participa da visibilidade. Ora, agir, que não é mais do que actualizar alguma coisa, é em si próprio do acto, como acto, e, por isso todo agente age de modo semelhante a si. Por onde, a forma não determinada pela matéria quantificada é agente indeterminado e universal, sendo porém determinada a uma certa matéria particular, é agente determinado e particular. E assim se a forma do fogo fosse separada, como querem os Platónicos, seria de certo modo a causa de toda ignição. Porém a forma do fogo, existente numa determinada matéria corpórea, é a causa de uma determinada ignição, procedente de tal corpo para tal outro, sendo por isso que esse acto se realiza pelo contacto dos dois corpos.

Mas esta opinião de Avicebrão sobre-excede a de Platão. Pois, este ensina que só as formas substanciais são separadas, e reduz as aciden­tais aos princípios materiais da grandeza e da pequenez, que considera como os primeiros contrários, do mesmo modo que outros consideram tais a rarefacção e a densidade. Por onde, tanto Platão como Avicena, que em algo o segue, admitem que os agentes corpóreos agem pelas formas acidentais, dispondo a matéria para a forma substancial, ao passo que a perfeição última, que se realiza pela união com a forma substancial, procede de um princípio imaterial.

E esta é a segunda opinião sobre a acção dos corpos, à qual se aludiu antes, quando se tratou da criação.

A terceira opinião, enfim, é a de Demócrito, ensinando que a acção resulta do eflúvio dos átomos, do corpo agente, e a paixão, do recebimento destes nos poros do corpo paciente. Esta opinião é refutada por Aristóteles, pois dela resultaria que o corpo não seria passivo, na sua totalidade, e que a quantidade do corpo agente diminuiria pela acção, consequências manifestamente falsas.

Logo, deve concluir-se que um corpo age, como actual, sobre outro corpo, como potencial.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O dito de Agostinho pode ser concedido, como referente a toda a natureza corpórea, simultaneamente considerada, que não tem nenhuma natureza inferior sobre que actue, como a natureza espiritual age sobre a corpórea e a incriada, sobre a criada. Porém o corpo que é potencial em relação a outro, no que tem este de actual, é-lhe inferior.

DONDE SE DEDUZ CLARA A RESPOSTA À SEGUNDA OBJECÇÃO. — Deve contudo saber-se que é admissível o argumento seguinte de Avicebrão: Há um motor não movido, e é esse o autor primeiro das causas, logo, por oposição, há algo que é somente movido e paciente, que é a matéria-prima, potência pura, como Deus é o acto puro. O corpo, porém, sendo composto de potência e acto, é agente e paciente.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A quantidade não priva, de nenhum modo, a forma corpórea, da acção, como já se disse, mas impede-a de ser agente universal, porque a forma é individuada pela matéria sujeita à quantidade. Não vem a ponto, porém, a prova deduzida do peso dos corpos. Primeiro, porque a quantidade adicionada não é a causa da gravidade, como o prova Aristóteles. Segundo, por ser falso que o peso torna o movimento mais lento, antes, quanto mais um corpo é pesado, tanto mais se move com movimento próprio. Terceiro, porque a acção não se realiza pelo movimento local, como ensina Demócrito, mas pela passagem da potência para o acto.

RESPOSTA À QUARTA. — O corpo não é o que dista de Deus, em máximo grau, pois, participa algo da semelhança do ser divino, pela forma que tem. Mas é a matéria-prima o que há de mais distante de Deus, a qual, sendo somente potencial, de nenhum modo é agente.

RESPOSTA À QUINTA. — O corpo age tanto pela forma acidental como pela substancial. Assim, a qualidade activa, como o calor, embora seja acidente, age contudo em virtude da forma substancial, como instrumento desta, e portanto pode agir como forma substancial. Assim, o calor natural, enquanto instrumento da alma, age para a geração da carne. Como acidente porém age por virtude própria. Nem é contra a essência do acidente o exceder o seu sujeito, pela acção, mas sim, pela existência, a menos talvez que alguém imagine que um acidente, numericamente o mesmo, deflua do agente para o paciente, no sentido de Demócrito, que ensina que a acção se realiza pelo eflúvio dos átomos.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama

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