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17/03/2012

Tratado dos Anjos 9

Questão 51: Da relação dos anjos com os corpos.

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Art. 3 — Se os anjos exercem operações vitais, nos corpos que assumem.

(II Sent., dist. VIII, a. 4; De Pot., q. 6, a. 8)

O terceiro discute-se assim. — Parece que os anjos exercem operações vitais nos corpos que assumem.

1. — Pois aos anjos não convém nenhuma dissimulação da verdade. Ora, seria dissimulação se o corpo assumido por eles parecesse vivo, com operações vitais e, na realidade, não o fosse. Logo, os anjos exercem, no corpo que assumem, operações vitais.

2. Demais. — Nas obras angélicas nada é em vão. Ora, em vão se formariam, no corpo assumido pelo anjo, olhos, narizes e outros órgãos sensoriais, se ele não sentisse, com esses órgãos. Logo, o anjo sente, com o corpo assumido; o que é mui propriamente, operação vital.

3. Demais. — Mover-se com movimento progressivo é uma das operações vitais, como se vê em Aristóteles [i]. Ora, manifestamente os anjos se manifestam movendo-se com os corpos que assumem. Pois, diz a Escritura (Gn 18, 16), que Abraão ia com eles conduzindo os anjos que lhe apareceram. E Tobias, ao anjo que lhe perguntava (Tb 5, 7) — Tu sabes o caminho que leva à terra dos Medos? — responde: Sei, e tenho andado muitas vezes estes caminhos. Logo, os anjos exercem frequentemente operações vitais, nos corpos que assumem.

4. Demais. — Falar é operação do ser vivo que se realiza pela voz, som proferido pela boca do animal, como diz Aristóteles [ii]. Ora, é manifesto, em muitos lugares na Escritura, que os anjos falaram pelos corpos que assumiram. Logo, exercem, nesses corpos, operações vitais.

5. Demais. — Comer é operação própria do animal; por isso, o Senhor, depois da ressurreição, como prova da vida ressurgida, comeu com os discípulos, como está na Escritura. Ora, certos anjos, manifestando-se em corpos assumidos, comeram; e Abraão, depois de os haver adorado, ofereceu-lhes alimentos, como se lê na Escritura (Gn 18). Logo, os anjos exercem operações vitais, nos corpos que assumem.

6. Demais. — Gerar outro homem é ato vital. Ora, tal convém aos anjos, pelos corpos que assumiram, pois diz a Escritura (Gn 6, 4): Depois que os filhos de Deus tiveram comercio com as filhas dos homens, geraram estas filhos que foram homens possantes e afamados no século. Logo, os anjos exercem operações vitais nos corpos que assumem.

Mas em contrário. — Os corpos assumidos pelos anjos não vivem, como antes já se disse [iii]. Logo, nem por tais corpos podem se exercer operações vitais.

Certas operações vitais têm algo de comum com as outras operações; assim, a locução, operação vital, convém, como som, com os outros sons de seres inanimados; e a marcha, como movimento, convém com outros movimentos. Ora, os anjos podem, pelos corpos que assumem, exercer as operações vitais, no que elas têm de comum com outras operações. Não, porém, quanto ao que é próprio às tais operações; porque, segundo o Filosofo, a acção é própria de quem é própria a potência [iv]. Por onde, nenhuma operação vital pode realizar o ser sem vida, a qual é o princípio potencial de tal operação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como não é contra a verdade que a Escritura descreva coisas inteligíveis sob figuras sensíveis, pois tal não diz para afirmar que o inteligível seja sensível, mas para dar a entender, por figuras sensíveis, as propriedades dos inteligíveis, segundo certa semelhança; assim não repugna à veracidade dos santos anjos que os corpos por eles assumidos pareçam homens vivos, embora não o sejam. Pois não são assumidos senão para que as propriedades e as operações espirituais dos anjos sejam designadas pelas propriedades e operações humanas. O que não se poderia fazer congruentemente se eles assumissem verdadeiros homens porque então revelariam propriedades dos próprios homens e não dos anjos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Sentir é operação totalmente vital. Por onde, de nenhum modo se pode dizer que os anjos sintam, pelos órgãos dos corpos assumidos. Mas nem por isso tais órgãos se formaram superfluamente, pois não se formaram para que, por eles, se sentisse, mas para que designassem as virtudes espirituais dos anjos; assim como, pelos olhos, se designa a virtude cognoscitiva do anjo e, pelos outros membros, as outras virtudes deles, como ensina Dionísio [v].

RESPOSTA À TERCEIRA. — O movimento proveniente de um motor conjunto é operação propriamente vital. Mas assim não é que se movem os corpos assumidos pelos anjos, pois estes não são as formas daqueles. Por onde, movidos tais corpos, os anjos se movem por acidente; pois estão estes naqueles como motores nos móveis; e por isso estão num ponto porque não estão em outro. O que não se pode dizer de Deus. Por onde, embora Deus não se mova, movidas as coisas em que Ele está, porque está em toda parte, contudo os anjos se movem por acidente, pelo movimento dos corpos assumidos. Não, porém, pelo movimento dos corpos celestes, embora também estejam nestes como os motores nos móveis; porque os corpos celestes não mudam, totalmente, de lugar. Nem é determinado ao espírito que move o orbe, um lugar, segundo alguma parte determinada da substância desse orbe, o qual está ora no oriente, ora no ocidente; mas, sim, segundo uma posição determinada, pois, a virtude motora está sempre no oriente, como diz o Filosofo [vi].

RESPOSTA À QUARTA. — Os anjos, propriamente, não falam pelos corpos assumidos, mas por um símile de locução, enquanto formam, no ar, sons semelhantes às vozes humanas.

RESPOSTA À QUINTA. — Nem ainda o comer, propriamente falando, convém aos anjos, pois, importa a absorção da comida convertível na substância de quem come. E embora o alimento não se convertesse no corpo de Cristo ressurrecto, mas se resolvesse na matéria primitiva, todavia Cristo tinha um corpo de natureza susceptível de se converter com o alimento e, por isso, houve verdadeiro ato de comer. Mas a comida tomada pelos anjos nem se convertia no corpo assumido, nem esse corpo era de natureza a poder operar tal conversão; e por isso não houve verdadeiro ato de comer, senão figurativo da alimentação espiritual. E foi isto o que o anjo disse a Tobias, (Tb 12, 18-19) Quando eu estava convosco, parecia-vos que eu comia e bebia convosco; mas eu sustento-me de um manjar e bebida invisível. Abraão, porém, ofereceu-lhes alimentos, pensando que fossem homens; embora, neles, venerasse a Deus, pois Deus costuma estar nos profetas, como diz Agostinho [vii].

RESPOSTA À SEXTA. — Como diz Agostinho, muitos experimentados, ou instruídos pelos experientes, confirmam que os Silvanos e os Faunos, chamados vulgarmente íncubos, são muitas vezes luxuriosos com as mulheres, desejando-as e realizando o ato carnal com elas, de modo que é imprudência negar tal fato. Porém os santos anjos de Deus de nenhum modo puderam assim manchar-se, antes do dilúvio. Por onde, entendem-se por filhos de Deus os de Sete, que eram bons; porém, a Escritura chama filhas dos homens às nascidas da estirpe de Caim, nem é para admirar que delas pudessem nascer gigantes, embora nem todos assim o nascessem, mas muito mais antes que depois do dilúvio [viii]. Se, porém, por vezes, alguns nasceram de coito com os demónios, tal não se operou pelo sémen emitido por eles ou pelos corpos assumidos, mas pelo sémen de algum homem, obtido para tal fim; e isto por ter o mesmo demónio, súcubo em relação ao homem, se tornado incubo em relação à mulher, assim como assumem as sementes de outros seres para a geração de alguns deles, como diz Agostinho [ix]. De modo que o nascido de tal operação não é filho do demónio, mas do homem de quem foi obtido o sémen.

(s. tomás de aquino, Suma Teológica, Tratado dos Anjos)



[i] De anima, lib. II, lect. III.
[ii] De anima, lib. II, lect. XVIII.
[iii] Q. 51, a. 1, ad 3.
[iv] De som. Et vig., lect. I.
[v] De cael. hier., ult.
[vi] Phys., lib. VIII, lect. XXIII.
[vii] De civ. Dei, lib. XVI, cap. XXIX.
[viii] De civ. Dei, lib. XV, cap. XXIII.
[ix] De Trinit., lib. III, cap. VIII et IX.

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