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21/03/2012

Tratado dos Anjos 13

Questão 53: Do movimento local dos anjos.

Para ver desenvolvimento, clicar:

Em seguida devemos tratar do movimento local dos anjos. E, sobre assunto, três artigos se discutem:
 
Art. 1 — Se o anjo pode mover-se localmente.
Art. 2 – Se o anjo atravessa uma posição média.
Art. 3 — Se o movimento do anjo é instantâneo.

Art. 1 — Se o anjo pode mover-se localmente.
(I Sent., dist. XXXVII, q. 4, a. 1; Opusc. XV, De Angelis, cap. XVIII)

O primeiro discute-se assim. — Parece que o anjo não pode mover-se localmente.

1. — Pois, como o Filósofo o prova, nenhum ser indivisível pode mover-se [1], nem enquanto está no ponto de partida porque então ainda não se move; nem quando já está no de chegada, porque, então, já se moveu. Donde resulta que tudo o que se move está, enquanto em movimento, parte, no ponto de partida e, parte, no de chegada. Ora, o anjo, é indivisível. Logo, não pode mover-se localmente.

2. Demais — O movimento é o acto do ser imperfeito, como diz Aristóteles [2]. Ora o anjo bem-aventurado não é imperfeito. Logo, o anjo bem-aventurado não pode mover-se localmente.

3. Demais. — O movimento supõe a carência. Ora, nenhuma carência há nos santos anjos. Logo, eles não se movem localmente.

Mas, em contrário, pela mesma razão pode mover-se o anjo bem-aventurado e a alma bem-aventurada. Ora, é necessário admitir-se que esta se move localmente, pois é artigo de fé que a alma de Cristo desceu aos infernos. Logo, o anjo beato se move localmente.

O anjo beato pode mover-se localmente; mas, como o estar num lugar convém equívocamente ao corpo e ao anjo, o mesmo se dá com o mover-se localmente. Pois, o corpo está num lugar enquanto é por este contido e comensurado. E por isso é necessário também seja o movimento local do corpo comensurado pelo lugar e submetido às exigências destes. Donde resulta que, tal a continuidade da grandeza, tal a do movimento; e a anterioridade e a posterioridade na grandeza, são correlatas às do movimento local do corpo, como diz Aristóteles [3]. Mas o anjo não está num lugar como comensurado e contido, senão, antes, como continente. Por onde, não há-de necessariamente o movimento local do anjo ser comensurado pelo lugar, nem submetido às exigências deste, de modo a ter continuidade local; mas é um movimento não contínuo. Assim, não estando o anjo em um lugar senão pelo contacto da sua virtude, como já se disse [4], o movimento local do anjo não será, por força, senão os seus diversos contactos com os diversos lugares sucessiva e não simultaneamente, porque o anjo não pode estar simultaneamente em vários lugares, como antes se disse [5]. Ora, não é necessário sejam tais contactos contínuos, pois, pode existir neles certa continuidade. Porquanto, como já ficou dito [6], nada impede se assinale ao anjo um lugar divisível pelo contacto da sua grandeza. Por onde, assim como o corpo deixa, sucessiva e não simultaneamente, o lugar em que primeiro estava, e isso lhe causa a continuidade no seu movimento local; assim também o anjo pode deixar, sucessivamente, o lugar divisível em que primeiro estava e, assim, o seu movimento será contínuo. Mas como também pode deixar, simultaneamente, todo um lugar, e aplicar-se do mesmo modo e totalmente a outro, o seu movimento não será contínuo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Esta objecção falha, duplamente, o fim que visou. Primeiramente, porque a demonstração de Aristóteles serve para o indivisível quantitativo, ao qual corresponde um lugar necessariamente indivisível; o que se não pode dizer do anjo. Segundo, porque a dita demonstração serve para o movimento contínuo. Pois, se o movimento não fosse contínuo, podia dizer-se que uma coisa se move estando no ponto de partida e no de chegada; porque, se chamaria movimento à sucessão das diversas posições, relativamente à mesma coisa: e então esta poderia considerar-se como movendo-se, em qualquer das posições que ocupasse. Mas a continuidade do movimento tal não permite, pois nenhum contínuo está no seu termo, como se vê pela linha, que não está no ponto; donde necessariamente resulta, que tudo o que se move não está totalmente, enquanto em movimento, em nenhum dos termos, mas, parte, em um e, parte, em outro. Ora, não sendo contínuo o movimento do anjo, a demonstração de Aristóteles não colhe, no caso. Mas se o for, pode se conceder que o anjo, enquanto se move, está, parte, no ponto de partida e, parte, no de chegada; sem que todavia essa parcialidade se refira à substância do anjo, mas ao lugar. Porque, no inicio do seu movimento contínuo, o anjo está no lugar divisível total, donde começou a mover-se; mas, durante o seu movimento, está numa parte do primeiro lugar, que abandona, e noutra do segundo, que ocupa. E o poder ocupar partes de dois lugares convém ao anjo porque ele pode ocupar um lugar divisível pela aplicação de sua virtude, assim como o corpo pela da sua grandeza. Donde se segue que o corpo móvel localmente é divisível pela grandeza; o anjo, porém, pode aplicar a sua virtude a algo de divisível.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O movimento do que existe em potência é o ato do imperfeito. Mas o resultante da aplicação de uma virtude é próprio a um ser actual, pois um ser tem virtude enquanto é actual.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O movimento do ser potencial supõe a carência deste; mas não supõe o do ser actual, pois, ao contrário, tal movimento é por carência de outro ser. E, desse modo, o anjo se move localmente por causa da nossa carência, conforme a Escritura (Hb 1, 14): Todos os espíritos são uns administradores, enviados para exercer o seu ministério a favor daqueles que hão-de receber a herança da salvação.

(s. tomás de aquino, Suma Teológica, Tratado dos Anjos)



[1] IV Physic. (lect. V, XII).
[2] III Physic. (lect. III).
[3] IV Phys. (lect. XVII).
[4] Q. 51, a. 2.
[5] Q. 51, a. 2.
[6] Q. 51, a. 2.


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