Páginas

10/11/2012

A FÉ II

Ouvimos por aí a muita gente frases deste tipo:
Eu tenho muita fé que Deus me vai dar o que eu lhe peço!
Quer dizer então que aquela “fé” se baseia em Deus dar aquilo que alguém Lhe pede, segundo a vontade, segundo os planos daquele que pede.
O que significa também, que se tal pedido não for concedido, a “fé” deixa de existir, porque ela se firma na obtenção do que se pede, e não na “capacidade” de Deus conhecer o que é melhor para aquele que pede, e, sabendo que a satisfação desse pedido não serve ao impetrante, não satisfazer tal pedido.
Tenhamos em conta a mesma frase, mas proferida de outro modo:
Eu tenho fé em Deus, e acredito que Ele me concederá o que Lhe peço, se for de Sua vontade.
Poder-se-á dizer que é uma questão de semântica, mas na realidade vai muito mais longe do que a semântica, pois revela posturas completamente diferentes perante Deus e perante a fé em Deus.
Se a minha “fé” se baseia naquilo que Deus me dá ou pode dar, então a minha “fé” é uma espécie de “comércio”, ou seja, Deus dá-me o que eu peço e eu acredito n’Ele, ou então, se não me dá, é vã a minha “fé”, ou seja, a minha “fé” deixa de existir porque não tem sentido, visto que aquilo em que acreditava não aconteceu.
Esta “fé” nada tem de transcendente, nada tem de dom de Deus, porque se firma apenas nas coisas materiais, palpáveis, que eu posso dominar e das quais me posso servir a meu belo prazer.
Esta “fé” é uma relação que se autodestrói, porque se fixa apenas naquilo que posso obter daquele em que acredito, e não no todo que Ele é, e como tal, falhado o objectivo da “fé” por não obter o que pretendo, falha também o acreditar n’Aquele que é “objecto” da “fé”.
Então, se a minha “fé” é esta acima descrita, toda a confiança e esperança colocada naquele de quem quero obter o que pretendo, morre, ao não me ser concedido o que pretendo, e a minha vida, que vivia dessa relação assente numa “fé parcial”, torna-se desesperada porque já não tem nada em que acreditar, em que confiar, em que esperar.
A Fé, dom de Deus, não se ocupa do que pode obter do próprio Deus, mas sim, ocupa-se em acreditar e viver esse acreditar em Deus Revelado aos homens, porque sabe também que tudo o que realmente precisa e é bom para a sua vida, lhe virá por acréscimo, por força da confiança e da esperança no Deus a Quem nada é impossível e tudo conhece.
Porque a Fé ilumina o pedido, (peço segundo a vontade de Deus), e iluminando o pedido, ilumina a aceitação da resposta de Deus, mesmo que ela não seja conforme os meus desejos, porque faz nascer no meu coração a certeza de que, se tal não me foi concedido, é porque não era o melhor para a minha vida e, assim, Deus que me ama com amor infinito, cuidou de me proteger do que me podia fazer mal.
E esta Fé, (a única e verdadeira Fé), leva-me a uma relação tão única, pessoal e intima com Deus, que, mesmo nos momentos mais difíceis, mesmo nos momentos em que nada me é concedido, mesmo nos momentos em que Deus parece muito longe, a aceitação de tudo é uma constante certeza de fazer a vontade de Deus, (E dizia: «Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres.» Mc 14,36), e assim sendo, saber intimamente que Ele nunca me abandona.
Por isso mesmo esses momentos não são nunca um fim, mas um eterno recomeço na procura da Sua vontade.
Por isso a confiança e a esperança não morrem, mas são sempre vivas, porque Ele faz novas todas as coisas, («Eu renovo todas as coisas.»Ap 21,5), e se são sempre novas, também a vida é abundante e cheia de sentido, porque vive no sentido da Fé.
E, por força da Fé, que leva à confiança e à esperança em Deus, essa aceitação nunca é passiva, estática, mas sim activa e dinâmica, e como tal luta para obter, segundo a vontade de Deus, tudo o que necessita para ter a vida e «vida em abundância Jo 10,10».
E assim também, por força dessa dinâmica, nasce a necessidade interior de testemunhar a Fé, para que no amor a Deus, que é vivido também necessariamente no amor aos outros, os outros possam perceber como a Fé transforma a vida e lhe dá sentido, abrindo-se assim também eles ao Dom de Deus.
Assim como nos exorta o Papa Bento XVI, na Carta Apostólica “Porta da Fé”:
«Por conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus.» Porta Fidei 7
«Simultaneamente esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.» Porta Fidei 9
Marinha Grande, 30 de Outubro de 2012

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.