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30/04/2012

Leitura Espiritual para 30 Abr 2012

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.


Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Jo 5, 17-47


17 Mas Jesus respondeu-lhes: «Meu Pai não cessa de trabalhar, e Eu trabalho também». 18 Por isso, os judeus procuravam com maior ardor matá-l'O, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era Seu Pai, fazendo-Se igual a Deus. Jesus respondeu e disse-lhes: 19 «Em verdade, em verdade vos digo: O Filho não pode por Si mesmo fazer coisa alguma, mas somente o que vir fazer ao Pai; porque tudo o que fizer o Pai o faz igualmente o Filho. 20 Porque o Pai ama o Filho e mostra-Lhe tudo o que faz; e Lhe mostrará maiores obras do que estas, até ao ponto de vós ficardes admirados. 21 Porque assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, assim também o Filho dá vida àqueles que quer. 22 O Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho o poder de julgar 23 a fim de que todos honrem o Filho como honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que O enviou. 24 Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a Minha palavra e crê n'Aquele que Me enviou tem a vida eterna e não incorre na sentença de condenação, mas passou da morte para a vida. 25 Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão. 26 Com efeito, assim como o Pai tem a vida em Si mesmo, assim deu ao Filho ter vida em Si mesmo; 27 e deu-Lhe o poder de julgar, porque é o Filho do Homem. 28 Não vos admireis disso, porque virá tempo em que todos os que se encontram nos sepulcros ouvirão a Sua voz, 29 e os que tiverem feito obras boas sairão para a ressurreição da vida, mas os que tiverem feito obras más sairão ressuscitados para a condenação. 30 Não posso por Mim mesmo fazer coisa alguma. Julgo segundo o que ouço, e o Meu juízo é justo, porque não busco a Minha vontade, mas a d'Aquele que Me enviou. 31 «Se dou testemunho de Mim mesmo, o Meu testemunho não é verdadeiro. 32 Outro é o que dá testemunho de Mim; e sei que é verdadeiro o testemunho que dá de Mim. 33 Vós enviastes mensageiros a João e ele deu testemunho da verdade. 34 Eu, porém, não recebo o testemunho dum homem, mas digo-vos estas coisas a fim de que sejais salvos. 35 João era uma lâmpada ardente e luminosa. E vós, por uns momentos, quisestes alegrar-vos com a sua luz. 36 «Mas tenho um testemunho maior que o de João: as obras que o Pai Me deu que cumprisse, estas mesmas obras que Eu faço dão testemunho de Mim, de que o Pai Me enviou. 37 E o Pai que Me enviou, Esse mesmo deu testemunho de Mim. Vós nunca ouvistes a Sua voz nem vistes a Sua face 38 e não tendes em vós, de modo permanente, a Sua palavra, porque não acreditais n'Aquele que Ele enviou. 39 «Examinai as Escrituras, visto que julgais ter nelas a vida eterna: elas são as que dão testemunho de Mim. 40 E não quereis vir a Mim, para terdes vida. 41 A glória, não a recebo dos homens, 42 mas sei que não tendes em vós o amor de Deus. 43 Vim em nome de Meu Pai e vós não Me recebeis; se vier outro em seu próprio nome, recebê-lo-eis. 44 Como podeis crer, vós que recebeis a glória uns dos outros e não buscais a glória que só de Deus vem? 45 Não julgueis que sou Eu que vos hei-de acusar diante do Pai; Moisés, em quem confiais, é que vos acusará. 46 Se acreditásseis em Moisés, certamente acreditaríeis também em Mim, porque ele escreveu de Mim. 47 Porém, se não dais crédito aos seus escritos, como haveis de dar crédito às Minhas palavras?».










Ioannes Paulus PP. II
Laborem exercens
dirigida aos veneráveis Irmãos no Episcopado
aos Sacerdotes
às Famílias religiosas
aos Filhos e Filhas da Igreja
e a todos os Homens de Boa Vontade
sobre o Trabalho Humano no 90° aniversário da
Rerum Novarum

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22. A pessoa deficiente e o trabalho

Em tempos recentes, as comunidades nacionais e as organizações internacionais tem voltado a sua atenção para um outro problema relacionado com o trabalho e que é bem denso de reflexos: o problema das pessoas deficientes. Também elas são sujeitos plenamente humanos, dotados dos correspondentes direitos inatos, sagrados e invioláveis, que, apesar das limitações e dos sofrimentos inscritos no seu corpo e nas suas faculdades, põem mais em relevo a dignidade e a grandeza do homem. E uma vez que a pessoa que tem quaisquer «deficiências» é um sujeito dotado de todos os seus direitos, deve facilitar-se-lhe a participação na vida da sociedade em todas as dimensões e a todos os níveis que sejam acessíveis para as suas possibilidades. A pessoa deficiente é um de nós e participa plenamente da mesma humanidade que nós. Seria algo radicalmente indigno do homem e seria uma negação da humanidade comum admitir à vida da sociedade, e portanto ao trabalho, só os membros na plena posse das funções do seu ser, porque, procedendo desse modo, recair-se-ia numa forma grave de discriminação, a dos fortes e sãos contra os fracos e doentes. O trabalho no sentido objectivo deve ser subordinado, também neste caso, à dignidade do homem, ao sujeito do trabalho e não às vantagens económicas.

Compete, pois, às diversas entidades implicadas no mundo do trabalho, ao dador directo bem como ao dador indirecto de trabalho, promover com medidas eficazes e apropriadas o direito da pessoa deficiente à preparação profissional e ao trabalho, de modo que ela possa ser inserida numa actividade produtiva para a qual seja idónea. Aqui apresentam-se muitos problemas de ordem prática, legal e também económica; mas cabe à comunidade, quer dizer, às autoridades públicas, às associações e aos grupos intermédios, às empresas e aos mesmos deficientes pôr em comum ideias e recursos para se alcançar esta finalidade inabdicável: que seja proporcionado um trabalho às pessoas deficientes, segundo as suas possibilidades, porque o requer a sua dignidade de homens e de sujeitos do trabalho. Cada comunidade há-de procurar munir-se das estruturas adaptadas para se encontrarem ou para se criarem lugares de trabalho para tais pessoas, quer nas comuns empresas públicas ou privadas — que lhes proporcionem um lugar de trabalho ordinário ou então adaptado para o seu caso — quer nas empresas e nos meios de trabalho chamados «de protecção».

Uma grande atenção deverá ser dedicada, como para todos os outros trabalhadores, às condições físicas e psicológicas de trabalho dos deficientes, à sua justa remuneração, à sua possibilidade de promoção e à eliminação dos diversos obstáculos. Sem querer esconder que se trata de uma tarefa complexa e não fácil, é para desejar que uma concepção exacta do trabalho no sentido subjectivo permita chegar-se a uma situação que dê à pessoa deficiente a possibilidade de sentir-se não já à margem do mundo e do trabalho ou a viver na dependência da sociedade, mas sim como um sujeito do trabalho de pleno direito, útil, respeitado na sua dignidade humana e chamado a contribuir para o progresso e para o bem da sua família e da comunidade, segundo as próprias capacidades.

23. O trabalho e o problema da emigração

É necessário, por fim, dedicar uma palavra, ao menos de maneira sumária, ao problema da emigração por motivos de trabalho. Trata-se de um fenómeno antigo, mas que se repete continuamente e que nos dias de hoje assume mesmo dimensões tão grandes que são de molde a complicar a vida contemporânea. O homem tem sempre o direito de deixar o próprio país de origem por diversos motivos — como também de a ele voltar — e de procurar melhores condições de vida num outro país. Este facto, certamente, não anda disjunto de dificuldades de natureza diversa; primeiro que tudo, ele constitui, em geral, uma perda para o país do qual se emigra. É o afastamento de um homem, que é ao mesmo tempo um membro de uma grande comunidade, unificada pela sua história, pela sua tradição e pela sua cultura, o qual parte para ir recomeçar uma vida no seio de outra sociedade, unificada por uma outra cultura e, muitas vezes, também por uma outra língua. Neste caso, vem a faltar um sujeito de trabalho que, com o esforço do próprio pensamento ou dos seus braços poderia contribuir para o aumento do bem comum no seu país; e eis que tal esforço e tal contribuição vão ser dados a outra sociedade, a qual, num certo sentido, tem a isso menos direito do que a pátria de origem.

E no entanto, apesar de a emigração ser sob certos aspectos um mal, em determinadas circunstâncias é, como se costuma dizer, um mal necessário. Devem envidar-se todos os esforços — e certamente muito se faz com tal finalidade — para que este mal no sentido material não comporte danos de maior no sentido moral, e até mesmo para que, na medida em que é possível, ele traga uma melhoria na vida pessoal, familiar e social do emigrado; e isto diz respeito quer ao país de chegada quer à pátria de onde partiu. Neste domínio, muitíssimas coisas dependem de uma justa legislação, em particular quando se trata dos direitos do homem do trabalho. Compreende-se, pois, que tal problema, sobretudo se focado deste ponto de vista, tenha cabimento no contexto das presentes considerações.

A coisa mais importante é que o homem que trabalha fora do seu país natal, como emigrado permanente ou como trabalhador ocasional, não venha a encontrar-se desfavorecido pelo que se refere aos direitos relativos ao trabalho, em confronto com os trabalhadores dessa sociedade determinada. A emigração por motivo de trabalho não pode de maneira nenhuma tornar-se uma ocasião de exploração financeira ou social. No que diz respeito à relação de trabalho com o trabalhador imigrado devem ser válidos os mesmos critérios seguidos para todos os outros trabalhadores da mesma sociedade. O valor do trabalho deve ser medido com a mesma medida e não tendo em linha de conta a diferença de nacionalidade, de religião ou de raça. Com mais razão ainda, não pode ser explorada a situação de constrangimento em que se encontre o imigrado. Todas estas circunstâncias devem absolutamente ceder — naturalmente depois de terem sido tomadas em consideração as qualificações específicas — diante do valor fundamental do trabalho, valor que anda ligado com a dignidade da pessoa humana. E uma vez mais vem ao caso repetir o princípio fundamental: a hierarquia dos valores, o sentido profundo do trabalho exigem que o capital esteja em função do trabalho e não o trabalho em função do capital.

V. ELEMENTOS PARA UMA ESPIRITUALIDADE DO TRABALHO

24. Papel particular da igreja

A última parte das presentes reflexões sobre o tema da trabalho humano, a propósito do 90° aniversário da Encíclica Rerum Novarum, convém dedicá-la à espiritualidade do trabalho no sentido cristão da expressão. Dado que o trabalho na sua dimensão subjectiva é sempre uma acção pessoal, actus personae, daí se segue que é o homem todo que nele participa, com seu corpo e o seu espírito, independentemente do facto de ser um trabalho manual ou intelectual. E é também ao homem todo que é dirigida a Palavra do Deus vivo, a mensagem evangélica da Salvação, na qual se encontram muitos ensinamentos — como que luzes particulares — concernentes ao trabalho humano. Ora, é necessária uma assimilação adequada de tais ensinamentos; é preciso o esforço interior do espírito humano, guiado pela fé, pela esperança e pela caridade, para dar ao trabalho do homem concreto, com a ajuda desses ensinamentos, aquele sentido que ele tem aos olhos de Deus e mediante o qual o mesmo trabalho entra na obra da salvação conjuntamente com as suas tramas e componentes ordinárias e, ao mesmo tempo, muito importantes.

Se a Igreja considera como seu dever pronunciar-se a respeito do trabalho, do ponto de vista do seu valor humano e da ordem moral em que ele está abrangido, e se ela reconhece nisso uma sua tarefa importante incluída no serviço que presta à inteira mensagem evangélica, a mesma Igreja vê simultaneamente um seu dever particular na promoção de uma espiritualidade do trabalho, susceptível de ajudar todos os homens a aproximarem-se através dele de Deus, Criador e Redentor, e a participarem nos seus desígnios salvíficos quanto ao homem e ao mundo, e a aprofundarem na sua vida a amizade com Cristo, assumindo mediante a fé uma participação viva na sua tríplice missão: de Sacerdote, de Profeta e de Rei, como ensina, usando expressões admiráveis, o Concílio Vaticano II.

25. O trabalho como participação na obra do Criador

Como diz o Concílio Vaticano II, «uma coisa é certa para os crentes: a actividade humana individual e colectiva, aquele imenso esforço com que os homens, no decurso dos séculos, tentaram melhorar as condições de vida, considerado em si mesmo, corresponde ao desígnio de Deus. Efectivamente, o homem, criado à imagem de Deus, recebeu a missão de submeter a si a terra e tudo o que ela contém, de governar o mundo na justiça e na santidade e, reconhecendo Deus como o Criador de todas as coisas, de se orientar a si e ao universo todo para Ele, de maneira que, estando tudo subordinado ao homem, o nome de Deus seja glorificado em toda a terra». 27

Na Palavra da Revelação divina acha-se muito profundamente inscrita esta verdade fundamental: que o homem, criado à imagem de Deus, participa mediante o seu trabalho na obra do Criador e, num certo sentido, continua, na medida das suas possibilidades, a desenvolvê-la e a completá-la, progredindo cada vez mais na descoberta dos recursos e dos valores contidos em tudo aquilo que foi criado. Esta verdade encontramo-la logo no início da Sagrada Escritura, no Livro do Génesis, onde a mesma obra da criação é apresentada sob a forma de um «trabalho» realizado durante seis dias por Deus, 28 que se mostra a «repousar» no sétimo dia. 29 Por outro lado, o último Livro da Sagrada Escritura repercute ainda o mesmo tom de respeito pela obra que Deus realizou mediante o seu « trabalho » criador, quando proclama: «Grandes e admiráveis são as Tuas obras, Senhor, Deus Todo-Poderoso!»; 30 proclamação esta, bem análoga à do Livro do Génesis, quando encerra a descrição de cada dia da criação afirmando: «E Deus viu que isso era bom». 31

Esta descrição da criação, que nós encontramos já no primeiro capítulo do Livro do Génesis, é ao mesmo tempo, num certo sentido, o primeiro «evangelho do trabalho». Ela mostra, de facto, em que é que consiste a sua dignidade: ensina que o homem, ao fazer o trabalho, deve imitar Deus, seu Criador, porque traz em si — e ele somente — este singular elemento de semelhança com Ele. O homem deve imitar Deus quando trabalha, assim como quando repousa, dado que o mesmo Deus quis apresentar-lhe a própria obra criadora sob a forma do trabalho e sob a forma do repouso. E esta obra de Deus no mundo continua sempre, como o atestam as palavras de Cristo: «Meu Pai opera continuamente...»: 32 opera com a força criadora, sustentando na existência o mundo que chamou do nada ao ser; e opera com a força salvífica nos corações dos homens, que desde o princípio destinou para o «repouso» 33 em união consigo mesmo, na «casa do Pai». 34 Por isso, também o trabalho humano não só exige o repouso cada «sétimo dia», 35 mas além disso não pode consistir apenas no exercício das forças humanas na acção exterior: ele tem de deixar um espaço interior, no qual o homem, tornando-se cada vez mais aquilo que deve ser segundo a vontade de Deus, se prepara para aquele «repouso» que o Senhor reserva para os seus servos e amigos. 36

A consciência de que o trabalho humano é uma participação na obra de Deus, deve impregnar — como ensina o recente Concílio — «também as actividades de todos os dias. Assim, os homens e as mulheres que, ao ganharem o sustento para si e para as suas famílias, exercem as suas actividades de maneira a bem servir a sociedade, têm razão para considerar o seu trabalho um prolongamento da obra do Criador, um serviço dos seus irmãos e uma contribuição pessoal para a realização do plano providencial de Deus na história». 37

É necessário, pois, que esta espiritualidade cristã do trabalho se torne património comum de todos. É necessário, sobretudo na época actual, que a espiritualidade do trabalho manifeste aquela maturidade que exigem as tensões e as inquietudes dos espíritos e dos corações: «Longe de pensar que as obras do engenho e do poder humano se opõem ao poder de Deus e de considerar a criatura racional como rival do Criador, os cristãos, ao contrário, estão bem persuadidos de que as vitórias do género humano são um sinal da grandeza de Deus e são fruto do seu desígnio inefável. Mas, quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto mais se alarga o campo das suas responsabilidades, pessoais e comunitárias... A mensagem cristã não afasta os homens da tarefa de construir o mundo, nem os leva a desinteressar-se do bem dos seus semelhantes, mas, pelo contrário, obriga-os a aplicar-se a tudo isto por um dever ainda mais exigente». 38

A consciência de participar, mediante o trabalho, na obra da criação constitui motivação bem profunda para empreendê-lo em diversos sectores: «Os fiéis, portanto — lemos na Constituição Lumen Gentium — devem reconhecer a natureza íntima de todas as criaturas, o seu valor e a sua ordenação para a glória de Deus, e devem ajudar-se mutuamente, mesmo através das actividades propriamente seculares, a procurar levar uma vida mais santa, para que assim o mundo seja impregnado do espírito de Cristo e atinja mais eficazmente o seu fim, na justiça, na caridade e na paz... Por conseguinte, com a sua competência nas matérias profanas e pela sua actividade intrinsecamente elevada pela graça de Cristo, contribuam com todas as suas forças para que os bens criados sejam valorizados pelo trabalho humano, pela técnica e pela cultura... de harmonia com os fins que lhes deu o Criador e segundo a iluminação do Seu Verbo». 39

26. Cristo, o homem do trabalho

Esta verdade, segundo a qual o homem mediante o trabalho participa na obra do próprio Deus, seu Criador, foi particularmente posta em relevo por Jesus Cristo, aquele Jesus de quem muitos dos seus primeiros ouvintes em Nazaré «ficavam admirados e exclamavam: " Donde lhe veio tudo isso? E que sabedoria é essa que lhe foi dada?... Porventura não é este o carpinteiro"...?». 40 Com efeito, Jesus não só proclamava, mas sobretudo punha em prática com as obras o «Evangelho» que lhe tinha sido confiado, a Palavra da Sabedoria eterna. Por esta razão, tratava-se verdadeiramente do «evangelho do trabalho», pois Aquele que o proclamava era Ele próprio homem do trabalho, do trabalho artesanal como José de Nazaré. 41 E ainda que não encontremos nas suas palavras o preceito especial de trabalhar — até mesmo, uma vez, a proibição de se preocupar de uma maneira excessiva com o trabalho e com os meios para viver 42 — contudo, ao mesmo tempo, a eloquência da vida de Cristo é inequívoca: Ele pertence ao «mundo do trabalho» e tem apreço e respeito pelo trabalho humano; pode-se mesmo dizer mais: Ele encara com amor este trabalho, bem como as suas diversas expressões, vendo em cada uma delas uma linha particular da semelhança do homem com Deus, Criador e Pai. Não foi Ele, porventura, que disse «Meu Pai é o agricultor...», 43 transpondo de diversas maneiras para o seu ensino aquela verdade fundamental sobre o trabalho que já se encontra expressa em toda a tradição do Antigo Testamento, a começar pelo Livro do Génesis?

Nos Livros do Antigo Testamento não faltam frequentes referências ao trabalho humano, assim como às diversas profissões exercidas pelo homem; assim, por exemplo: ao médico, 44 ao farmacêutico, 45 ao artesão-artista, 46 ao artífice do ferro 47 — esta expressão poder-se-ia referir ao trabalho do operário siderúrgico de hoje — ao oleiro, 48 ao agricultor, 49 ao estudioso, 50 ao navegador, 51 ao trabalhador da construção, 52 ao músico, 53 ao pastor 54 e ao pescador. 55 E são conhecidas as belas palavras dedicadas ao trabalho das mulheres. 56 O próprio Jesus, nas suas parábolas sobre o Reino de Deus, refere-se constantemente ao trabalho humano: ao trabalho do pastor, 57 do agricultor, 58 do médico, 59 do semeador, 60 do amo, 61 do servo, 62 do feitor, 63 do pescador, 64 do comerciante 65 e do operário. 66 E fala também das diversas actividades das mulheres. 67 Apresenta o apostolado sob a imagem do trabalho braçal dos ceifeiros 68 ou dos pescadores. 69 E, enfim, refere-se também ao trabalho dos estudiosos. 70

Este ensino de Cristo sobre o trabalho, baseado no exemplo da própria vida vivida durante os anos de Nazaré, encontra um eco bem forte no ensino do Apóstolo São Paulo. Dedicando-se provavelmente à confecção de tendas, 71 São Paulo sentia-se ufano de trabalhar no seu ofício, graças ao qual podia, muito embora sendo apóstolo, ganhar por si mesmo o seu pão de cada dia: 72 «Trabalhamos noite e dia, entre fadigas e privações, para não sermos pesados a nenhum de vós». 73 Daqui derivam as suas instruções a respeito do trabalho, que têm um carácter de exortação e de preceito: «A esses tais ordenamos e incitamos, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem em paz, para poderem assim comer o pão ganho por eles próprios», são palavras suas, escritas aos Tessalonicenses. 74 Com efeito, notando que alguns «levam uma vida preguiçosa, em lugar de trabalharem», 75 o Apóstolo, no mesmo contexto, não hesita em dizer: «Se alguém não quer trabalhar, abstenha-se também de comer». 76 E numa outra passagem, ao contrário, ele estimula: «Qualquer coisa que fizerdes, fazei-a com todo o coração, como se fora para o Senhor, e não para os homens, sabendo que do Senhor recebereis como recompensa a herança». 77

Os ensinamentos do Apóstolo das Gentes, como se vê, têm uma importância chave para a moral e para a espiritualidade do trabalho humano. Eles são complemento importante para aquele grande, se bem que discreto, «evangelho do trabalho» que nós encontramos na vida de Cristo, nas suas parábolas e em «tudo quanto Jesus foi fazendo e ensinando». 78

Com base nestas luzes, que emanam da própria Fonte, a Igreja proclamou sempre o que segue e cuja expressão contemporânea encontramos no ensino do Concílio Vaticano II: «A actividade humana, do mesmo modo que procede do homem, assim também para ele se ordena. De facto, quando trabalha o homem não transforma apenas as coisas materiais e a sociedade, mas realiza-se a si mesmo. Aprende muitas coisas, desenvolve as próprias faculdades, sai de si e supera-se a si mesmo. Este desenvolvimento, se for bem compreendido, vale mais do que os bens exteriores que se possam acumular... É a seguinte, pois, a norma para a actividade humana: segundo o plano e a vontade de Deus, ser conforme com o verdadeiro bem da humanidade e tornar possível ao homem, individualmente considerado ou como membro da sociedade, cultivar e realizar a sua vocação integral». 79

No contexto de tal visão dos valores do trabalho humano, ou seja, de uma tal espiritualidade do trabalho, explica-se perfeitamente aquilo que no mesmo ponto da Constituição pastoral do Concílio se lê sobre o justo significado do progresso: «O homem vale mais por aquilo que é do que por aquilo que tem. Do mesmo modo tudo o que o homem faz para conseguir mais justiça, uma fraternidade mais difundida e uma ordem mais humana nas relações sociais, excede em valor os progressos técnicos. Com efeito, tais progressos podem proporcionar a base material para a promoção humana, mas, por si sós, de modo nenhum são capazes de a realizar». 80

Esta doutrina sobre o problema do progresso e do desenvolvimento — tema tão dominante na mentalidade contemporânea — poderá ser entendida somente como fruto de uma espiritualidade do trabalho já provada, e somente sobre a base de uma tal espiritualidade é que ela pode ser realizada e posta em prática. Esta é a doutrina e ao mesmo tempo o programa que lançam as raízes no «evangelho do trabalho».

27. O trabalho humano à luz da Cruz e da Ressurreição de Cristo

Há ainda um outro aspecto do trabalho humano, uma sua dimensão essencial, em que a espiritualidade fundada no Evangelho penetra profundamente. Todo o trabalho, seja ele manual ou intelectual, anda inevitavelmente conjunto à fadiga. O Livro do Génesis exprime isto mesmo de maneira verdadeiramente penetrante, ao contrapor àquela bênção original do trabalho, contida no próprio mistério da Criação e ligada à elevação do homem como imagem de Deus, a maldição que o pecado trouxe consigo: «Maldita seja a terra por tua causa! Com trabalho penoso tirarás dela o alimento todos os dias da tua vida», 81 Esta pena ligada ao trabalho indica o caminho da vida do homem sobre a terra e constitui o anúncio da morte: «Comerás o pão com o suor da fronte, até que voltes à terra da qual foste tirado...». 82 Como que fazendo-se eco destas palavras, assim se exprime o autor de um dos Livros sapienciais: «Reflecti em todas as obras realizadas por minhas mãos e em todas as fadigas a que me submeti...». 83 Não há homem algum sobre a terra que não possa fazer suas estas palavras.

O Evangelho profere, em certo sentido, a sua última palavra a propósito disto ainda, no mistério pascal de Jesus Cristo. E é aqui que é preciso ir procurar a resposta para estes problemas tão importantes para a espiritualidade do trabalho humano. No mistério pascal está contida a Cruz de Cristo, a sua obediência até à morte, que o Apóstolo contrapõe àquela desobediência que pesou desde o princípio na história do homem sobre a terra. 84 Aí está contida também a elevação de Cristo que, passando pela morte de cruz, retorna para junto dos seus discípulos com a potência do Espírito Santo pela Ressurreição.

O suor e a fadiga, que o trabalho comporta necessariamente na presente condição da humanidade, proporcionam aos cristãos e a todo o homem, dado que todos são chamados para seguir a Cristo, a possibilidade de participar no amor à obra que o mesmo Cristo veio realizar. 85 Esta obra de salvação foi realizada por meio do sofrimento e da morte de cruz. Suportando o que há de penoso no trabalho em união com Cristo crucificado por nós, o homem colabora, de algum modo, com o Filho de Deus na redenção da humanidade. Mostrar-se-á como verdadeiro discípulo de Jesus, levando também ele a cruz de cada dia 86 nas actividades que é chamado a realizar.

Cristo, «suportando a morte por todos nós, pecadores, ensina-nos com o seu exemplo ser necessário que também nós levemos a cruz que a carne e o mundo fazem pesar sobre os ombros daqueles que buscam a paz e a justiça»; ao mesmo tempo, porém, «constituído Senhor pela sua Ressurreição, Ele, Cristo, a quem foi dado todo o poder no céu e na terra, opera já pela virtude do Espírito Santo, nos corações dos homens... purificando e robustecendo aquelas generosas aspirações que levam a família dos homens a tentar tornar a sua vida mais humana e a submeter para esse fim toda a terra». 87

No trabalho humano, o cristão encontra uma pequena parcela da cruz de Cristo e aceita-a com o mesmo espírito de redenção com que Cristo aceitou por nós a sua Cruz. E, graças à luz que, emanando da Ressurreição do mesmo Cristo, penetra dentro de nós, descobrimos sempre no trabalho um vislumbre da vida nova, do novo bem, um como que anúncio dos «céus novos e da nova terra», 88 os quais são participados pelo homem e pelo mundo precisamente mediante o que há de penoso no trabalho. Mediante a fadiga e nunca sem ela. Ora tudo isto, por um lado, confirma ser indispensável a cruz numa espiritualidade do trabalho humano; por outro lado, porém, patenteia-se nesta cruz, no que nele há de penoso, um bem novo, o qual tem o seu princípio no mesmo trabalho: no trabalho entendido em profundidade e sob todos os aspectos, e jamais sem ele.

E será já este novo bem — fruto do trabalho humano — uma pequena parcela daquela «nova terra» onde habita a justiça? 89 E em que relação permanecerá ele com a Ressurreição de Cristo, se é verdade ser aquilo que de múltiplas formas é penoso no trabalho do homem uma pequena parcela da Cruz de Cristo? O Concílio procura responder também a esta pergunta, indo aurir luz nas mesmas fontes da Palavra revelada: «É certo que nos é lembrado que nada aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se se perde a si mesmo (cf. Lc. 9, 25). A expectativa da nova terra, porém, não deve enfraquecer, mas antes estimular a solicitude por cultivar esta terra, onde cresce aquele corpo da nova família humana, que já consegue apresentar uma certa prefiguração em que se vislumbra o mundo novo. Por conseguinte, embora se deva distinguir cuidadosamente o progresso terreno do crescimento do reino de Cristo, todavia, na medida em que tal progresso pode contribuir para a melhor organização da sociedade humana, tem muita importância para o reino de Deus». 90

Procurámos, ao longo das presentes reflexões dedicadas ao trabalho humano, pôr em realce tudo aquilo que parecia indispensável, dado que é mediante ele que devem multiplicar-se sobre a face da terra não só «os frutos da nossa actividade», mas também «a dignidade do homem, a comunhão fraterna e a liberdade». 91 O cristão que está atento em ouvir a Palavra de Deus vivo, unindo o trabalho à oração, procure saber que lugar ocupa o seu trabalho não somente no progresso terreno, mas também no desenvolvimento do Reino de Deus, para o qual todos somos chamados pela potência do Espírito Santo e pela palavra do Evangelho.

Ao concluir estas minhas reflexões, é-me grato dar-vos, a todos vós, veneráveis Irmãos e caríssimos Filhos e Filhas, de todo o coração, uma propiciadora Bênção Apostólica.

Este documento, que eu havia preparado para que fosse publicado a 15 de Maio passado, no 90° aniversário da Encíclica Rerum Novarum, só pôde ser revisto definitivamente por mim depois da minha permanência por enfermidade no hospital.

Dado em Castel Gandolfo, no dia 14 de Setembro, Festa da Exaltação da Santa Cruz, do ano de 1981, terceiro do meu Pontificado.

 IOANNES PAULUS PP. II

(Nota: Revisão da tradução para português por ama)

© Copyright 1981 - Libreria Editrice Vaticana
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Notas (em latim):
(27) Cfr. Conc. Oec. Vat. II, Const. past. Gaudium et Spes de Ecclesia in mundo huius temporis, 67: AAS 34: loc. mem., pp. 1052 s.
(28) Cfr. Gn. 2, 2; Ex;. 20, 8. 11; Dt. 5, 12 ss.
(29) Cfr. Gn. 2, 3.
(30) Apc. 15, 3.
(31) Gn. 1, 4. 10. 12. 18. 21. 25. 31.
(32) Io. 5, 17.
(33) Heb. 4, 1. 98.
(34) Io. 14, 2.
(35) Dt. 5, 12 ss..; Ex. 20, 8-12.
(36) Cfr. Mt. 25, 21.
(37) Conc. Oec. Vat. II, Const. past. Gaudium et Spes de Ecclesia in mundo huius temporis, 34: AAS 58 (1966), pp. 1052 ss.
(38) Ibid.
(39) Conc. Oec. Vat. II, Const. dogm. Lumen Gentium de Ecclesia, 36: AAS 57 (1965), p. 41.
(40) Mc. 6, 2 s.
(41) Cfr. Mt. 13, 55.
(42) Cfr. Mt. 6, 25-34.
(43) Io. 15, 1.
(44) Cfr. Eccle. 38, 1 ss.
(45) Cfr. Eccle. 38, 4-8.
(46) Cfr. Ex;. 31, 1-5; Eccle. 38, 27.
(47) Cfr. Gn. 4, 22; Is. 44, 12 .
(48) Cfr. Ier. 18, 3 s.; Eccle. 38, 29 s .
(49) Cfr. Gn. 9, 20; Is. 5, 1 s.
(50) Cfr. Eccle. 12, 9-12; Eccle. 39, 1-8.
(51) Cfr. Ps. 107 (108), 23-30; Sap. 14, 2-3 a.
(52) Cfr. Gn. 11, 3; 2 Reg. 12, 12 s.; 22, 5 s.
(53) Cfr. Gn. 4, 21.
(54) Cfr. Gn. 4, 2; 37, 3; Ex;. 3, 1; 1 Sam. 16, 11; et passim.
(55) Cfr. Ez. 47, 10.
(56) Cfr. Prv. 31, 15-27.
(57) Ex. gr. 10. Io, 1-16.
(58) Cfr. Mc. 12, 1-12.
(59) Cfr. Lc. 4, 23.
(60) Cfr. Mc. 4, 1-9.
(61) Cfr. Mt. 13, 52.
(62) Cfr. Mt. 24, 45; Lc. 12, 42-48.
(63) Cfr. Lc. 16, 1-8.
(64) Cfr. Mt. 13, 47-50.
(65) Cfr. Mt. 13, 45 s.
(66) Cfr. Mt. 20, 1-16.
(67) Cfr. Mt. 13, 33; Lc. 15, 8 s
(68) Cfr. Mt. 9, 37; Io. 4, 35-38.
(69) Cfr. Mt. 4, 19.
(70) Cfr. Mt. 13, 52.
(71) Cfr. Act. 18, 3.
(72) Cfr. Act. 20, 34 s.
(73) 2 Thes 3, 8. S. Paulus affirmat Evangelii praeconibus ius esse ea percipiendi, quae ad victum sunt necessaria: 1 Cor. 9, 6-14; Gal. 6, 6; 2 Thess. 3, 9; cfr. Lc. 10, 7.
(74) 2 Thess. 3. 12.
(75) 2 Thess. 3, 11.
(76) 2 Thess. 3, 10.
(77) Col. 3, 23 s.
(78) Act. 1, 1.
(79) Conc. Oec. Vat. II, Const. past. Gaudium et Spes de Ecclesia in mundo buius temporis, 35: AAS 58 (1966), p. 1053.
(80) Ibid.
 (81) Gn. 3, 17.
(82) Gn. 3, 19.
(83) Eccle. 2, 11.
(84) Cfr. Rom. 5, 19.
(85) Cfr. Io. 17, 4.
(86) Cfr. Lc. 9, 23.
(87) Conc. Oec. Vat. II, Const. past. Gaudium et Spes de Ecclesia in mundo huius temporis, 38: AAS 58 (1966), pp. 1055 s.
(88) Cfr. 2 Pe. 3, 13; Apc. 21, 1.
(89) Cfr. 2 Pe. 3, 13.
(90) Conc. Oec. Vat. II, Const. past. Gaudium et Spes de Ecclesia in mundo huius temporis, 39: AAS 58 (1966), p. 1057.
(91) Ibid.

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