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28/02/2012

Tratado sobre a Obra dos Seis Dias 31

Questão 47: Da distinção das coisas em comum.

Art. 2 – Se a desigualdade das coisas provém de Deus.

(Infra, q. 65. a. 2; II Cont. Gent., cap. XLIV, XLV; III, cap. XCVII; De Pot., q. 3, a. 16; De Anima, a. 7; Compend. Theol., cap. LXXIII, c. II; De Div. Nom., cap. IV. lect. XVI).

O segundo discute-se assim. – Parece não provém de Deus a desigualdade das coisas.

1. – Quem é óptimo produz coisas óptimas. Ora, entre coisas óptimas, uma não o é mais que outra. Logo Deus, que é óptimo, deve fazer todas as coisas iguais.

2. Demais. – A igualdade é efeito da unidade, como diz Aristóteles [1]. Ora, Deus é um. Logo, fez todas as coisas iguais.

3. Demais. – A justiça consiste em dar a indivíduos desiguais coisas desiguais. Ora, Deus é justo em todas as suas obras. Como, porém, a sua operação, pela qual comunica o ser às coisas, não pressupõe nelas nenhuma desigual­dade, resulta que as fez todas iguais.

Mas, em contrário, a Escritura (Eccle 33, 7-8): Porque é que um dia é preferido a outro dia, uma luz a outra luz, e um ano a outro ano, provindo todos do mesmo sol? Foi a ciência do Senhor que os diferenciou.

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Orígenes, querendo excluir a opinião dos que admitem distinção nas coisas, pela contrariedade dos princípios do bem e do mal, ensinou que, no princípio, todas as coisas foram criadas por Deus iguais. Dizia, pois, que Deus primeiramente criou só as criaturas racio­nais, e todas iguais. Nelas nasceu a desigualdade primeiramente do livre arbítrio, por se converterem umas mais ou menos a Deus e se afastarem outras mais ou menos d'Ele. Donde, as criaturas racionais que, por livre arbítrio, se converteram para Deus, foram promovidas às diversas ordens de anjos, segundo a diversidade dos méritos. Porém, as que se afastaram de Deus foram ligadas a diversos corpos, segundo a diversidade do pecado; e tal diz ser a causa da criação e da diversidade dos corpos.

Mas, segundo essa opinião, a universalidade das criaturas corpóreas não teria como causa a bondade de Deus a elas comunicada, mas sim a punição do pecado, o que vai contra as palavras da Escritura (Gn 1, 31): Viu Deus todas as coisas que tinha feito e eram muito boas. E, como diz Agostinho [2], que há de mais insensato que pretender que este sol único neste mundo único não foi destinado pelo Artífice supremo ao ornamento e a utilidade da criação corpórea, mas que tal se deu por uma alma ter pecado? E por consequência, se cem almas tivessem pecado este mundo teria cem sóis?

Portanto devemos dizer que, assim como a sabedoria de Deus é a causa da distinção das coisas, assim também da desigualdade. O que do seguinte modo se esclarecerá. Há dupla distinção nas coisas: uma formal, para as que só especificamente diferem; outra, porém, material, para as que só numericamente diferem. Mas como a matéria existe pela forma, a dis­tinção material existe pela formal. Por onde vemos que, nas coisas incorruptíveis, há um só indivíduo de uma espécie, porque esta em um só suficientemente se conserva; mas nos seres geráveis e corruptíveis são muitos os indivíduos de uma espécie, para a conservação desta. Por onde se vê que a distinção formal é mais im­portante que a material. Ora, a distinção formal sempre requer a desigualdade, porque, como diz Aristóteles [3], as formas das coisas são como os números, nos quais as espécies variam pela adição ou subtracção da unidade. Por onde, nos seres naturais, vemos que as espécies são gradativamente ordenadas; assim, os compostos são mais perfeitos do que os elementos, as plantas do que os minerais, os animais do que as plantas e os homens do que os outros animais; e, em cada uma dessas classes, encontram-se espécies mais perfeitas do que as outras. Portanto, sendo a divina sabedoria a causa da distinção das coisas, para a perfeição do universo, assim o será da desigualdade. Pois, não seria perfeito o univer­so se nas coisas só se encontrasse um grau de bondade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O agente óptimo deve produzir o seu efeito total óptimo; não contudo que faça óptima, pura e simplesmente, qualquer parte do todo, mas óptima em proporção com o todo; assim, desapareceria a bondade do animal se qualquer parte dele tivesse a dignidade dos olhos. Assim, pois, Deus fez óptimo todo o universo, ao modo da criatura; não fez óptimas porém cada uma das criaturas, mas uma melhor que outra. E por isso de cada uma delas diz a Escritura (Gn 1, 4): Viu Deus que a luz era boa, e assim com outras. Mas de todas juntas diz: Viu Deus todas as coisas que tinha feito; e eram muito boas.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O que primeiro procede da unidade é a igualdade, e, depois, a multiplicidade. Por isso do Pai, a quem, segundo Agostinho [4], se apropria a unidade, procedeu o Filho, a quem se apropria a igualdade; e, depois procedeu a criatura, à qual convém a desigualdade. Contudo também a criatura participa de uma certa igualdade, a saber, a de proporção.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Foi essa razão a que moveu Orígenes. Mas não tem lugar senão na retribuição dos prémios, cuja desigualdade é devida à desigualdade no mérito. Mas, na constituição das coisas, não há desigualdade das partes em virtude de qualquer desigualdade precedente, quer dos méritos, quer da disposição da matéria; mas em virtude da perfeição do todo. O que bem se vê nas obras da arte, pois não é por ter matéria diversa que o teto difere dos alicerces, mas o artífice busca matéria diversa para que a casa seja perfeita, pelas diversas partes e tal matéria ele a faria, se pudesse.

(são tomás de aquino, Suma Teológica,)


[1] V Metaph. (lect. XVII).
[2] De civ. Dei, lib. XI (c. XXIII).
[3] VIII Metaph. (lect. III).
[4] I de doctr. Christi, cap. V.

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