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16/11/2012

Leitura espiritual para 16 Nov 2012


Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.


Para ver, clicar SFF.


Evangelho: Jo 12, 1-26

1 Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde se encontrava Lázaro, que Jesus tinha ressuscitado. 2 Ofereceram-Lhe lá uma ceia. Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Ele. 3 Então, Maria tomou uma libra de perfume feito de nardo puro de grande preço, ungiu os pés de Jesus e Os enxugou com os seus cabelos; e a casa encheu-se com o cheiro do perfume. 4 Judas Iscariotes, um dos Seus discípulos, aquele que O havia de entregar, disse: 5 «Porque não se vendeu este perfume por trezentos denários para se dar aos pobres?». 6 Disse isto, não porque se importasse com os pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, roubava o que nela se deitava. 7 Mas Jesus respondeu: «Deixa-a; ela reservou este perfume para o dia da Minha sepultura; 8 porque pobres sempre os tereis convosco, mas a Mim nem sempre Me tereis». 9 Uma grande multidão de judeus soube que Jesus estava ali e foi lá, não somente por causa de Jesus, mas também para ver Lázaro, a quem Ele tinha ressuscitado dos mortos. 10 Os príncipes dos sacerdotes deliberaram então matar também Lázaro, 11 porque muitos judeus, por causa dele, se afastavam e acreditavam em Jesus. 12 No dia seguinte, uma grande multidão de povo, que tinha ido à festa, ouvindo dizer que Jesus ia a Jerusalém, 13 tomou ramos de palmeiras, saiu ao Seu encontro e clamava: «Hossana! Bendito O que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel».14 Jesus encontrou um jumentinho, e montou em cima dele, segundo está escrito: 15 “Não temas, filha de Sião, eis que o teu Rei vem montado sobre um jumentinho”. 16 A princípio, os Seus discípulos não compreenderam estas coisas, mas quando Jesus foi glorificado, então lembraram-se de que estas coisas tinham sido escritas d'Ele e que eles mesmos tinham contribuído para o seu cumprimento. 17 A multidão que estava com Ele, quando chamou Lázaro do sepulcro e o ressuscitou dos mortos, dava testemunho d'Ele. 18 Por isso, Lhe saiu ao encontro a multidão, porque ouviram dizer que tinha feito este milagre. 19 Então os fariseus disseram entre si: «Vedes que nada adiantais? Eis que todos correm atrás d'Ele!». 20 Ora havia lá alguns gregos, entre aqueles que tinham ido adorar a Deus durante a festa. 21 Estes aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e fizeram-lhe este pedido: «Senhor, desejamos ver Jesus». 22 Filipe foi dizê-lo a André; André e Filipe disseram-no a Jesus. 23 Jesus respondeu-lhes: «Chegou a hora em que o Filho do Homem será glorificado. 24 Em verdade, em verdade vos digo que, se o grão de trigo que cai na terra não morrer, 25 fica infecundo; mas, se morrer, produz muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á e quem aborrece a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. 26 Se alguém Me quer servir, siga-Me e, onde Eu estou, estará ali também o que Me serve. Se alguém Me servir, Meu Pai o honrará.





EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
I PARTE
VERBUM DEI
…/4

A hermenêutica da Sagrada Escritura na Igreja

A Igreja, lugar originário da hermenêutica da Bíblia

29. Outro grande tema surgido durante o Sínodo, sobre o qual quero debruçar-me agora, é a interpretação da Sagrada Escritura na Igreja. E precisamente a ligação intrínseca entre Palavra e fé põe em evidência que a autêntica hermenêutica da Bíblia só pode ser feita na fé eclesial, que tem o seu paradigma no sim de Maria. A este respeito, São Boaventura afirma que, sem a fé, não há chave de acesso ao texto sagrado: «Esta é o conhecimento de Jesus Cristo, do qual têm origem, como de uma fonte, a segurança e a inteligência de toda a Sagrada Escritura. Por isso é impossível que alguém possa entrar para a conhecer, se antes não tiver a fé infusa de Cristo que é lanterna, porta e também fundamento de toda a Escritura».[84] E São Tomás de Aquino, mencionando Santo Agostinho, insiste vigorosamente: «A letra do Evangelho também mata, se faltar a graça interior da fé que cura».[85]
Isto permite-nos assinalar um critério fundamental da hermenêutica bíblica: o lugar originário da interpretação da Escritura é a vida da Igreja. Esta afirmação não indica a referência eclesial como um critério extrínseco ao qual se devem submeter os exegetas, mas é uma exigência da própria realidade das Escrituras e do modo como se formaram ao longo do tempo. De facto, «as tradições de fé formavam o ambiente vital onde se inseriu a actividade literária dos autores da Sagrada Escritura. Esta inserção englobava também a participação na vida litúrgica e na actividade externa das comunidades, no seu mundo espiritual, na sua cultura e nas vicissitudes do seu destino histórico. Por isso, de modo semelhante, a interpretação da Sagrada Escritura exige a participação dos exegetas em toda a vida e em toda a fé da comunidade crente do seu tempo».[86] Por conseguinte, «devendo a Sagrada Escritura ser lida e interpretada com o mesmo Espírito com que foi escrita»,[87] é preciso que os exegetas, os teólogos e todo o Povo de Deus se abeirem dela por aquilo que realmente é: como Palavra de Deus que Se nos comunica através de palavras humanas (cf. 1 Ts 2, 13). Trata-se de um dado constante e implícito na própria Bíblia: «Nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular, porque jamais uma profecia foi proferida pela vontade dos homens. Inspirados pelo Espírito Santo é que os homens santos falaram em nome de Deus» (2 Pd 1, 20-21). Aliás, é precisamente a fé da Igreja que reconhece na Bíblia a Palavra de Deus; como admiravelmente diz Santo Agostinho, «não acreditaria no Evangelho se não me movesse a isso a autoridade da Igreja Católica».[88] O Espírito Santo, que anima a vida da Igreja, é que torna capaz de interpretar autenticamente as Escrituras. A Bíblia é o livro da Igreja e, a partir da imanência dela na vida eclesial, brota também a sua verdadeira hermenêutica.

30. São Jerónimo recorda que, sozinhos, nunca poderemos ler a Escritura. Encontramos demasiadas portas fechadas e caímos facilmente em erro. A Bíblia foi escrita pelo Povo de Deus e para o Povo de Deus, sob a inspiração do Espírito Santo. Somente com o «nós», isto é, nesta comunhão com o Povo de Deus, podemos realmente entrar no núcleo da verdade que o próprio Deus nos quer dizer.[89] Aquele grande estudioso, para quem «a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo»,[90] afirma que o carácter eclesial da interpretação bíblica não é uma exigência imposta do exterior; o Livro é precisamente a voz do Povo de Deus peregrino, e só na fé deste Povo é que estamos, por assim dizer, na tonalidade justa para compreender a Sagrada Escritura. Uma autêntica interpretação da Bíblia deve estar sempre em harmónica concordância com a fé da Igreja Católica. Jerónimo escrevia assim a um sacerdote: «Permanece firmemente apegado à doutrina tradicional que te foi ensinada, para que possas exortar segundo a sã doutrina e rebater aqueles que a contradizem».[91]
Abordagens do texto sagrado que prescindam da fé podem sugerir elementos interessantes ao deterem-se sobre a estrutura do texto e as suas formas; inevitavelmente, porém, tal tentativa seria apenas preliminar e estruturalmente incompleta. De facto, como foi afirmado pela Pontifícia Comissão Bíblica, repercutindo um princípio compartilhado na hermenêutica moderna, «o justo conhecimento do texto bíblico só é acessível a quem tem uma afinidade vital com aquilo de que fala o texto».[92] Tudo isto põe em relevo a relação entre a vida espiritual e a hermenêutica da Escritura. De facto, «com o crescimento da vida no Espírito, cresce também no leitor a compreensão das realidades de que fala o texto bíblico».[93] Uma intensa e verdadeira experiência eclesial não pode deixar de incrementar a inteligência da fé autêntica a respeito da Palavra de Deus; e, vice-versa, a leitura na fé das Escrituras faz crescer a própria vida eclesial. Daqui podemos compreender de um modo novo a conhecida afirmação de São Gregório Magno: «As palavras divinas crescem juntamente com quem as lê».[94] Assim, a escuta da Palavra de Deus introduz e incrementa a comunhão eclesial com todos os que caminham na fé.

«A alma da sagrada teologia»

31. «O estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada teologia»:[95] esta afirmação da Constituição dogmática Dei Verbum foi-se-nos tornando ao longo destes anos cada vez mais familiar. Podemos dizer que o período sucessivo ao Concílio Vaticano II, no que se refere aos estudos teológicos e exegéticos, citou frequentemente esta frase como símbolo do renovado interesse pela Sagrada Escritura. Também a XII Assembleia do Sínodo dos Bispos se referiu várias vezes a esta conhecida afirmação, para indicar a relação entre investigação histórica e hermenêutica da fé aplicadas ao texto sagrado. Nesta perspectiva, os Padres reconheceram, com alegria, o crescimento do estudo da Palavra de Deus na Igreja ao longo dos últimos decénios e exprimiram um vivo agradecimento aos numerosos exegetas e teólogos que, com a sua dedicação, empenho e competência, deram e ainda dão uma contribuição essencial para o aprofundamento do sentido das Escrituras, enfrentando os problemas complexos que o nosso tempo coloca à investigação bíblica.[96] Expressaram sentimentos de sincera gratidão também aos membros da Pontifícia Comissão Bíblica que se sucederam nestes últimos anos e que, em estreita relação com a Congregação para a Doutrina da Fé, continuam a dar o seu qualificado contributo para enfrentar questões peculiares inerentes ao estudo da Sagrada Escritura. Além disso, o Sínodo sentiu a necessidade de se interrogar sobre o estado dos estudos bíblicos actuais e sobre a sua relevância no âmbito teológico. De facto, da relação fecunda entre exegese e teologia depende, em grande parte, a eficácia pastoral da acção da Igreja e da vida espiritual dos fiéis. Por isso, considero importante retomar algumas reflexões surgidas no debate havido sobre este tema nos trabalhos do Sínodo.

Desenvolvimento da investigação bíblica e Magistério eclesial

32. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer os benefícios que a exegese histórico-crítica e os outros métodos de análise do texto, desenvolvidos em tempos mais recentes, trouxeram para a vida da Igreja.[97] Segundo a visão católica da Sagrada Escritura, a atenção a estes métodos é imprescindível e está ligada ao realismo da encarnação: «Esta necessidade é a consequência do princípio cristão formulado no Evangelho de João 1, 14: Verbum caro factum est. O facto histórico é uma dimensão constitutiva da fé cristã. A história da salvação não é uma mitologia, mas uma verdadeira história e, por isso, deve-se estudar com os métodos de uma investigação histórica séria».[98] Por isso, o estudo da Bíblia exige o conhecimento e o uso apropriado destes métodos de pesquisa. Se é verdade que esta sensibilidade no âmbito dos estudos se desenvolveu mais intensamente na época moderna, embora não de igual modo por toda a parte, todavia na sã tradição eclesial sempre houve amor pelo estudo da «letra». Basta recordar aqui a cultura monástica, à qual em última análise devemos o fundamento da cultura europeia: na sua raiz, está o interesse pela palavra. O desejo de Deus inclui o amor pela palavra em todas as suas dimensões: «Visto que, na Palavra bíblica, Deus caminha para nós e nós para Ele, é preciso aprender a penetrar no segredo da língua, compreendê--la na sua estrutura e no seu modo de se exprimir. Assim, devido precisamente à procura de Deus, tornam-se importantes as ciências profanas que nos indicam as vias rumo à língua».[99]

33. O Magistério vivo da Igreja, ao qual compete «o encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou contida na Tradição»,[100] interveio com sapiente equilíbrio relativamente à justa posição a tomar face à introdução dos novos métodos de análise histórica. Refiro-me, de modo particular, às encíclicas Providentissimus Deus do Papa Leão XIII e Divino afflante Spiritu do Papa Pio XII. O meu venerável predecessor João Paulo II recordou a importância destes documentos para a exegese e a teologia, por ocasião da celebração do centenário e cinquentenário respectivamente da sua publicação.[101] A intervenção do Papa Leão XIII teve o mérito de proteger a interpretação católica da Bíblia dos ataques do racionalismo, sem contudo se refugiar num sentido espiritual separado da história. Não desprezava a crítica científica; desconfiava-se somente «das opiniões preconcebidas que pretendem fundar-se sobre a ciência mas, na realidade, fazem astuciosamente sair a ciência do seu campo».[102] Por sua vez, o Papa Pio XII encontrava-se perante os ataques dos adeptos duma exegese chamada mística, que recusava qualquer abordagem científica. Com grande sensibilidade, a Encíclica Divino afflante Spiritu evitou que se desenvolvesse a ideia de uma dicotomia entre a «exegese científica» para o uso apologético e a «interpretação espiritual reservada ao uso interno», afirmando, pelo contrário, quer o «alcance teológico do sentido literal metodicamente definido», quer a pertença da «determinação do sentido espiritual (…) ao campo da ciência exegética».[103] De tal modo ambos os documentos recusam «a ruptura entre o humano e o divino, entre a pesquisa científica e a visão da fé, entre o sentido literal e o sentido espiritual».[104] Este equilíbrio foi, sucessivamente, expresso no documento de 1993 da Pontifícia Comissão Bíblica: «No seu trabalho de interpretação, os exegetas católicos jamais devem esquecer que interpretam a Palavra de Deus. A sua tarefa não termina depois que distinguiram as fontes, definiram as formas ou explicaram os processos literários. O objectivo do seu trabalho só está alcançado quando tiverem esclarecido o significado do texto bíblico como Palavra actual de Deus».[105]

A hermenêutica bíblica conciliar: uma indicação a acolher

34. A partir deste horizonte, podem-se apreciar melhor os grandes princípios da interpretação próprios da exegese católica expressos pelo Concílio Vaticano II, particularmente na Constituição dogmática Dei Verbum: «Como, porém, Deus na Sagrada Escritura falou por meio dos homens e à maneira humana, o intérprete da Sagrada Escritura, para saber o que Ele quis comunicar-nos, deve investigar com atenção o que os hagiógrafos realmente quiseram significar e que aprouve a Deus manifestar por meio das suas palavras».[106] O Concílio, por um lado, sublinha, como elementos fundamentais para identificar o significado pretendido pelo hagiógrafo, o estudo dos géneros literários e a contextualização; por outro, devendo a Escritura ser interpretada no mesmo Espírito em que foi escrita, a Constituição dogmática indica três critérios de base para se respeitar a dimensão divina da Bíblia: 1) interpretar o texto tendo presente a unidade de toda a Escritura; isto hoje chama-se exegese canónica; 2) ter presente a Tradição viva de toda a Igreja; 3) observar a analogia da fé. «Somente quando se observam os dois níveis metodológicos, histórico-crítico e teológico, é que se pode falar de uma exegese teológica, de uma exegese adequada a este Livro».[107]
Os Padres sinodais afirmaram, justamente, que o fruto positivo produzido pelo uso da investigação histórico-crítica moderna é inegável. Mas, enquanto a exegese académica actual, mesmo católica, trabalha a alto nível no que se refere à metodologia histórico-crítica, incluindo as suas mais recentes integrações, é forçoso exigir um estudo análogo da dimensão teológica dos textos bíblicos, para que progrida o aprofundamento segundo os três elementos indicados pela Constituição dogmática Dei Verbum.[108]

O perigo do dualismo e a hermenêutica secularizada

A este propósito, é preciso sublinhar hoje o grave risco de um dualismo que se gera ao abordar as Sagradas Escrituras. De facto, distinguindo os dois níveis da abordagem bíblica, não se pretende de modo algum separá-los, contrapô-los, ou simplesmente justapô-los. Só funcionam em reciprocidade. Infelizmente, não raro uma infrutífera separação dos mesmos leva a exegese e a teologia a comportarem-se como estranhas; e isto «acontece mesmo aos níveis académicos mais altos».[109] Desejo aqui lembrar as consequências mais preocupantes que se devem evitar.

a)Antes de mais nada, se a actividade exegética se reduz só ao primeiro nível, consequentemente a própria Escritura torna-se um texto só do passado: «Daí podem-se tirar consequências morais, pode-se aprender a história, mas o Livro como tal fala só do passado e a exegese já não é realmente teológica, mas torna-se pura historiografia, história da literatura».[110] É claro que, numa tal redução, não é possível de modo algum compreender o acontecimento da revelação de Deus através da sua Palavra que nos é transmitida na Tradição viva e na Escritura.

b)A falta de uma hermenêutica da fé na abordagem da Escritura não se apresenta apenas em termos de uma ausência; o seu lugar acaba inevitavelmente ocupado por outra hermenêutica,uma hermenêutica secularizada, positivista, cuja chave fundamental é a convicção de que o Divino não aparece na história humana. Segundo esta hermenêutica, quando parecer que há um elemento divino, isso deve-se explicar de outro modo, reduzindo tudo ao elemento humano. Consequentemente propõem-se interpretações que negam a historicidade dos elementos divinos.[111]

c)Uma tal posição não pode deixar de danificar a vida da Igreja, fazendo surgir dúvidas sobre mistérios fundamentais do cristianismo e sobre o seu valor histórico, como, por exemplo, a instituição da Eucaristia e a ressurreição de Cristo. De facto, assim impõe-se uma hermenêutica filosófica, que nega a possibilidade de ingresso e presença do Divino na história. A assunção de tal hermenêutica no âmbito dos estudos teológicos introduz, inevitavelmente, um gravoso dualismo entre a exegese, que se situa unicamente no primeiro nível, e a teologia que leva a uma espiritualização do sentido das Escrituras não respeitadora do carácter histórico da revelação. 
Tudo isto não pode deixar de resultar negativo também para a vida espiritual e a actividade pastoral; «a consequência da ausência do segundo nível metodológico é que se criou um fosso profundo entre exegese científica e lectio divina. E precisamente daqui nasce às vezes uma forma de perplexidade na própria preparação das homilias».[112] Além disso, há que assinalar que tal dualismo produz às vezes incerteza e pouca solidez no caminho de formação intelectual mesmo de alguns candidatos aos ministérios eclesiais.[113] Enfim, «onde a exegese não é teologia, a Escritura não pode ser a alma da teologia e, vice-versa, onde a teologia não é essencialmente interpretação da Escritura na Igreja, esta teologia já não tem fundamento».[114]Portanto, é necessário voltar decididamente a considerar com mais atenção as indicações dadas pela Constituição dogmática Dei Verbum a este propósito.

Fé e razão na abordagem da Escritura

36. Creio que pode contribuir para uma compreensão mais completa da exegese e, consequentemente, da sua relação com a teologia inteira aquilo que escreveu o Papa João Paulo II na Encíclica Fides et ratio a este respeito. Afirmava ele que não se deve subestimar «o perigo que existe quando se quer individuar a verdade da Sagrada Escritura com a aplicação de uma única metodologia, esquecendo a necessidade de uma exegese mais ampla que permita o acesso, em união com toda a Igreja, ao sentido pleno dos textos. Os que se dedicam ao estudo da Sagrada Escritura nunca devem esquecer que as diversas metodologias hermenêuticas têm também na sua base uma concepção filosófica: é preciso  examiná-las com grande discernimento, antes de as aplicar aos textos sagrados».[115]
Esta clarividente reflexão permite-nos ver como, na abordagem hermenêutica da Sagrada Escritura, está em jogo inevitavelmente a relação correcta entre fé e razão. De facto, a hermenêutica secularizada da Sagrada Escritura é actuada por uma razão que quer estruturalmente fechar-se à possibilidade de Deus entrar na vida dos homens e falar aos homens com palavras humanas. Por isso é necessário, também neste caso, convidar a alargar os espaços da própria racionalidade.[116] Na utilização dos métodos de análise histórica, dever-se-á evitar de assumir, sempre que aparecem, critérios que preconceituosamente se fechem à revelação de Deus na vida dos homens. A unidade dos dois níveis do trabalho interpretativo da Sagrada Escritura pressupõe, em última análise, uma harmonia entre a fé e a razão. Por um lado, é necessária uma fé que, mantendo uma adequada relação com a recta razão, nunca degenere em fideísmo, que se tornaria, a respeito da Escritura, fautor de leituras fundamentalistas. Por outro, é necessária uma razão que, investigando os elementos históricos presentes na Bíblia, se mostre aberta e não recuse aprioristicamente tudo o que excede a própria medida. Aliás, a religião do Logos encarnado não poderá deixar de apresentar-se profundamente razoável ao homem que sinceramente procura a verdade e o sentido último da própria vida e da história.

Sentido literal e sentido espiritual

Como foi afirmado na assembleia sinodal, um significativo contributo para a recuperação de uma adequada hermenêutica da Escritura provém de uma renovada escuta dos Padres da Igreja e da sua abordagem exegética.[117] Com efeito, os Padres da Igreja oferecem-nos, ainda hoje, uma teologia de grande valor, porque no centro está o estudo da Sagrada Escritura na sua integridade. De facto, os Padres são primária e essencialmente «comentadores da Sagrada Escritura».[118] O seu exemplo pode «ensinar aos exegetas modernos uma abordagem verdadeiramente religiosa da Sagrada Escritura, e também uma interpretação que se atém constantemente ao critério de comunhão com a experiência da Igreja, que caminha através da história sob a guia do Espírito Santo».[119]
Apesar de não conhecer, obviamente, os recursos de ordem filológica e histórica à disposição da exegese moderna, a tradição patrística e medieval sabia reconhecer os vários sentidos da Escritura, a começar pelo literal, isto é, «o expresso pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese segundo as regras da recta interpretação».[120] Por exemplo, São Tomás de Aquino afirma: «Todos os sentidos da Sagrada Escritura se fundamentam no literal».[121] É preciso, porém, recordar-se de que, no período patrístico e medieval, toda a forma de exegese, incluindo a literal, era feita com base na fé, não havendo necessariamente distinção entresentido literal e sentido espiritual. A propósito, recorde-se o dístico clássico que traduz a relação entre os diversos sentidos da Escritura:
«Littera gesta docet, quid credas allegoria,
Moralis quid agas, quo tendas anagogia.
A letra ensina-te os factos [passados], a alegoria o que deves crer,
A moral o que deves fazer, a anagogia para onde deves tender».[122]

Sobressai aqui a unidade e a articulação entre sentido literal e sentido espiritual, o qual, por sua vez, se subdivide em três sentidos que descrevem os conteúdos da fé, da moral e da tensão escatológica.
Em suma, reconhecendo o valor e a necessidade – apesar dos seus limites – do método histórico-crítico, pela exegese patrística, aprendemos que «só se é fiel à intencionalidade dos textos bíblicos na medida em que se procura encontrar, no coração da sua formulação, a realidade de fé que os mesmos exprimem e em que se liga esta realidade com a experiência crente do nosso mundo».[123] Somente nesta perspectiva se pode reconhecer que a Palavra de Deus é viva e se dirige a cada um de nós no momento presente da nossa vida. Continua assim plenamente válida a afirmação da Pontifícia Comissão Bíblica que define o sentido espiritual, segundo a fé cristã, como «o sentido expresso pelos textos bíblicos quando são lidos sob o influxo do Espírito Santo no contexto do mistério pascal de Cristo e da vida nova que dele resulta. Este contexto existe efectivamente. O Novo Testamento reconhece nele o cumprimento das Escrituras. Por isso, é normal reler as Escrituras à luz deste novo contexto, o da vida no Espírito».[124]

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
________________
[84]Breviloquium, Prol.: Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), p. 201-202. 
[85]Summa theologiae, Ia-IIae, q. 106, art. 2. 
[86]Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), III, A, 3: Ench. Vat. 13, n. 3035. 
[87]Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 12. 
[88]Contra epistolam Manichaei quam vocant fundamenti, V, 6: 
PL
 42, 176. 
[89]Cf. Bento XVI, Audiência Geral (14 de Novembro de 2007): Insegnamenti III/2 (2007), 586-591. 
[90]Commentariorum in Isaiam libri, Prol.: PL 24, 17. 
[91]Epistula 52, 7: CSEL 54, 426. 
[92]Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), II, A, 2:Ench. Vat. 13, n. 2988. 
[93]Ibid., II, A, 2: o.c., n. 2991. 
[94]Homiliae in Ezechielem I, VII, 8: PL 76, 843 D. 
[95]Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 24; cf. Leão XIII, Carta enc. Providentissimus Deus (18 de Novembro de 1893), Pars II, sub fine: ASS 26 (1893-94), 269-292; Bento XV, Carta enc. Spiritus Paraclitus (15 de Setembro de 1920), Pars III: AAS 12 (1920), 385-422. 
[96]Cf. Propositio 26. 
[97]Cf. Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), A-B: Ench. Vat. 13, n. 2846-3150. 
[98]Bento XVI, Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo (14 de Outubro de 2008):Insegnamenti IV/2 (2008), 492; cf. Propositio 25. 
[99]Bento XVI, Discurso aos homens de cultura no «Collège des Bernardins» de Paris (12 de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 722-723. 
[100]Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 10. 
[101]Cf. João Paulo II, Discurso por ocasião do centenário da Providentissimus Deus e do cinquentenário da Divino afflante Spiritu (23 de Abril de 1993): AAS 86 (1994), 232-243. 
[102]Ibid., 4: o.c., 235. 
[103]Ibid., 5: o.c., 235. 
[104]Ibid., 5: o.c., 236. 
[105]Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), III, C, 1: Ench. Vat. 13, n. 3065. 
[106]N. 12. 
[107]Bento XVI, Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo (14 de Outubro de 2008):Insegnamenti IV/2 (2008), 493; cf. Propositio 25. 
[108]Cf. Propositio 26. 
[109]Propositio 27. 
[110]Bento XVI, Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo (14 de Outubro de 2008):Insegnamenti IV/2 (2008), 493; cf. Propositio 26. 
[111]Cf. ibid.o.c. 493; propositio 26. 
[112]Ibid.o.c. 493; cf. Propositio 26. 
[113]Cf. Propositio 27. 
[114]Bento XVI, Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo (14 de Outubro de 2008):Insegnamenti IV/2 (2008), 493-494. 
[115]João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 55: AAS 91 (1999), 49-50. 
[116]Cf. Bento XVI, Discurso no IV Congresso Nacional da Igreja em Itália (19 de Outubro de 2006): AAS 98 (2006), 804-815.
[117]Cf. Propositio 6. 
[118]Cf. Santo Agostinho, De libero arbitrio, III, XXI, 59: PL 32, 1300; De Trinitate, II, I, 2: PL42, 845. 
[119]Congr. para a Educação Católica, Instr. Inspectis dierum (10 de Novembro de 1989), 26:AAS 82 (1990), 618. 
[120]Catecismo da Igreja Católica, 116. 
[121]Summa theologiae, I, q.1, art.10, ad 1. 
[122]Catecismo da Igreja Católica, 118. 
[123]Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), II, A, 2: Ench. Vat. 13, n. 2987. 
[124]Ibid., II, B, 2: o.c., n. 3003. 

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