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20/06/2012

Leitura espiritual para 20 Jun 2012

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.




Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 13, 1-23



1 Naquele dia, saindo Jesus de casa, sentou-Se à beira do mar. 2 E juntou-se em volta d'Ele uma grande multidão de gente, de tal modo que foi preciso entrar numa barca e sentar-Se nela; e toda a multidão estava em pé na praia. 3 E disse-lhes muitas coisas por parábolas: «Eis que um semeador saiu a semear. 4 Quando semeava, uma parte da semente caiu ao longo do caminho; e vieram as aves do céu e comeram-na. 5 Outra parte caiu em lugar pedregoso, onde não havia muita terra; e nasceu logo, porque não tinha profundidade de terra. 6 Mas, saindo o sol, queimou-se; e, porque não tinha raiz, secou. 7 Outra parte caiu entre espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram. 8 Outra parte, enfim, caiu em boa terra, e frutificou; uns grãos deram cem por um, outros sessenta, outros trinta. 9 Quem tem ouvidos para ouvir, oiça». 10 Chegando-se a Ele os discípulos, disseram-Lhe: «Por que razão lhes falas por meio de parábolas?». 11 Ele respondeu-lhes: «Porque a vós é concedido conhecer os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não lhes é concedido. 12 Porque ao que tem lhe será dado ainda mais, e terá em abundância, mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 13 Por isso lhes falo em parábolas, porque vendo não vêem e ouvindo não ouvem nem entendem. 14 E cumpre-se neles a profecia de Isaías, que diz: “Ouvireis com os ouvidos e não entendereis; olhareis com os vossos olhos e não vereis. 15 Porque o coração deste povo tornou-se insensível, os seus ouvidos tornaram-se duros, e fecharam os olhos, para não suceder que vejam com os olhos, e oiçam com os ouvidos, e entendam com o coração, e se convertam, e Eu os cure”. 16 Ditosos, porém, os vossos olhos, porque vêem e os vossos ouvidos, porque ouvem. 17 Em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram. 18 «Ouvi, pois, vós, o que significa a parábola do semeador: 19 A todo aquele que ouve a palavra do reino e não lhe presta atenção, vem o espírito maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração; este é o que recebeu a semente ao longo do caminho. 20 O que recebeu a semente no lugar pedregoso, é aquele que ouve a palavra, e logo a recebe com gosto; 21 porém, não tem em si raiz, é inconstante; e, quando lhe sobrevém a tribulação e a perseguição por causa da palavra, logo sucumbe. 22 O que recebeu a semente entre espinhos, é aquele que ouve a palavra; porém, os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra e fica infrutífera. 23 O que recebeu a semente em boa terra, é aquele que ouve a palavra e a compreende; esse dá fruto, e umas vezes dá cem, outras sessenta, e outras trinta por um».


Ioannes Paulus PP. II
Centesimus annus
aos veneráveis Irmãos no Episcopado
ao Clero
às Familías religiosas
aos Fiéis da Igreia Católica
e a todos os Homens de Boa Vontade
no centenário da
Rerum Novarum
/…2

8. Imediatamente a seguir o Papa enuncia um outro direito do operário como pessoa. Trata-se do direito ao «justo salário», que não pode ser deixado «ao livre acordo das partes: de modo que o dador de trabalho, uma vez paga a mercadoria, fez a sua parte, sem de nada mais ser devedor» 23. O Estado, não tem poder — dizia-se naquele tempo — para intervir na determinação destes contratos, mas apenas para garantir o cumprimento de quanto fora explicitamente estipulado. Semelhante concepção das relações entre patrões e operários, puramente pragmática e inspirada num rígido individualismo, é severamente reprovada na Encíclica, enquanto contrária à dupla natureza do trabalho, como facto pessoal e necessário. Com efeito, se o trabalho, na sua dimensão pessoal, pertence à disponibilidade de que cada um goza das próprias faculdades e energias, todavia enquanto necessário, é regulado pela obrigação grave que pende sobre cada um de «conservar a vida»; «daqui nasce por necessária consequência — conclui o Papa — o direito de procurar os meios de sustento, que, para a gente pobre, se reduzem ao salário do próprio trabalho» 24.

O salário deve ser suficiente para manter o operário e a sua família. Se o trabalhador, «pressionado pela necessidade, ou pelo medo do pior, aceita contratos mais duros porque impostos pelo proprietário ou pelo empresário, e que, por vontade ou sem ela, devem ser aceites, é claro que sofre uma violência, contra a qual a justiça protesta» 25.

Queira Deus que estas palavras, escritas enquanto crescia o que foi chamado «capitalismo selvagem», não tenham hoje de ser repetidas com a mesma severidade. Infelizmente ainda hoje é frequente encontrar casos de contratos entre patrões e operários, nos quais se ignora a mais elementar justiça, em matéria de trabalho de menores ou feminino, dos horários de trabalho, do estado higiénico dos locais de trabalho, e da legítima retribuição. E isto não obstante as Declarações e Convenções internacionais sobre o assunto 26, e as próprias leis internas dos Estados. O Papa atribuía à «autoridade puíblica», o «estrito dever» de cuidar adequadamente do bem-estar dos trabalhadores, porque se o não fizesse, ofenderia a justiça; não hesitava mesmo em falar de «justiça distributiva» 27.

9. A tais direitos, Leão XIII junta outro, sempre a propósito da condição operária, que considero necessário recordar expressamente, devido à importância que tem: é o direito de cumprir livremente os deveres religiosos. O Papa quis proclamá-lo no mesmo contexto dos outros direitos e deveres dos operários, e isso não obstante o clima geral que, também no seu tempo, considerava certas questões como pertencentes exclusivamente ao âmbito individual. Ele afirma a necessidade do repouso festivo, a fim de que o homem seja levado ao pensamento dos bens celestes e ao culto devido à majestade divina 28. Deste direito, radicado num mandamento, ninguém pode privar o homem: «a ninguém é lícito violar impunemente a dignidade do homem, e o Estado deve assegurar ao operário o exercício dessa liberdade» 29.

Não se equivocaria quem visse, nesta clara afirmação, o gérmen do princípio do direito à liberdade religiosa, que foi depois objecto de muitas Declarações solenes e Convenções internacionais 30, bem como da nossa Declaração conciliar e do meu constante ensinamento 31. A propósito, devemos interrogar-nos se os dispositivos legais vigentes e a práxis das sociedades industrializadas asseguram hoje efectivamente o exercício do direito elementar ao repouso festivo.

10. Outra nota importante, rica de ensinamentos para os nossos dias, é a concepção das relações entre o Estado e os cidadãos. A Rerum novarum critica os dois sistemas sociais e económicos: o socialismo e o liberalismo. Ao primeiro, é dedicada a parte inicial, na qual se reafirma o direito à propriedade privada; ao segundo, não se dedica nenhuma secção especial, mas — facto merecedor de atenção — inserem-se as críticas, quando se aborda o tema dos deveres do Estado 32. Este não pode limitar-se a «providenciar a favor de uma parte dos cidadãos», isto é, a rica e próspera, nem pode «transcurar a outra», que representa sem dúvida a larga maioria do corpo social; caso contrário, ofende-se a justiça, que quer que se dê a cada um o que lhe pertence. «Todavia, na tutela destes direitos pessoais, tenha-se uma atenção especial com os débeis e os pobres. A classe dos ricos, forte por si mesma, tem menos necessidade de defesa pública; a classe proletária, carente de um apoio próprio, tem uma necessidade especial de o procurar na protecção do Estado. Por isso aos operários, que se contam no número dos débeis e necessitados, o Estado deve preferentemente dirigir os seus cuidados e as suas providências» 33.

Estes passos têm hoje valor sobretudo em face das novas formas de pobreza existentes no mundo, tanto mais que são afirmações que não dependem de uma determinada concepção do Estado nem de uma particular teoria política. O Papa reafirma um princípio elementar de qualquer sã organização política, ou seja, os indivíduos quanto mais indefesos aparecem numa sociedade, tanto mais necessitam da atenção e do cuidado dos outros e, particularmente da intervenção da autoridade pública.

Deste modo o princípio, que hoje designamos de solidariedade, e cuja validade, quer na ordem interna de cada Nação, quer na ordem internacional, sublinhei na Sollicitudo rei socialis 34, apresenta-se como um dos princípios basilares da concepção cristã da organização social e política. Várias vezes Leão XIII o enuncia, com o nome «amizade», que encontrámos já na filosofia grega; desde Pio XI é designado pela expressão mais significativa «caridade social», enquanto Paulo VI, ampliando o conceito na linha das múltiplas dimensões actuais da questão social, falava de «civilização do amor» 35.

11. A releitura da Encíclica à luz da realidade contemporânea, permite apreciar a constante preocupação e dedicação da Igreja a favor daquelas categorias de pessoas, que são objecto de predilecção por parte do Senhor Jesus. O próprio conteúdo do texto é um testemunho excelente da continuidade, na Igreja, daquela que agora se designa «opção preferencial pelos pobres», opção que defini como «uma forma especial de primado na prática da caridade cristã» 36. A Encíclica sobre a «questão operária» é, pois, um documento sobre os pobres, e sobre a terrível condição à qual o novo e não raramente violento processo de industrialização reduzira enormes multidões. Também hoje, numa grande parte do mundo, semelhantes processos de transformação económica, social e política produzem os mesmos males.

Se Leão XIII recorre ao Estado para dar o justo remédio à condição dos pobres, é porque reconhece oportunamente que o Estado tem o dever de promover o bem comum, e de procurar que os diversos âmbitos da vida social, sem excluir o económico, contribuam para realizar aquele, embora no respeito da legítima autonomia de cada um deles. Isto, contudo, não deve fazer pensar que, para o Papa Leão XIII, toda a solução da questão social se deverá esperar do Estado. Pelo contrário, ele insiste várias vezes sobre os necessários limites à intervenção do Estado e sobre o seu carácter instrumental, já que o indivíduo, a família e a sociedade lhe são anteriores, e ele existe para tutelar os direitos de um e de outras, e não para os sufocar 37.

A ninguém escapa a actualidade destas reflexões. Sobre o importante tema dos limites inerentes à natureza do Estado, convirá voltar mais adiante. De momento, os pontos sublinhados, não certamente os únicos da Encíclica, põem-se na continuidade do Magistério social da Igreja e à luz também de uma sã concepção da propriedade privada, do trabalho, do processo económico, da realidade do Estado e, acima de tudo, do próprio homem. Outros temas serão depois mencionados, ao examinar alguns aspectos da realidade contemporânea; mas será conveniente desde já ter presente que aquilo que serve de trama e, em certo sentido, de linha condutora à Encíclica, e a toda a doutrina social da Igreja, é a correcta concepção da pessoa humana e do seu valor único, enquanto «o homem (è) a única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma». Nele gravou a Sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), conferindo-lhe uma dignidade incomparável, sobre a qual a Encíclica retorna várias vezes. Com efeito, além dos direitos que cada homem adquire com o próprio trabalho, existem direitos que não são correlativos a qualquer obra por ele realizada, mas derivam da sua dignidade essencial de pessoa.

II. RUMO ÀS "COISAS NOVAS" DE HOJE

12. A comemoração da Rerum novarum não seria adequada, se não olhasse também à situação de hoje. Já no seu conteúdo, o Documento se presta a uma tal consideração, porque o quadro histórico e as previsões, aí delineadas, se revelam, à luz de quanto aconteceu no período sucessivo, surpreendentemente exactas.

Isto foi confirmado de modo particular pelos acontecimentos dos últimos meses do ano de 1989 e dos primeiros de 1990. Estes e as consequentes transformações radicais só se explicam com base nas situações anteriores, que em certa medida tinham materializado e institucionalizado as previsões de Leão XIII e os sinais, cada vez mais inquietantes, observados pelos seus sucessores. Aquele Pontífice, com efeito, previa as consequências negativas, sobre todos os aspectos — político, social e económico — de uma organização da sociedade, tal como a propunha o «socialismo», que então estava ainda no estado de filosofia social e de movimento mais ou menos estruturado. Alguém poderia admirar-se do facto de que o Papa começasse pelo «socialismo», a crítica das soluções que se davam à «questão operária», quando ele ainda não se apresentava — como depois aconteceu — sob a forma de um Estado forte e poderoso, com todos os recursos à disposição. Todavia Leão XIII mediu bem o perigo que representava, para as massas, a apresentação atraente de uma solução tão simples quão radical da «questão operária». Isto torna-se tanto mais verdadeiro se se considera em função da pavorosa situação de injustiça em que jaziam as massas proletárias, nas Nações há pouco industrializadas.

Ocorre aqui sublinhar duas coisas: por um lado, a extraordinária lucidez na apreensão, em toda a sua crueza, da verdadeira condição dos proletários, homens, mulheres e crianças; por outro lado, a não menor clareza com que intuiu o mal de uma solução que, sob a aparência de uma inversão das posições de pobres e ricos, redundava de facto em detrimento daqueles mesmos que se propunha ajudar. O remédio revelar-se-ia pior que a doença. Individuando a natureza do socialismo de então, como sendo a supressão da propriedade privada, Leão XIII atingia o fundo da questão.

As suas palavras merecem ser relidas com atenção: «Para remediar este mal (a injusta distribuição das riquezas e a miséria dos proletários), os socialistas excitam, nos pobres, o ódio contra os ricos, e defendem que a propriedade privada deve ser abolida, e os bens de cada um tornarem-se comuns a todos (...), mas esta teoria, além de não resolver a questão, acaba por prejudicar os próprios operários, e é até injusta por muitos motivos, já que vai contra os direitos dos legítimos proprietários, falseia as funções do Estado, e subverte toda a ordem social» 39. Não se poderia indicar melhor os males derivados da instauração deste tipo de socialismo como sistema de Estado: aquele tomaria o nome de «socialismo real».

13. Aprofundando agora a reflexão delineada, e fazendo ainda referência ao que foi dito nas Encíclicas Laborem exercens e Sollicitudo rei socialis, é preciso acrescentar que o erro fundamental do socialismo é de carácter antropológico. De facto, ele considera cada homem simplesmente como um elemento e uma molécula do organismo social, de tal modo que o bem do indivíduo aparece totalmente subordinado ao funcionamento do mecanismo económico-social, enquanto, por outro lado, defende que esse mesmo bem se pode realizar prescindindo da livre opção, da sua única e exclusiva decisão responsável em face do bem ou do mal. O homem é reduzido a uma série de relações sociais, e desaparece o conceito de pessoa como sujeito autónomo de decisão moral, que constrói, através dessa decisão, o ordenamento social. Desta errada concepção da pessoa, deriva a distorção do direito, que define o âmbito do exercício da liberdade, bem como a oposição à propriedade privada. O homem, de facto, privado de algo que possa «dizer seu» e da possibilidade de ganhar com que viver por sua iniciativa, acaba por depender da máquina social e daqueles que a controlam, o que lhe torna muito mais difícil reconhecer a sua dignidade de pessoa e impede o caminho para a constituição de uma autêntica comunidade humana.

Pelo contrário, da concepção cristã da pessoa segue-se necessariamente uma justa visão da sociedade. Segundo a Rerum novarum e toda a doutrina social da Igreja, a sociabilidade do homem não se esgota no Estado, mas realiza-se em diversos aglomerados intermédios, desde a família até aos grupos económicos, sociais, políticos e culturais, os quais, provenientes da própria natureza humana, estão dotados — subordinando-se sempre ao bem comum — da sua própria autonomia. É o que designei de «subjectividade» da sociedade, que foi anulada pelo «socialismo real» 40.

Se se questiona ulteriormente onde nasce aquela errada concepção da natureza da pessoa e da subjectividade da sociedade, é necessário responder que a sua causa primeira é o ateísmo. É na resposta ao apelo de Deus, contido no ser das coisas, que o homem toma consciência da sua dignidade transcendente. Cada homem deve dar esta resposta, na qual se encontra o clímax da sua humanidade, e nenhum mecanismo social ou sujeito colectivo o pode substituir. A negação de Deus priva a pessoa do seu fundamento e consequentemente induz a reorganizar a ordem social, prescindido da dignidade e responsabilidade da pessoa.

O referido ateísmo está, aliás, estritamente conexo com o racionalismo iluminístico, que concebe a realidade humana e social do homem, de maneira mecanicista. Nega-se deste modo a intuição última sobre a verdadeira grandeza do homem, a sua transcendência relativamente ao mundo das coisas, a contradição que percebe no seu coração entre o desejo de uma plenitude de bem e a própria incapacidade de o conseguir e, sobretudo, a necessidade da salvação que daí deriva.

14. Da mesma raiz ateísta, deriva ainda a escolha dos meios de acção, própria do socialismo, que é condenada na Rerum novarum. Trata-se da luta de classes. O Papa — entenda-se! — não pretende condenar toda e qualquer forma de conflitualidade social. A Igreja sabe bem que, ao longo da história, os conflitos de interesses entre diversos grupos sociais surgem inevitavelmente, e que, perante eles, o cristão deve muitas vezes tomar posição decidida e coerentemente. A Encíclica Laborem exercens, aliás, reconheceu claramente o papel positivo do conflito, quando ele se configura como «luta pela justiça social»; e na Quadragesimo anno escrevia-se: «com efeito, a luta de classes, quando se abstém dos actos de violência e do ódio mútuo, transforma-se pouco a pouco numa honesta discussão, fundada na busca da justiça» 42.

O que se condena na luta de classes é principalmente a ideia de um conflito que não é limitado por considerações de carácter ético ou jurídico, que se recusa a respeitar a dignidade da pessoa no outro (e, por consequência, em si próprio), que exclui por isso um entendimento razoável, e visa não já a formulação do bem geral da sociedade inteira, mas sim o interesse de uma parte que se substitui ao bem comum e quer destruir o que se lhe opõe. Trata-se, numa palavra, da representação — no terreno do confronto interno entre os grupos sociais — da doutrina da «guerra total», que o militarismo e o imperialismo daquela época impunham no âmbito das relações internacionais. Tal doutrina substituía a procura do justo equilíbrio entre os interesses das diversas Nações, pela prevalência absoluta da posição da própria parte, mediante a destruição da resistência da parte contrária, destruição realizada com todos os meios, sem excluir o uso da mentira, o terror contra os civis, as armas de extermínio, que naqueles anos começavam a ser projetadas. Luta de classes em sentido marxista e militarismo têm, portanto, a mesma raiz: o ateísmo e o desprezo da pessoa humana, que fazem prevalecer o princípio da força sobre o da razão e do direito.

15. A Rerum novarum opõe-se à colectivização pelo Estado dos meios de produção, que reduziria cada cidadão a uma «peça» na engrenagem da máquina do Estado. Igualmente critica uma concepção do Estado que deixe totalmente a esfera da economia fora do seu campo de interesse e de acção. Existe com certeza uma legítima esfera de autonomia do agir económico, onde o Estado não deve entrar. Compete a este, porém, a tarefa de determinar o enquadramento jurídico dentro do qual se desenrolem os relacionamentos económicos, e de salvaguardar deste modo as condições primárias de uma livre economia, que pressupõe uma certa igualdade entre as partes, de modo que uma delas não seja de tal maneira mais poderosa que a outra que praticamente a possa reduzir à escravidão 43.

A este propósito, a Rerum novarum aponta o caminho de justas reformas, que restituam ao trabalho a sua dignidade de livre actividade do homem. Aquelas implicam uma tomada de posição responsável por parte da sociedade e do Estado, tendente sobretudo a defender o trabalhador contra o pesadelo do desemprego. Isto verificou-se historicamente de dois modos convergentes: ou com políticas económicas, visando assegurar o crescimento equilibrado e a condição de pleno emprego; ou com os seguros de desemprego e com políticas de requalificação profissional capazes de facilitar a passagem dos trabalhadores dos sectores em crise para outros em expansão.

Além disso, a sociedade e o Estado devem assegurar níveis salariais adequados ao sustento do trabalhador e da sua família, inclusive com uma certa margem de poupança. Isto exige esforços para dar aos trabalhadores conhecimentos e comportamentos melhores, capazes de tornar o seu trabalho mais qualificado e produtivo; mas requer também uma vigilância assídua e adequadas medidas legislativas para truncar fenómenos vergonhosos de desfrute, com prejuízo sobretudo dos trabalhadores mais débeis, imigrantes ou marginalizados. Decisiva, neste sector, é a função dos sindicatos, que ajustam os mínimos salariais e as condições de trabalho.

Por último, é necessário garantir o respeito de horários «humanos» de trabalho e de repouso, bem como o direito de exprimir a própria personalidade no lugar de trabalho, sem serem violados seja de que modo for na própria consciência ou dignidade. Faz-se apelo de novo aqui ao papel dos sindicatos não só como instrumentos de contratação, mas também como «lugares» de expressão da personalidade dos trabalhadores: aqueles servem para o desenvolvimento de uma autêntica cultura do trabalho e ajudam os trabalhadores a participarem de modo plenamente humano na vida da empresa 44.

Para a realização destes objectivos, o Estado deve concorrer tanto directa como indirectamente. Indirectamente e segundo o princípio de subsidiariedade, criando as condições favoráveis ao livre exercício da actividade económica, que leve a uma oferta abundante de postos de trabalho e de fontes de riqueza. Directamente e segundo o princípio de solidariedade, pondo, em defesa do mais débil, algumas limitações à autonomia das partes, que decidem as condições de trabalho, e assegurando em todo o caso um mínimo de condições de vida ao desempregado 45.

A Encíclica e o Magistério social, a ela conexo, tiveram uma múltipla influência naqueles anos entre os séculos XIX e XX. Essa influência é visível em numerosas reformas introduzidas nos sectores da previdência social, das pensões, dos seguros contra a doença, da prevenção de acidentes, no quadro de um maior respeito dos direitos dos trabalhadores 46.

16. Tais reformas foram, em parte, realizadas pelos Estados, mas, na luta para as obter, desempenhou um importante papel a acção do Movimento operário. Nascido como reacção da consciência moral contra situações de injustiça e de dano, ele desenvolveu um vasto campo de actividade sindical, reformista, distante das utopias da ideologia e mais próxima às carências quotidianas dos trabalhadores e, neste âmbito, os seus esforços juntaram-se muitas vezes aos dos cristãos para obter o melhoramento humano das condições de vida dos trabalhadores. Logo a seguir, tal Movimento foi, em certa medida, dominado por aquela mesma ideologia marxista, contra a qual se dirigia a Rerum novarum.

Essas mesmas reformas foram também o resultado de um processo livre de auto-organização da sociedade, com a criação de instrumentos eficazes de solidariedade, capazes de sustentar um crescimento económico mais respeitador dos valores da pessoa. Recorde-se aqui a multiforme actividade, com um notável contributo dos cristãos, na fundação de cooperativas de produção, de consumo e de crédito, na promoção da instrução popular e formação profissional, na experimentação de várias formas de participação na vida da empresa e, em geral, da sociedade.

Se, portanto, olhando ao passado, há motivo para agradecer a Deus porque a grande Encíclica não ficou privada de ressonância nos corações e impeliu a uma activa generosidade, todavia é preciso reconhecer o facto de que o anúncio profético, nela contido, não foi cabalmente acolhido pelos homens daquele tempo, e precisamente dessa atitude vieram desgraças muito graves.

(Nota: Revisão da tradução para português por ama)

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Notas:
(23) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem., 129.
(24) Ibid.: l. mem., 130 s.
(25) Ibid.: l. mem., 131.
(26) Cf. Declaratio Universalis de Hominis Iuribus, anno 1948 habita.
(27) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem., 121-123.
(28) Cf. Ibid.: l. mem., 127.
(29) Ibid.: l. mem., 126 s.
(30) Declaratio Universalis de Hominis Iuribus, anno 1948 habita; Declaratio de abolenda quavis forma intolerantiae et discriminis, quae innituntur in religione vel in propria opinione.
(31) Cf. CONC. OEC. VAT. II, Declaratio Dignitatis humanae de Libertate religiosa; IOANNES PAULUS PP. II, Epistula ad Moderatores Nationum (1 Septembrls 1980): AAS 72 (1980), 1252-1260; Nuntius pro Mundiali Die Paci fovendae dicato 1988: AAS 80 (1988), 278-286.
(32) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem., 99-105; 130 s.; 135.
(33) Ibid.: l. mem., 125.
(34) Cf. Litt. Enc. Sollicitudo rei socialis, 38-40: l. mem., 564-569; cf. quoque IOANNES PP. XXIII, Litt. Enc. Mater et Magistra: l. mem., 407.
(35) Cf. LEO PP. XIII, Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem., 114-116; PIUS PP. XI, Litt. Enc. Quadragesimo anno, III: l. mem., 208; PAULUS PP. VI, Homilia exeunte Anno Iubilaei (25 Decembris 1975): AAS 68 (1976), 145; Nuntius pro Mundiali Die Paci fovendae dicato 1977: AAS 68 (1976), 709.
 (36) Litt. Enc. Sollicitudo rei socialis, 42: l. mem., 572.
(37) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem., 101 s.; 104 s.; 130 s.; 136.
(38) CONC. OEC. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes de Ecclesia in tumido hulus temporis, 24.
(39) Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem., 99.
(40) Cf. LItt. Enc. Sollicitudo rei socialis, 15, 28: l. mem., 530; 548 s.
(41) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens, 11-15: l. mem., 602-618.
(42) PIUS PP. XI, Litt. Enc. Quadragesimo anno, III: l. mem., 213.
(43) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem., 121-125.
(44) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens, 20: l. mem., 629-632; Allocutio ad Consilium Internationale Laboris (O.I.T.) habita Genavae (15 Iunii 1982): Insegnamenti V/2 (1982), 2250-2266; PAULUS PP. VI, Allocutio ad idem Consilium (10 Iunli 1969): AAS 61 (1969), 491-502.
(45) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens, 8: l. mem., 594-598.
(46) PIUS PP. XI, Litt. Enc. Quadragesimo anno: l. mem., 178-181.

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