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24/10/2012

Vidas consagradas


BENTO XVI


Discurso aos superiores e superioras gerais dos institutos de

 vida consagrada e sociedades de vida apostólica, ao recebê-los na Sala

Paulo VI, Roma, 2006.05.22

Senhor cardeal,
Venerados irmãos no episcopado e no presbiterado,
Queridos irmãos e irmãs:

É para mim uma grande alegria participar deste encontro convosco, superiores e superioras gerais, representantes e responsáveis da vida consagrada. Dirijo a todos minha cordial saudação. Com afecto fraterno, saúdo em particular ao senhor cardeal Franc Rode, e lhe dou graças por ter manifestado vossos sentimentos, junto a outros representantes vossos. Saúdo ao secretário e aos colaboradores da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, dando graças pelo serviço que oferece este dicastério à Igreja em um campo tão importante como é o da vida consagrada. Meu pensamento, se dirige neste momento, com profunda gratidão, a todos os religiosos e religiosas, os consagrados e consagradas, e os membros das sociedades de vida apostólica que difundem na Igreja e no mundo a «boa fragrância de Cristo» (Cf. 2 Coríntios 2, 15). A vós, superiores e superioras maiores, peço-vos que dirijais uma palavra de especial atenção a todos que estão em dificuldade, aos anciãos e doentes, a quem está passando momentos de crise e de solidão, a quem sofre e se sente perdido e, junto aos jovens, a quem também hoje toca à porta de vossas casas pedindo poder entregar-se a Jesus Cristo, na radicalidade do Evangelho.
Desejo que este momento de encontro e de comunhão profunda com o Papa possa ser para cada um de vós um motivo de alento e de consolo no cumprimento de um compromisso sempre exigente, que em certas ocasiões experimenta oposição. O serviço à autoridade exige uma presença constante, capaz de animar e de propor, de recordar a razão de ser da vida consagrada, de ajudar às pessoas que vos são confiadas a corresponder com uma fidelidade sempre nova ao chamado do Espírito. Esta tarefa vossa com frequência vai acompanhada pela Cruz e às vezes também por uma solidão que exige um sentido profundo de responsabilidade, uma generosidade que não conhece desfalecimento e um constante esquecimento de vós mesmos. Estais chamados a apoiar e guiar a vossos irmãos e a vossas irmãs em uma época que não é fácil, caracterizada por muitas insídias. Os consagrados e as consagradas têm hoje a tarefa de ser testemunhas da transfigurante presença de Deus em um mundo cada vez mais desorientado e confundido, um mundo no qual os matizes substituíram as cores sumamente claras e destacadas. Olhar a nosso tempo com os olhos da fé significa ser capazes de olhar o homem, o mundo e a história à luz de Cristo crucificado e ressuscitado, única estrela capaz de orientar «o homem que avança entre os condicionamentos da mentalidade imanentista e as limitações de uma lógica tecnocrática» («Fides et ratio», 15).
A vida consagrada nos últimos anos voltou a ser compreendida com um espírito mais evangélico, mais eclesial e mais apostólico; mas não podemos ignorar que algumas opções concretas não ofereceram ao mundo o rosto autêntico e vivificante de Cristo. De fato, a cultura secularizada penetrou na mente e no coração de não poucos consagrados, que vêm nela uma forma de acesso à modernidade e de aproximação do mundo contemporâneo. A consequência é que junto com um indubitável impulso generoso, capaz de testemunho e de entrega total, a vida consagrada experimenta hoje a insídia da mediocridade, do aburguesamento e da mentalidade consumista. No Evangelho, Jesus nos diz que só há dois caminhos: um é o estreito que conduz à Vida, o outro é o espaçoso que leva à perdição (cf. Mateus 7, 13-14). A verdadeira alternativa é e será sempre a aceitação do Deus vivo, por meio do serviço de obediência pela fé, ou a rejeição do próprio Deus. Uma condição prévia do seguimento de Cristo é a renúncia e o desapego de tudo o que não é d’Ele. O Senhor quer homens e mulheres livres, que não estejam condicionados, capazes de abandonar tudo para encontrar só n’Ele seu tudo. São necessárias opções valentes, a nível pessoal e comunitário, que imprimam uma nova disciplina à vida das pessoas consagradas e as levem a redescobrir a dimensão integral do seguimento de Cristo.
Pertencer totalmente a Cristo quer dizer arder com seu amor incandescente, ficar transformados pelo esplendor de sua beleza: nossa pequenez se oferece como sacrifício de suave fragrância para que se converta em testemunho da grandeza de sua presença para nosso tempo, que tanta necessidade tem de ficar ébrio pela riqueza de sua graça. Pertencer ao Senhor: esta é a missão dos homens e mulheres que optaram por seguir Cristo casto, pobre e obediente, para que o mundo creia e se salve. Ser totalmente de Cristo sendo uma permanente confissão de fé, uma inequívoca proclamação da verdade que liberta da sedução dos falsos ídolos que deslumbram o mundo. Ser de Cristo significa manter sempre ardente no coração uma chama viva de amor, alimentada continuamente pela riqueza da fé, não só quando leva consigo a alegria interior, mas também quando vai unida às dificuldades, à aridez, ao sofrimento. O alimento da vida interior é a oração, íntimo colóquio da alma consagrada com o Esposo divino. Um alimento mais rico ainda é a quotidiana participação no mistério inefável da divina Eucaristia, na qual se faz presente constantemente Cristo ressuscitado na realidade de sua carne.
Para pertencer totalmente ao Senhor, as pessoas consagradas abraçam um estilo de vida casto. A virgindade consagrada não pode se marcar na lógica deste mundo; é o paradoxo cristão mais «irracional» e não todos podem compreendê-lo e vivê-lo (cf. Mateus 19, 11-12). Viver uma vida casta quer dizer também renunciar à necessidade de aparecer, assumir um estilo de vida sóbrio e humilde. Os religiosos e as religiosas estão chamados a demonstrá-lo também na eleição o hábito, um hábito simples que seja sinal da pobreza vivida em união com Aquele que, sendo rico, fez-se pobre para tornar-nos ricos com sua pobreza (cf. 2 Coríntios 8, 9). Dessa forma, e só dessa forma, é possível seguir sem reservas a Cristo crucificado e pobre, submergindo-se em um mistério e assumindo as opções de humildade, pobreza e mansidão.
A última reunião plenária da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica teve por tema «O serviço de autoridade». Queridos superiores e superioras gerais, é uma ocasião para aprofundar na reflexão sobre um exercício da autoridade e da obediência que esteja cada vez mais inspirado pelo Evangelho. O jugo de quem está chamado a desempenhar a delicada tarefa de superior e de superiora a todos os níveis será suave na medida em que os consagrados saibam redescobrir o valor da obediência professada, que tem como modelo a de Abraão, nosso pai na fé, e mais ainda, a de Cristo. É necessário deixar de lado o voluntarismo e a improvisação para abraçar a lógica da Cruz.
Concluindo: os consagrados e as consagradas estão chamados a ser no mundo sinais confiáveis e luminosos do Evangelho e de seus paradoxos, sem conformar-se com a mentalidade deste século, mas transformando-se e renovando continuamente o próprio compromisso, para poder discernir a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e é perfeito (cf. Romanos 12, 2). Este é precisamente meu desejo, queridos irmãos e irmãs, para o qual invoco a materna intercessão da Virgem Maria, modelo insuperável de toda vida consagrada. Com estes sentimentos envio com afecto a bênção apostólica, que estendo com prazer a todos que fazem parte de vossas múltiplas famílias espirituais.


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