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30/09/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 9


Questão 106: Da iluminação dos anjos.


Em seguida devemos considerar como uma criatura move outra; e tal consideração será tripartida. De modo que, primeiro, consideremos como os anjos movem, criaturas puramente espirituais, Segundo, como os corpos movem. Terceiro, como os homens movem, que são compostos de natureza espiritual e corpórea.



Sobre o primeiro ponto, ocorre tríplice consideração. Primeira, como um anjo age sobre outro. Segunda, como agem os anjos sobre a criatura corpórea. Terceira, como agem sobre os homens

Na primeira questão, é necessário considerar a iluminação e a locução dos anjos, como se ordenam entre si, tanto os bons como os maus.

Sobre a iluminação, quatro artigos se discutem:

Art. 1 — Se um anjo ilumina outro.
Art. 2 — Se um anjo pode mover a vontade do outro.
Art. 3 — Se o anjo inferior pode iluminar o superior.
Art. 4 — Se o anjo superior ilumina, em relação a tudo o que sabe, o inferior.

Art. 1 — Se um anjo ilumina outro.

(Infra, q. 111, a. 1; II, Sent., dist. IX, a. 2; dist. XI, part. II, q. 1, a. 2; De Verit., 1. 9, art. 1, 5; Compend. Theol., cap. CXXVI).

O primeiro discute-se assim. – Parece que um anjo não ilumina outro.

1. – Pois, os anjos possuem, actualmente, a beatitude que esperamos, no futuro. Ora, então, um homem não iluminará outro, conforme a Escritura (Jr 31, 34): E não ensinará daí em diante varão ao seu próximo, nem varão ao seu irmão. Logo, actualmente, também um anjo não ilumina outro.

2. Demais. – Tríplice é a luz dos anjos: a da natureza, a da graça e a da glória. Ora, o anjo é iluminado, quanto à primeira luz, pela natureza criadora; quanto à segunda, pela graça justificante; quanto à terceira, pela glória beatificante, o que tudo vem de Deus. Logo, um anjo não ilumina outro.

3. Demais. – A luz é uma certa forma da mente. Ora, como diz Agostinho, a mente racional é formada só por Deus, sem interposição de nenhuma criatura. Logo, um anjo não ilumina a mente de outro.

Mas, em contrário, diz Dionísio: Os anjos da segunda hierarquia são purificados, iluminados e aperfeiçoados pelos da primeira.

Um anjo ilumina outro. E isso evidencia-se considerando que a luz, no refe­rente ao intelecto, não é mais do que uma manifestação da verdade conforme a Escritura (Ef 5, 13): Tudo o que se manifesta é luz. Donde, iluminar, não é mais do que transmitir a outrem a manifestação da verdade conhecida; e nesse sentido é que o Apóstolo diz (Ef 3, 8-9): A mim, que sou o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de manifestar a todos qual seja a comu­nicação do sacramento escondido, desde os séculos, em Deus. Assim, pois, diz-se que um anjo ilumina outro, manifestando-lhe a verdade que conhece. E por isso Dionísio diz: Os teó­logos mostram claramente que as ordens inferiores das substâncias celestes são ensinadas, no tocante às operações divinas, pelas mentes supremas.

Ora, como para a intelecção concorrem dois elementos, conforme já se disse antes (q. 103, a. 3), que são a virtude intelectiva e a semelhança da coisa inte­ligida; quanto a esses dois elementos, um anjo pode notificar a outro a verdade conhecida. – Primeiro, fortificando-lhe a virtude intelectiva. Pois, assim como a virtude de um corpo mais imperfeito é corroborada pela situação próxima de outro mais perfeito, aumentando, p. ex., o calor do menos cálido com a presença do mais cálido, assim, a virtude intelectiva de um anjo inferior é corroborada pela conversão, para o mesmo, de um anjo superior. Pois, a ordem da conversão faz, no espiritual. o que faz, nas coisas corpóreas, a ordem da proximidade local. – Mas, em segundo lugar, um anjo manifesta a verdade a outro, quanto à semelhança da coisa inteligida. Porque o anjo superior alcança o conhecimento da verdade por uma concepção universal, para apreender a qual não é suficiente o intelecto do anjo inferior, pois, a este lhe é conatural apreender a verdade mais particular­mente. Donde, o anjo superior distingue, de certo modo, a verdade que apreende universal­mente, de maneira a poder ela ser apreendida pelo inferior, e, assim, lhe propõe a este para que seja conhecida. Assim como, entre nós, os doutores distinguem multiformemente o que apreendem em síntese, acomodando-se à capaci­dade dos outros. E é o que Dionísio diz: Cada substância intelectual divide e multiplica, com provida virtude, a inteligência uniforme que lhe foi dada por um ser mais divino, conforme a analogia com a substância inferior, que eleva para cima.

Donde a resposta à primeira objeção. – Todos os anjos, tanto os superiores como os inferiores, vêm imediatamente a essência de Deus e, a esta luz, um não ensina outro. E é a esta doutrina que o Profeta se refere quando diz: Não ensinará o varão ao seu irmão dizendo: conhece o Senhor. Porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior. Mas, quanto às razões das obras divinas, conhecidas em Deus, como na causa, por certo que Deus as conhece todas, em si mesmo, porque a si mesmo se compreende; ao passo que, dos que vêm a Deus, nele conhecerá mais razões quem mais perfeita­mente o vir. Donde, o anjo superior conhece mais razões das obras divinas, em Deus, do que o inferior e, sobre elas, ilumina a este. E é o que Dionísio significa, afirmando que os anjos são iluminados, quanto às razões das coisas existentes.

Resposta à segunda. – Um anjo não ilumina outro, transmitindo-lhe a luz da natureza, da graça ou da glória, mas corroborando-lhe o lume natural e manifestando-lhe a verdade sobre o que pertence ao estado da natureza, da graça e da glória, como já se disse.

Resposta à terceira. – A mente racional é formada imediatamente por Deus; ou como a imagem, pelo exemplar, porque não foi feita segundo nenhuma outra imagem, a não ser a de Deus; ou como o sujeito pela última forma com­pletiva, porque a mente criada é sempre repu­tada informe, se não aderir à verdade primeira. Ao passo que as outras iluminações, provenientes do homem ou do anjo, são umas como disposi­ções para a última forma.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por am

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