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17/03/2012

Leitura Espiritual para 17 Mar 2012

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.




Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Lc 9, 23-43

23 Depois, dirigindo-Se a todos disse: «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias, e siga-Me. 24 Porque quem quiser salvar a sua vida, a perderá; e quem perder a sua vida por causa de Mim, salvá-la-á. 25 Que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se se perde a si mesmo ou se faz dano a si? 26 Porque quem se envergonhar de Mim e das Minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na Sua majestade e na de Seu Pai e dos santos anjos. 27 Digo-vos em verdade que estão aqui alguns presentes que não morrerão sem que vejam o reino de Deus». 28 Cerca de oito dias depois destas palavras, tomou consigo Pedro, Tiago e João, e subiu a um monte para orar. 29 Enquanto orava modificou-Se o aspecto do Seu rosto, e as Suas vestes tornaram-se brancas e resplandecentes. 30 E eis que dois homens falavam com Ele: Moisés e Elias, 31 os quais apareceram cheios de majestade, e falavam da morte que Ele devia sofrer em Jerusalém. 32 Entretanto, Pedro e os que estavam com ele tinham-se deixado vencer pelo sono. Mas despertando, viram a majestade de Jesus e os dois varões que estavam com Ele. 33 Enquanto estes se separavam d'Ele, Pedro que não sabia o que dizia, disse a Jesus: «Mestre, que bom é nós estarmos aqui; façamos três tendas, uma para Ti, uma para Moisés, e uma para Elias». 34 Estando ele ainda a falar, formou-se uma nuvem, que os envolveu; e tiveram medo quando entraram na nuvem. 35 Então saiu uma voz da nuvem que dizia: «Este é o Meu Filho dilecto, escutai-O».36 Ao soar aquela voz, Jesus ficou só. Eles calaram-se, e naqueles dias a ninguém disseram nada do que tinham visto. 37 Sucedeu no dia seguinte que, ao descer eles do monte, lhes saiu ao encontro uma grande multidão. 38 E eis que um homem do meio da multidão clamou: «Mestre, peço-Te que olhes para o meu filho, porque é o único que tenho. 39 Um espírito maligno apodera-se dele e subitamente dá gritos, lança-o por terra, agita-o com violência, fazendo-o espumar, e só o larga depois de o ter dilacerado. 40 Pedi aos Teus discípulos que o expulsassem, mas não puderam». 41 Jesus respondeu: «Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco e vos suportarei? Traz cá o teu filho». 42 Quando este se aproximava, o demónio lançou-o por terra e agitou-o com violência. Mas Jesus ameaçou o espírito imundo, curou o menino, e restituiu-o ao pai. 43 E todos se admiravam da grandeza de Deus.



CARTA APOSTÓLICA
DIES DOMINI
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II
AO EPISCOPADO
AO CLERO E AOS FIÉIS
DA IGREJA CATÓLICA
SOBRE A SANTIFICAÇÃO DO DOMINGO
/…6

CAPÍTULO IV

DIES HOMINIS

O domingo: dia de alegria, repouso e solidaridade

A “alegria plena” de Cristo
55. “Bendito seja Aquele que elevou o grande dia do Domingo acima de todos os dias. Os céus e a terra, os anjos e os homens abandonam-se à alegria”. [1] Estas loas da liturgia maronita testemunham bem as intensas aclamações de alegria que sempre caracterizaram o domingo, nas liturgias ocidental e oriental. Historicamente, ainda antes de ser vivido como dia de repouso aliás não previsto então no calendário civil — os cristãos viveram o dia semanal do Senhor ressuscitado sobretudo como dia de alegria. “Que todos estejam alegres, no primeiro dia da semana”: lê-se na Didaskália dos Apóstolos. [2] A manifestação da alegria era visível também no uso litúrgico, mediante a escolha de gestos apropriados. [3] S. Agostinho, fazendo-se intérprete da consciência geral da Igreja, põe evidência tal carácter da Páscoa semanal: “Omitem-se os jejuns e reza-se de pé como sinal da ressurreição; também por isso se canta todos os domingos o aleluia”. [4]

56. Para além das diversas expressões rituais que podem variar com o tempo segundo a disciplina eclesial, resta o facto de o domingo, eco semanal da primeira experiência do Ressuscitado, não poder deixar de conservar o tom da alegria com que os discípulos acolheram o Mestre: “Alegraram-se os discípulos, vendo o Senhor” (Jo 20,20). Cumpria-se neles, tal como se há-de actuar em todas as gerações cristãs, aquilo que Jesus disse antes da paixão: “Vós estareis tristes, mas a vossa tristeza converter-se-á em alegria” (Jo 16,20). Porventura não tinha Ele mesmo rezado para que os discípulos tivessem “a plenitude da sua alegria” (cf. Jo 17,13)? O carácter festivo da Eucaristia dominical exprime a alegria que Cristo transmite à sua Igreja através do dom do Espírito; a alegria é precisamente um dos frutos do Espírito Santo (cf. Rom 14,17; Gal 5,22).

57. Assim, para apreender completamente o sentido do domingo, é preciso descobrir esta dimensão da nossa existência de crentes. É certo que a alegria cristã deve caracterizar toda a vida, e não só um dia da semana. Mas o domingo, em virtude do seu significado de dia do Senhor ressuscitado, no qual se celebra a obra divina da criação e da “nova criação”, é, a título especial, um dia de alegria, mais ainda um dia propício para educar à alegria, descobrindo novamente os seus traços autênticos e as suas raízes profundas. Na realidade, a alegria não deve ser confundida com fúteis sentimentos de saciedade e prazer, que inebriam a sensibilidade e a afectividade por breves momentos, mas depois deixam o coração na insatisfação e talvez mesmo na amargura. Do ponto de vista cristão, ela é algo de muito mais duradouro e consolador, conseguindo mesmo, como o comprovam os santos, [5] resistir à noite escura da dor; de certo modo, é uma “virtude” a ser cultivada.

58. Não existe qualquer oposição entre a alegria cristã e as verdadeiras alegrias humanas. Pelo contrário, estas ficam enaltecidas e encontram o seu fundamento último precisamente na alegria de Cristo glorificado (cf. Act 2, 24-31), imagem perfeita e revelação do homem segundo o desígnio de Deus. Na sua Exortação Apostólica sobre a alegria cristã, o meu venerado predecessor Paulo VI escreveu que, “por essência, a alegria cristã é participação espiritual na alegria insondável, conjuntamente divina e humana, que está no coração de Jesus Cristo glorificado”. [6] E o referido Sumo Pontífice concluía a sua Exortação pedindo que, no dia do Senhor, a Igreja testemunhasse vigorosamente a alegria experimentada pelos Apóstolos, quando viram o Senhor na tarde do dia de Páscoa. Por isso, convidava os Pastores a insistirem “na fidelidade dos baptizados à celebração, com alegria, da Eucaristia dominical. Como poderiam eles, de facto, negligenciar este encontro, este banquete que Cristo nos prepara com o seu amor? Que a participação em tal celebração seja, ao mesmo tempo, digna e festiva! é Cristo, crucificado e glorificado, que passa entre os seus discípulos para conduzi-los todos juntos, consigo, na renovação da sua Ressurreição. É o ápice, aqui neste mundo, da Aliança de amor entre Deus e o seu povo: sinal e fonte de alegria cristã, preparação para a Festa eterna”. [7] Nesta perspectiva de fé, o domingo cristão é verdadeiramente um “fazer festa”, um dia dado por Deus ao homem para o seu pleno crescimento humano e espiritual.

O cumprimento do sábado

59. Este aspecto do domingo cristão põe especialmente em evidência a sua dimensão de cumprimento do sábado veterotestamentário. No dia do Senhor, que o Antigo Testamento — como foi dito — liga com a obra da criação (cf. Gn 2,1-3; Ex 20,8-11) e do êxodo (cf. Dt 5,12-15), o cristão é chamado a anunciar a nova criação e a nova aliança, realizadas no mistério pascal de Cristo. A celebração da criação, longe de ser anulada, é aprofundada em perspectiva cristocêntrica, ou seja, à luz do desígnio divino de “recapitular em Cristo todas as coisas que há no Céu e na Terra” (Ef 1,10). E ao memorial da libertação realizada no êxodo, é-lhe conferido também sentido pleno, tornando-se memorial da redenção universal operada por Cristo morto e ressuscitado. Portanto, mais do que uma “substituição” do sábado, o domingo constitui a sua perfeita realização e, de certa forma, o seu desenvolvimento e plena expressão no caminho da história da salvação, que tem o seu ponto culminante em Cristo.

60. Nesta perspectiva, a teologia bíblica do “shabbat” pode ser plenamente recuperada, sem causar dano ao carácter cristão do domingo. Ela leva-nos, sempre de novo e com uma maravilha cada vez maior, àquele início misterioso, quando a eterna Palavra de Deus, por livre decisão de amor, tirou do nada o mundo. Chancela da obra criadora foi a bênção e consagração do dia em que Deus repousou de “toda a obra da criação” (Gn 2,3). Deste dia do repouso de Deus, brota o sentido do tempo, que assume, na sucessão das semanas, não apenas um ritmo cronológico, mas, por assim dizer, um respiro teológico. O constante retorno do shabbat salva efectivamente o tempo do risco de fechar-se sobre si mesmo, para que permaneça aberto ao horizonte da eternidade, através do acolhimento de Deus e dos seus kairoì ou seja, dos tempos da sua graça e das suas iniciativas de salvação.

61. O shabbat, o sétimo dia abençoado e consagrado por Deus, ao mesmo tempo que encerra toda a obra da criação, está em ligação imediata com a obra do sexto dia, quando Deus fez o homem “à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26). Esta relação mais directa entre o “dia de Deus” e o “dia do homem” não passou despercebida aos Padres, na sua meditação sobre o relato bíblico da criação. A propósito, S. Ambrósio diz: “Dêmos, pois, graças ao Senhor nosso Deus, que fez uma obra onde Ele pudesse encontrar descanso. Fez o céu, mas não leio que aí tenha repousado; fez as estrelas, a lua, o sol, e nem aqui leio que tenha descansado neles. Mas, ao contrário, leio que Ele fez o homem e que então Se repousou, tendo nele alguém a quem podia perdoar os pecados”. [8] Assim, o “dia de Deus” estará sempre directamente relacionado com o “dia do homem”. Quando o mandamento de Deus diz: “Recorda-te do dia de sábado, para o santificares” (Ex 20,8), a pausa prescrita para honrar o dia a Ele dedicado não constitui de modo algum uma imposição gravosa para o homem, mas antes uma ajuda, para que se consciencialize da sua dependência vital e libertadora do Criador e, simultaneamente, da vocação para colaborar na sua obra e acolher a sua graça. Deste modo, honrando o “repouso» de Deus, o homem encontra-se plenamente a si próprio, e assim o dia do Senhor fica profundamente marcado pela bênção divina (cf. Gn 2,3) e, graças a ela, dir-se-ia dotado, como acontece com os animais e com os homens (cf. Gn 1,22.28), de uma espécie de “fecundidade”. Esta exprime-se, não só no constante acompanhamento do ritmo do tempo, mas sobretudo no reanimar e, de certo modo, “multiplicar” o próprio tempo, aumentando no homem, com a lembrança do Deus vivo, a alegria de viver e o desejo de promover e dar a vida.

62. Assim, se é verdade que, para o cristão, decaíram as modalidades do sábado judaico, porque superadas pelo “cumprimento” dominical, ele deverá lembrar-se que permanecem válidos os motivos de base que obrigam à santificação do “dia do Senhor”, fixados pela solenidade do Decálogo, mas que hão-de ser interpretados à luz da teologia e da espiritualidade do domingo: “Guardarás o dia de Sábado, para o santificares, como te ordenou o Senhor, teu Deus. Trabalharás durante seis dias, e neles farás todas as tuas obras; mas, no sétimo dia, que é o sábado do Senhor, teu Deus, não farás trabalho algum: tu, o teu filho ou a tua filha, o teu escravo ou a tua escrava, o teu boi, o teu jumento ou qualquer outro dos teus animais; nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas, para que o teu servo e a tua serva descansem como tu. Recorda-te de que foste escravo no país do Egipto, donde o Senhor, teu Deus, te fez sair com mão forte ebraço poderoso. É por isso que o Senhor, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de Sábado” (Dt 5,12-15). Aqui a observância do sábado aparece intimamente ligada à obra de libertação realizada por Deus em favor do seu povo.

63. Cristo veio para realizar um novo “êxodo”, para dar a liberdade aos oprimidos. Ele realizou muitas curas ao sábado (cf. Mt 12,9-14 e paralelos), certamente não para violar o dia do Senhor, mas para realizar o seu pleno significado: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2,27). Opondo-Se à interpretação demasiado legalista de alguns dos seus contemporâneos e desenvolvendo o sentido autêntico do sábado bíblico, Jesus, “Senhor do sábado” (Mc 2,28), devolve o carácter libertador à observância deste dia, instituído simultaneamente para a defesa dos direitos de Deus e dos homens. Compreende-se, assim, porque era justo que os cristãos, anunciadores da libertação realizada pelo sangue de Cristo, se sentissem autorizados a transpor o significado do sábado para o dia da ressurreição. De facto, a Páscoa de Cristo libertou o homem duma escravidão muito mais radical do que aquela que grava sobre um povo oprimido: a escravidão do pecado, que afasta o homem de Deus, que o afasta também de si mesmo e dos outros, introduzindo continuamente na história novos germens de maldade e violência.

O dia do descanso

64. Durante alguns séculos, os cristãos viveram o domingo apenas como dia do culto, sem poderem juntar-lhe também o significado específico de descanso sabático. Só no século IV é que a lei civil do Império Romano reconheceu o ritmo semanal, fazendo com que, no “dia do sol”, os juízes, os habitantes das cidades e as corporações dos diversos ofícios parassem de trabalhar. [9] Os cristãos sentiram grande contentamento ao verem assim afastados os obstáculos que, até então, tinham tornado por vezes heróica a observância do dia do Senhor. Podiam agora dedicar-se à oração comum, sem qualquer impedimento. [10]

Por isso, seria um erro ver a legislação que defende o ritmo semanal como uma mera circunstância histórica, sem valor para a Igreja ou que esta poderia abandonar. Os Concílios não cessaram de manter, mesmo depois do fim do Império, as disposições relativas ao descanso festivo. Mesmo nos países, onde os cristãos são um pequeno número e os dias festivos do calendário não coincidem com o domingo, este permanece sempre o dia do Senhor, o dia em que os fiéis se reúnem para a assembleia eucarística. Mas isto verifica-se à custa de sacrifícios não pequenos. Para os cristãos, é anormal que o domingo, dia de festa e de alegria, não seja também dia de descanso, tornando-se para eles difícil “santificar” o domingo, já que não dispõem de tempo livre suficiente.

65. Por outro lado, a ligação entre o dia do Senhor e o dia do descanso na sociedade civil tem uma importância e um significado que ultrapassam o horizonte propriamente cristão. De facto, a alternância de trabalho e descanso, inscrita na natureza humana, foi querida pelo próprio Deus, como se deduz da perícopa da criação no livro do Génesis (cf. 2,2-3; Ex 20,8-11): o repouso é coisa “sagrada”, constituindo a condição necessária para o homem se subtrair ao ciclo, por vezes excessivamente absorvente, dos afazeres terrenos e retomar consciência de que tudo é obra de Deus. O poder sobre a criação, que Deus concede ao homem, é tão prodigioso que este corre o risco de esquecer-se que Deus é o Criador, de quem tudo depende. Este reconhecimento é ainda mais urgente na nossa época, porque a ciência e a técnica aumentaram incrivelmente o poder que o homem exerce através do seu trabalho.

66. Por último, importa não perder de vista que o trabalho é, ainda no nosso tempo, uma dura escravidão para muitos, seja por causa das condições miseráveis em que é efectuado e dos horários impostos, especialmente nas regiões mais pobres do mundo, seja por subsistirem, mesmo nas sociedades economicamente mais desenvolvidas, demasiados casos de injustiça e exploração do homem pelo homem. Quando a Igreja, ao longo dos séculos, legislou sobre o descanso dominical, [11] teve em consideração sobretudo o trabalho dos criados e dos operários, certamente não porque este fosse um trabalho menos digno relativamente às exigências espirituais da prática dominical, mas sobretudo porque mais carente duma regulamentação que aliviasse o seu peso e permitisse a todos santificarem o dia do Senhor. Nesta linha, o meu venerado predecessor Leão XIII, na encíclica Rerum novarum apontava o descanso festivo como um direito do trabalhador, que o Estado deve garantir. [12]

E, no contexto histórico actual, permanece a obrigação de batalhar para que todos possam conhecer a liberdade, o descanso e o relaxe necessários à sua dignidade de homens, com as conexas exigências religiosas, familiares, culturais, interpessoais, que dificilmente podem ser satisfeitas, se não ficar salvaguardado pelo menos um dia semanal para gozarem juntos da possibilidade de repousar e fazer festa. Obviamente, este direito do trabalhador ao descanso pressupõe o seu direito ao trabalho, pelo que, ao reflectirmos sobre esta problemática ligada à concepção cristã do domingo, não podemos deixar de recordar, com sentida solidariedade, a situação penosa de tantos homens e mulheres que, por falta dum emprego, se vêem constrangidos à inactividade mesmo nos dias laborais.

67. Graças ao descanso dominical, as preocupações e afazeres quotidianos podem reencontrar a sua justa dimensão: as coisas materiais, pelas quais nos afadigamos, dão lugar aos valores do espírito; as pessoas com quem vivemos, recuperam, no encontro e diálogo mais tranquilo, a sua verdadeira fisionomia. As próprias belezas da natureza — frequentemente malbaratadas por uma lógica de domínio, que se volta contra o homem — podem ser profundamente descobertas e apreciadas. Assim o domingo, dia de paz do homem com Deus, consigo mesmo e com os seus semelhantes, torna-se também ocasião em que o homem é convidado a lançar um olhar regenerado sobre as maravilhas da natureza, deixando-se envolver por aquela estupenda e misteriosa harmonia que, como diz S. Ambrósio, por uma “lei inviolável de concórdia e de amor”, une os diversos elementos do universo num “vínculo de união de de paz”. [13] Então, o homem torna-se mais consciente, segundo as palavras do Apóstolo, de que “tudo o que Deus criou é bom, e não é para desprezar, contanto que se tome em acção de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração” (1 Tim 4,4-5). Portanto, se depois de seis dias de trabalho — para muitos, na verdade, reduzidos já a cinco — o homem procura um tempo para relaxe e para cuidar melhor dos outros aspectos da própria vida, isso corresponde a uma real necessidade, em plena harmonia com a perspectiva da mensagem evangélica. Consequentemente, o crente é chamado a satisfazer esta exigência, harmonizando-a com as expressões da sua fé pessoal e comunitária, manifestada na celebração e santificação do dia do Senhor.

Por isso, é natural que os cristãos se esforcem para que, também nas circunstâncias específicas do nosso tempo, a legislação civil tenha em conta o seu dever de santificar o domingo. Em todo o caso, têm a obrigação de consciência de organizar o descanso dominical de forma que lhes seja possível participar na Eucaristia, abstendo-se dos trabalhos e negócios incompatíveis com a santificação do dia do Senhor, com a sua alegria própria e com o necessário repouso do espírito e do corpo. [14]
68. Uma vez que o descanso, para não se tornar vazio nem fonte de tédio, deve gerar enriquecimento espiritual, maior liberdade, possibilidade de contemplação e comunhão fraterna, os fiéis hão-de escolher, de entre os meios da cultura humana e as diversões que a sociedade proporciona, aqueles que estão mais de acordo com uma vida segundo os preceitos do Evangelho. Nesta perspectiva, o descanso dominical e festivo adquire uma dimensão “profética”, defendendo não só o primado absoluto de Deus, mas também o primado e a dignidade da pessoa sobre as exigências da vida social e económica, e antecipando de certo modo os “novos céus” e a “nova terra”, onde a libertação da escravidão das necessidades será definitiva e total. Em resumo, o dia do Senhor, na sua forma mais autêntica, torna-se também o dia do homem.



[15]…/


[1] Proclamação diaconal em memória do dia do Senhor: cf. o texto siríaco no Missal próprio do rito da Igreja de Antioquia dos Maronitas (edição em siríaco e árabe) Jounieh (Líbano) 1959, p. 38.
[2] V, 20, 11: ed. F. X. Funk (1905), 298. Cf. também Didaké 14, 1: ed. F. X. Funk (1901), 32; Tertuliano, Apologeticum 16, 11: CCL 1, 116.Veja-se, em particular, a Epístola de Barnabé 15, 9 SC 172, 188-189: “é por isso que celebramos como uma festa jubilosa o oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos mortos e, depois de ter aparecido aos seus discípulos, subiu ao céu”.
[3] Tertuliano, por exemplo, conta que era proibido ajoelhar-se aos domingos, porque, sendo esta posição considerada, então, sobretudo como gesto penitencial, parecia pouco adequada no dia da alegria: cf. De corona 3, 4: CCL 2, 1043.
[4] Epistula 55, 28: CSEL 342, 202.
[5] Cf. S. Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Derniers entretiens (5-6 de Julho de 1897): Oeuvres complètes, Cerf-Desclée de Brouwer, Paris 1992, pp. 1024-1025.
[6] Exort. ap. Gaudete in Domino (9 de Maio de 1975), II: AAS 67 (1975), 295.
[7] Exort. ap. Gaudete in Domino (9 de Maio de 1975), II: AAS 67 (1975), VII (conclusão): o.c., 322.
[8] Hex. 6, 10, 76: CSEL 321, 261.
[9] Veja-se o édito de Constantino, de 3 de Julho de 321: Codex Theodosianus II, 8, 1, ed. Th. Mommsen 12, 87; Codex Iustiniani, 3, 12, 2, ed. P. Krueger, 248.
[10] Cf. Eusébio de Cesareia, Vida de Constantino, 4, 18: PG 20,1165.
[11] O documento eclesiástico mais antigo sobre este tema é o cân. 29 do Concílio de Laodiceia (2 metade do séc. IV): Mansi, Conc., t. II, 569-570. Muitos Concílios, desde o século VI até ao IX, proibiram as opera ruralia. A legislação sobre os trabalhos proibidos, apoiada também pelas leis civis, foi-se tornando sempre mais detalhada.
[12] Cf. Carta enc. Rerum novarum (15 de Maio de 1891): Acta Leonis XIII 11 (1891), 127-128.
[13] Hex. 2, 1, 1: CSEL 321, 41.
[14] Cf. Código de Direito Canónico, cân. 1247; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. 881-§§ 1.4.
[15] Copyright © Libreria Editrice Vaticana

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