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19/10/2012

Testamento ou eutanásia

A eutanásia é um crime que o Estado deve evitar se lhe restar alguma ética, porque não constitui acto médico.

Prepara-se no Parlamento uma lei que regule o ‘testamento vital’ ou biológico. Não será um degrau para a eutanásia? O grande dom da vida tem um fim inevitável e universal. A cada ser humano compete lutar – do princípio ao fim – pela vida, com dignidade. Nem o próprio pode dispor da sua vida, porque não é só dele, mas integra-se na sociedade. O que se pede aos legisladores é a defesa dos direitos fundamentais, sem medidas que disponham da vida de outros seres humanos. Garantir o respeito por uma morte digna, sem reduções ou instrumentalizações, faz parte do processo legislativo.
A eutanásia é um crime que o Estado deve evitar se lhe restar alguma ética, porque não constitui acto médico, sempre ao serviço da vida e nunca instrumento de precipitação da morte.
A distanásia, ou seja, o prolongamento exagerado da vida, é eticamente negativa porque é lícito contentar-se com os métodos normais que a medicina oferece, sem recurso a meios extraordinários. É aceitável eticamente interromper os tratamentos quando não atingem os resultados esperados, se a suspensão não implicar cuidados fundamentais como a hidratação e a alimentação. Quando a morte está iminente é lícito decidir recusar formas de tratamento que seriam apenas penoso e precário prolongamento da vida. Quando é positivo o diagnóstico da morte importa respeitar a dignidade do corpo, evitando o recurso a técnicas de reanimação.
O testamento vital pode pedir que a vida não seja prolongada dentro destes limites. Será de rejeitar uma lei vaga que deixe poder discricionário aos que rodeiam o moribundo, com interesses alheios à sua morte digna, seja por razões de investigação científica, de economia ou herança, de comodismo: como não suportar mais tempo um velho ou um deficiente, ou até por razões ‘humanitárias’, para que não sofra mais. Ao encarar a questão da morte estamos a demonstrar a nossa concepção de ser humano e de vida. Deixar a critérios subjectivos e distantes no tempo a interpretação sobre declarações feitas pelo paciente será para o médico consciente uma tormenta. A forma leviana como se encarar o complexo problema do testamento vital mostrará a visão redutora do sentido para a vida.
A globalidade do ser humano não se esgota no corpo que tomba até à tumba. Sacrificar a pessoa a um imediatismo permissivo será entrar em labirinto perigoso ou floresta sem saída. Importa reagir a quem pretender abusar das leis para impor perspectivas sobre o enigma da morte. Outros querem decidir até quando devemos viver e ainda por cima pedem a nossa assinatura!

(D. Carlos Azevedo. Bispo Auxiliar de Lisboa, In Correio da Manhã - 2009.05.29)

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