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05/06/2012

Tratado dos anjos 62

Questão 63: Da malícia dos anjos quanto à culpa.

Em seguida, devemos considerar como os anjos se tornaram maus. E primeiro, quanto ao mal da culpa. Segundo, quanto ao mal da pena.

Sobre o primeiro ponto nove artigos se discutem:
Art. 1 — Se pode haver nos anjos o mal da culpa.
Art. 2 — Se nos anjos pode haver somente os pecados da soberba e da inveja.
Art. 3 — Se o diabo desejou ser como Deus.
Art. 4 — Se alguns demónios são naturalmente maus.
Art. 5 — Se o diabo, no primeiro instante da sua criação, foi mau por culpa da própria vontade.
Art. 6 — Se mediou alguma demora entre a criação e a queda do anjo.
Art. 7 — Se o anjo supremo, dentre os que pecaram, era o supremo de todos.
Art. 8 — Se o pecado do primeiro anjo foi causa de outros pecarem.
Art. 9 — Se mais anjos pecaram do que perseveraram.

Art. 1 — Se pode haver nos anjos o mal da culpa.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não pode haver nos anjos o mal da culpa.

1. — Pois, o mal da culpa só pode existir nos seres potenciais, como diz Aristóteles, por ser o ente potencial o sujeito da privação. Ora, os anjos, sendo formas subsistentes, não têm o ser potencial. Logo, não pode haver neles o mal da culpa.

2. Demais. — Os anjos são mais dignos do que os corpos celestes. Ora, nestes não pode haver mal, como dizem os filósofos. Logo, nem naqueles.

3. Demais. — O natural a um ser existe sempre neste. Ora, é natural aos anjos moverem-se para Deus pelo movimento de dileção. Logo, disto não podem eles ser privados. Mas, como amando a Deus não pecam, os anjos não podem pecar.

4. Demais. — O apetite só pode desejar o bem ou o que tem a aparência de bem. Ora, para os anjos não pode haver bem aparente que não seja verdadeiro, porque neles não pode de nenhum modo haver erro; ou, pelo menos, este não podia preceder à culpa. Logo, os anjos só podem apetir o bem verdadeiro. Mas ninguém que deseje o verdadeiro bem peca. Logo, o anjo, apetindo, não peca.

Mas, em contrário, diz Job: E entre os seus anjos achou crime.

O anjo, como qualquer criatura racional, considerado na sua natureza, pode pecar; e só por dom da graça, não pela condição da natureza, é que pode convir a uma criatura a impecabilidade. E a razão disto é que pecar não é senão o declinar um acto da rectidão que deve ter, quer se considere o pecado nos seres naturais, nos artificiais ou nos morais. Ora, só não pode declinar da rectidão o acto cuja regra é a virtude do agente. Assim, se a mão do artífice fosse a própria regra da incisão, ele nunca poderia cortar a madeira senão em linha reta; mas, se a rectidão da incisão depender de outra regra a incisão poderá ser recta e não recta. Ora, só a divina vontade é a regra do seu acto, porque não está ordenada para um fim superior. Porém, toda vontade de qualquer criatura não traz, no seu acto, a rectidão, senão enquanto regulada pela vontade divina, da qual depende o último fim. Assim, a vontade de um ser inferior deve-se regular pela do superior, como a vontade do soldado pela do chefe do exército. Portanto, só na vontade divina não pode haver pecado; ao passo que o pode haver, segundo a ordem da natureza, na vontade de qualquer criatura.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nos anjos não há potência quanto ao ser natural; havendo porém, quanto à parte intelectiva, que pode converter-se em tal coisa ou tal outra, pode quanto a essa parte haver mal neles.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os corpos celestes só têm operação natural; por onde, como em a natureza deles não pode existir o mal da corrupção, assim também na acção natural dos mesmos não pode existir o mal da desordem. Mas, além da acção natural, há nos anjos a acção do livre arbítrio, em relação à qual pode haver neles mal.

RESPOSTA À TERCEIRA. — É natural ao anjo converter-se para Deus pelo movimento de dilecção, enquanto Deus é o princípio do ser natural. Mas, converter-se a Deus como objecto da beatitude sobrenatural, só o é por amor gratuito, do qual podia desviar-se pecando.

RESPOSTA À QUARTA. — De dois modos pode haver pecado moral, no acto do livre arbítrio. — De um, quando se escolhe algum mal; assim, o homem peca escolhendo o adultério que, em si, é mau. E tal pecado sempre procede de alguma ignorância ou erro; do contrário, o mal não seria escolhido como bem. Assim, o adúltero erra, em particular, escolhendo o deleite de um acto desordenado, como um bem a ser actualmente praticado, por causa da inclinação da paixão ou do hábito; embora, em geral, não erre, mas pense, com verdade, nessa matéria. Ora, deste modo não podia haver pecado nos anjos, porque neles nem há paixões que liguem a razão ou o intelecto, como do sobredito resulta: nem, além disso, podia haver um hábito, inclinando ao pecado, e que precedeu o primeiro pecado. — De outro modo pode pecar-se pelo livre arbítrio, escolhendo-se o bem em si, mas sem a ordem devida à medida ou à regra; de maneira que o defeito, inducente ao pecado, só existe por parte da eleição que não observa a ordem devida senão quanto à coisa escolhida. Assim, se alguém escolhesse orar, sem atender à ordem instituída pela Igreja. E tal pecado não pressupõe a ignorância, mas somente a ausência de consideração das coisas que deviam ser consideradas. E, deste modo, o anjo pecou convertendo-se, pelo livre arbítrio, ao bem próprio, sem se ordenar à regra da divina vontade.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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