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22/10/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 31


Questão 110: Do governo dos anjos sobre a criatura corpórea.
Art. 2 — Se a matéria corpórea obedece à vontade dos anjos.


(Supra, q. 65, a. 4, q. 91, a. 2, III, Cont. Gent., cap.CIII. De Pot., q. 6, a. 3, De Malo, q. 16, a. 9, Quodl., IX, q. 4, a. 5, Galat., cap. III, lect 1).

O segundo discute-se assim. — Parece que a matéria corpórea obedece à vontade dos anjos.


1. — Pois, maior é a virtude do anjo que a da alma. Ora, a matéria corpórea obedece à ideia da alma, assim, pela ideia desta, o corpo do homem sofre a imutação do calor e do frio e, às vezes, até mesmo a da saúde e da doença. Logo, com maior razão, pela ideia do anjo se transmuta a matéria corpórea.

2. Demais. — Tudo o que pode a virtude inferior pode a superior. Ora, a virtude angélica é superior à corpórea. Ora, o corpo tem a virtude de transmutar a matéria corpórea para que esta receba determinada forma, assim quando o fogo gera o fogo. Logo, com maior razão, os anjos por virtude própria podem levar a matéria corpórea a determinada forma, transmutando-a.

3. Demais. — Toda a natureza corpórea é governada pelos anjos, como já se disse (a. 1), assim pois os corpos estão para eles como instrumentos, porquanto é da essência do instrumento ser motor movido. Ora, nos efeitos há algo da virtude dos agentes principais, que não pode ser causado pela virtude do instrumento e isto é o que há de principal no efeito. Assim, a digestão da nutrição dá-se em virtude do calor natural, instrumento da alma nutritiva, mas, se daí resulta a carne viva, é em virtude da alma. Semelhantemente, é virtude própria da serra cortar a madeira, mas por virtude da arte é que esta chega a receber a forma de um leito. Logo, a forma substancial, que é o principal nos efeitos corpóreos, resulta da virtude dos anjos, e portanto, a matéria, quanto à sua informação, obedece aos anjos.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Não se deve pensar que a matéria das coisas visíveis obedeça à vontade dos anjos transgressores, mas, só a Deus.

Os Platónicos ensinam que as formas materiais são causadas pelas imateriais, porque as concebem como umas participações destas. E a estes adere Avicena, sob certo aspecto, admitindo que todas as formas materiais procedem da concepção da Inteligência e que os agentes corpóreos só dispõem para as formas. — Mas enganaram-se pensando que a forma é algo feito por si mesmo, procedente, como tal, de um princípio formal. Pois, como o Filósofo prova-o, o que vem propriamente a ser é o composto, que existe, propriamente, como por assim dizer subsistente. Ao passo que a forma não se chama ente, porque exista, mas porque é o princípio da existência de alguma coisa: e assim, por consequência, ela não vem propriamente a ser, pois, vem a ser o que existe, não passando o vir-a-ser se não de via para o existir. Ora, é manifesto que o feito é semelhante ao que o fez, porque todo agente age semelhantemente a si mesmo. Donde, o que faz as coisas naturais tem semelhança com o composto, ou porque é composto, e assim o fogo gera o fogo, ou porque o composto total, quanto à matéria e quanto à forma, existe em virtude de quem os fez, o que é próprio de Deus. Assim, pois, toda informação da matéria ou vem imediatamente de Deus, ou de algum agente corpóreo, não porém imediatamente, do anjo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A nossa alma está unida ao corpo, como forma, não sendo pois, de admirar se este se transmuta, formalmente, à ideia daquela, sobretudo estando o movimento do apetite sensitivo, que se realiza com certa transmutação corpórea, sujeito ao império da razão. Ora, como o anjo não se comporta assim em relação aos corpos naturais, a objeção não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O que pode a virtude inferior pode a superior, não do mesmo, mas de modo mais excelente, assim como o intelecto conhece os sensíveis de modo mais excelente que o sentido. O anjo, pois, transmuta a matéria corpórea de modo mais excelente que os agentes corpóreos, a saber, movendo, como causa superior, estes agentes.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Nada impede que, por virtude dos anjos, resultem, nas coisas naturais, certos efeitos, para os quais não bastariam os agentes corpóreos. Mas isto não quer dizer que a matéria obedeça à vontade do anjo, assim como ela não obedece à vontade dos cozinheiros que, com uma certa sabedoria artística, obtêm um modo de decocção, por meio do fogo, que este por si só não poderia causar. E isto porque reduzir a matéria ao acto da forma substancial não excede à virtude do agente corpóreo, pois, é natural a este poder obrar o que lhe é semelhante.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama

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