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27/02/2012

Tratado sobre a Obra dos Seis Dias 30

Questão 47: Da distinção das coisas em comum.

Depois da produção do ser das criaturas, deve-se considerar a distinção das coisas. E esta consideração será tripartida. Pois, primeiro, consideraremos a distinção das coisas em comum. Segundo, a distinção do bem e do mal. Terceiro, a distinção da criatura espiritual e da corporal.

Sobre o primeiro ponto quatro artigos se discutem:

Art. 1 – Se a multidão e a distinção das coisas vêm de Deus.
Art. 2 – Se a desigualdade das coisas provém de Deus.
Art. 3 – Se nas criaturas há uma ordem dos agentes.
Art. 4 – Se há um mundo só ou vários.

Art. 1 – Se a multidão e a distinção das coisas vêm de Deus.

(II Cont. Gent., cap. XXXIX usque XLV inclus.: III, cap. XCVII; De Pot., q. 3, a. 1, ad 9; art. 16; Compend. Theol., cap. LXXI, LXXII, CII, XII Metaphys., lect. II: De Causis, lect. XXIV).

O primeiro discute-se assim. – Parece que a multidão e a distinção das coisas não vêm de Deus.

1. – É natural à unidade produzir a unidade. Ora, Deus é maximamente um, como resulta do já provado [1]. Logo, não produz senão um efeito.

2. Demais. – O exemplado assemelha-se ao seu exemplar. Ora, Deus é a causa exemplar do seu efeito, como já antes se disse [2]. Logo, Deus, sendo único, também um só é o seu efeito e não vários.

3. Demais. – O que depende do fim ao fim se proporciona. Ora, o fim da criatura é só um, a saber, a divina bondade, como antes se demonstrou [3]. Logo, o efeito de Deus não é mais de um.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Gn 1) que Deus separou a luz das trevas e dividiu as águas das águas. Logo, a distinção e a multidão das coisas vêm de Deus.

Para ver a solução, clicar

Vários pensaram diversamente sobre a causa da distinção das coisas.

Assim, alguns atribuíram-na à matéria só, ou de simultaneidade com um agente. À matéria só, como Demócrito e todos os antigos físicos, que só admitiam a causa material; e, de acordo com estes, a distinção das coisas provém do acaso, pelo movimento da matéria. Porém à matéria simultaneamente com um agente atribuiu Anaxágoras a multidão das coisas, ensinando que o intelecto distingue as coisas, separando o que estava de mistura com a matéria. Mas esta opinião não pode se manter, por duas razões. Primeira, é que já antes se demonstrou [4] ter sido também a própria matéria criada por Deus. Por onde, é necessário reduzir a uma causa mais alta a distinção que, por algum modo pertence à matéria. Segunda, que a matéria existe por causa da forma e não inversamente. Ora, as coisas se distinguem pelas formas próprias. Logo, não é a matéria que lhes dá a distinção, mas antes e inversamente, na matéria criada há deformidade para se acomo­dar às diversas formas.

Outros porém atribuíram a distinção das coisas aos agentes segundos, como Avicena [5] ensinando que Deus, inteligindo-se, produziu a inteligência primeira, na qual, não sendo a essência idêntica à existência, teve necessariamente começo a composição de potência e ato, como a seguir se verá [6]. Assim, pois, a primeira inteligência, inteligindo a causa primeira, produziu a inteligência segunda; inteligindo-se a si mesma, no que tem de potência, produziu o corpo do céu que ela move; por fim, inteligindo-se a si mesma, no que têm de ato, produziu a alma do céu. Mas esta opinião não pode se manter, por duas razões. Primeira, porque, como já antes se demonstrou [7], só a Deus pertencendo o criar, as coisas que não podem ser cau­sadas senão por criação são produzidas só por Deus. Ora, tais coisas são todas as que estão submetidas à geração e à corrupção. Segunda, porque, de acordo com tal posição, a universa­lidade das coisas não proviria da intenção do agente primeiro, mas do concurso de muitas causas agentes. Ora, isso é o mesmo que dizer que provêm do acaso; e assim, pois, o complemento do universo, consistente na diversidade das coisas, proviria do acaso, o que é impossível.

Donde o dever-se admitir que a multidão e a distinção das coisas vêm da intenção do agente primeiro, Deus. Pois, trouxe as coisas ao ser, para comunicar a sua bondade às criaturas, que a representam. E, como esta não pode ser representada suficientemente por uma só criatura, produziu muitas e diversas; e assim o que falta a uma, para representar a divina bondade, é suprido por outra. Pois, a bondade, existente em Deus pura e simplesmente, bem como uniformemente, existe nas criaturas multíplice e divididamente. Por onde, com mais perfeição participa da divina bondade e a representa todo o universo do que outra criatura qualquer. – E por ser a divina sabedoria a causa da distinção das coisas, diz Moisés que as coisas são distintas pelo Verbo de Deus, que é a concepção da sabe­doria; e isso mesmo diz a Escritura (Gn 1, 3): E disse Deus: Faça-se a luz... E dividiu a luz das trevas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O agente natural age pela forma pela qual existe, e esta sendo só uma para cada ser, só o ser uno é que age. Porém o agente voluntário, como Deus, segundo o que já antes se viu [8], age pela forma inteligida. Portanto, não repugnando à unidade e à simplicidade de Deus inteligir muitas coisas, como já vimos [9], resulta que Ele, embora seja único, pode fazer muitas coisas.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objecção valeria quanto ao exemplado perfeitamente representativo do exemplar, que se não multiplica senão materialmente; por onde a imagem incriada, que é perfeita, é só uma. Porém nenhuma criatura representando perfeitamente o exemplar pri­meiro, a divina essência, esta pode ser representada por muitas. E contudo, chamando-se às ideias exemplares, à pluralidade das coisas corresponde na mente divina a das ideias.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Nas ciências especulativas, o meio da demonstração, o qual per­feitamente demonstra a conclusão, é só um; mas os meios prováveis são muitos. E semelhantemente, nas operações, não se exige que seja mais de um o meio que leva ao fim, quando esse meio é adequado, para que assim digamos, ao fim. Mas assim não se comporta a criatura com o fim, que é Deus. Por onde, é necessário sejam elas multiplicadas.

(são tomás de aquino, Suma Teológica,)


[1] Q. 11, a. 3.
[2] Q. 44, a. 3.
[3] Q. 44, a. 4.
[4] Q. 44, a. 2.
[5] Metaph., XI, IV.
[6] Q. 50, a. 2, 3.
[7] Q. 45, a. 5.
[8] Q. 19, a. 4.
[9] Q. 15, a. 2.

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