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04/05/2012

Tratado dos Anjos 30

Questão 57: Do conhecimento angélico em relação às coisas materiais.

Art. 4 — Se os anjos conhecem as cogitações dos corações.

(De Verit., q. 8, a. 13; De Malo, a. 16, a. 8; Opusc. X, a. 38; Opusc. XII, a. 36; I Cor., cap. II, lect. II)

O quarto discute-se assim. — Parece que os anjos conhecem as cogitações dos corações.

1. — Pois, Gregório diz, a propósito da passagem da Escritura (Job 28) — Não se lhe igualará o ouro, ou o cristal – que, então, isto é, na beatitude dos ressurgidos, um será conhecido de outro como a si mesmo; e, como se trata do intelecto de cada um, a consciência é simultâneamente penetrada 1. Ora, os ressuscitados serão semelhantes aos anjos, como diz a Escritura (Mt 22, 30). Logo, um anjo pode ver o que está na consciência do outro.

2. Demais. — As figuras estão para os corpos como as espécies inteligíveis para o intelecto. Ora, o corpo, vê a figura. Logo, vê a substância intelectual, a vista foca a espécie inteligível que está nela. Portanto, como um anjo vê outro, e mesmo a alma, resulta que pode conhecer-lhes o pensamento.

3. Demais. — As coisas que estão no nosso intelecto são mais semelhantes ao anjo, que as existentes na fantasia; pois aquelas são inteligidas em acto, estas, porém, só em potência, ora, as existentes na fantasia podem ser conhecidas pelo anjo, como seres corporais, pois, a fantasia é uma virtude do corpo. Logo, resulta que o anjo pode conhecer as cogitações do intelecto.

Mas, em contrário, o que é próprio de Deus não convém aos anjos. Ora, é próprio de Deus conhecer as cogitações dos corações, segundo a Escritura (Jr 17): Depravado é o coração do homem, e impenetrável: quem o conhecerá? Eu sou o Senhor que esquadrinha os corações. Logo, os anjos não conhecem os segredos dos corações.

A cogitação do coração pode ser conhecida de duplo modo. — De um modo, pelo seu efeito. E assim pode ser conhecida, não só pelo anjo, mas também pelo homem; e tanto mais sutilmente quanto tal efeito for mais oculto. Pois, às vezes, uma cogitação é conhecida, não só pelo acto exterior, mas também pela mutação do vulto; assim como também os médicos podem conhecer certos afectos da alma, pelo pulso. E tanto mais os anjos, ou os demónios, quanto mais sutilmente compreendem tais mutações corporais ocultas. Por isso Agostinho diz que, por vezes, compreendem muito facilmente as disposições humanas, não só as exteriorizadas pela voz, mas ainda as concebidas no pensamento, por serem sinais expressos no corpo pela alma 2; embora também diga que não se pode afirmar como isso se realiza.

De outro modo, as cogitações podem ser conhecidas, enquanto existentes no intelecto, e os afectos, enquanto na vontade. E, assim, só Deus pode conhecer as cogitações dos corações e os afectos das vontades. Sendo a razão disto que a vontade da criatura racional só de Deus depende e só ele pode agir sobre ela, da qual é o objecto principal e o fim último; o que a seguir se demonstrará 3. Portanto, as coisas existentes na vontade ou que só dela dependem são conhecidas apenas de Deus. Ora, é manifesto que só da vontade depende que alguém considere alguma coisa actualmente; pois, quem tem o hábito da ciência, ou espécies inteligíveis em si existentes, usa deles quando quiser. E por isso, diz a Escritura (1 Cor 2, 11): Ninguém conhece as coisas que são do homem, senão o espírito do homem, que nele mesmo reside.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA PERGUNTA. — Actualmente o pensamento de um homem não é conhecido por outro, por duplo impedimento: pela crassidão do corpo, ou pela vontade que esconde os seus segredos. Ora, o primeiro obstáculo desaparecerá na ressurreição e não existe nos anjos. Mas o segundo permanecerá depois dela e existe actualmente nos anjos. E contudo, a claridade do corpo representará a qualidade da inteligência, quanto à quantidade da graça e da glória. Assim que um poderá ver a inteligência do outro.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora um anjo veja as espécies inteligíveis de outro, por ser proporcionado à nobreza das substâncias o modo das espécies inteligíveis, na sua maior e menor universalidade; todavia não se segue que um conheça, como outro, pensando actualmente, uma dessas espécies inteligíveis.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O apetite dos brutos não é senhor do seu acto, mas segue a impressão de outra causa, corporal ou espiritual. Como, pois, os anjos conhecem as coisas corpóreas e as disposições delas, pode, por aí, conhecer o que está no apetite e na apreensão fantástica dos brutos e também dos homens, enquanto, nestes, o apetite sensitivo se actualiza por alguma impressão corpórea, como sempre acontece com os brutos. Contudo não resulta daí necessariamente, que os anjos conheçam o movimento do apetite sensitivo e a apreensão da fantasia no homem, enquanto movidos pela vontade e pela razão; pois, a parte inferior da alma participa, de certo modo, da razão, como obediente à que impera, segundo diz Aristóteles 4. E, por isso, não se segue que o anjo, conhecendo o que está no apetite sensitivo ou na fantasia do homem, conheça o que está na cogitação ou na vontade; porque o intelecto e a vontade não dependem do apetite sensitivo e da fantasia, antes, pode usar destes de diversos modos.

(Nota: Revisão da tradução para português por AMA)

S.TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica,

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Notas :
1. Moralibus, lib. XVIII, cap. XLVIII.
2. De divinatione daemonum (cap. V).
3. Q. 105, a. 4; Ia IIae, q. 9, a. 6.
4. I Ethic. (lect. XX).

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