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10/01/2012

Tratado De Deo Trino 56

Art. 8 – Se os nomes essenciais são convenientemente atribuídos ou apropriados às Pessoas pelos santos doutores.

(I Sent., dist. XIV, exposit. litt.; dist. XXXI, q. 2, a. 1; q. 3, a. 1; dist. XXXIV, q. 2; dist. XXXVII q. 1, a. 3, ad 5; De Verit., q. 1, a. 7; a. 3; ad Rom., cap. XI, lect. V; II ad Cor., cap. XIII, lect. III).

O oitavo discute-se assim. – Parece que os nomes essenciais são inconvenientemente atribuídos ou apropriados às Pessoas pelos santos Doutores.

1. – Pois, Hilário diz: A eternidade está no Pai; a beleza, na Imagem; o uso, no Dom [1]. Com cujas palavras introduz três nomes próprios das Pessoas, a saber: o de Pai, o de Imagem, próprio ao Filho, como se disse [2]; e o de Dom, próprio ao Espírito Santo, como se demonstrou [3]. E introduz também três apropriados; pois, a eternidade a apropria ao Pai; a beleza, ao Filho; o uso, ao Espírito Santo. E parece que irracionalmente. Porque a eternidade implica a duração da existência; a beleza, por seu lado, é o princípio do existir; e o uso respeita à operação. Ora, a essência e a operação não vemos que sejam apropriadas a nenhuma das Pessoas. Logo, parecem inconvenientes estes apropriados às Pessoas.

2. Demais. – Diz Agostinho: No Pai está a unidade; no Filho, a igualdade; no Espírito Santo, a combinação da unidade e da igualdade [4]. E parece que inconvenientemente. Pois, uma Pessoa não é formalmente denominada por aquilo que se apropria a outra; assim, o Pai não é sábio por sabedoria gerada, como se disse [5]. Mas no mesmo lugar acrescenta: Todas essas três coisas são uma só por causa do Pai; todas iguais, por causa do Filho; todas conexas, por causa do Espírito Santo. Logo, não se apropriam convenientemente às Pessoas.

3. Ainda. – Segundo Agostinho, ao Pai se atribui o poder; ao Filho, a sabedoria; ao Espírito Santo, a bondade [6]. Mas, isto parece inadmissível. Assim, a virtude é própria do poder; e, entretanto, a Escritura a considera propriedade do Filho, quando diz (1 Cor 1, 24): Cristo, virtude de Deus; e também do Espírito Santo, segundo o lugar (Lc 6, 19): Saía dele uma virtude que curava a todos. Logo, o poder não deve ser apropriado ao Pai.

4. Ainda. – Agostinho diz: Não se devem compreender indiscriminadamente as palavras do Apóstolo – dele, por ele e nele, pois, diz – dele, por causa do Pai; por ele, por causa do Filho; nele, por causa do Espírito Santo [7]. Mas isto parece inconvenientemente dito. Pois, o dizer – nele – parece importar a relação de causa final, que é a primeira das causas. Logo, essa relação causal deveria ser apropriada ao Pai, que é princípio sem princípio.

5. Ainda. – A verdade aparece na Escritura como apropriada ao Filho (Jo 16, 6): Eu sou o caminho e a verdade e a vida. E semelhantemente, o livro da vida, segundo o salmo (Sl 39, 8): Na cabeceira do livro está escrito de mim; o que a Glosa comenta: i. e, junto do Pai, que é a minha cabeça. Do mesmo modo, a expressão – Aquele que é; pois, aquilo da Escritura (Is 65, 1) – Eu me dirijo às nações, diz a Glosa: Fala o Filho, que disse a Moisés: Eu sou quem sou. Ora, parece que esses atributos são considerados próprios ao Filho e não, apropriados. Pois a verdade, segundo Agostinho, é a suma semelhança do princípio, sem nenhuma dissemelhança [8]; e portanto parece que propriamente convém ao Filho, que tem princípio. Também o ser livro da vida parece-lhe próprio, por signi­ficar um ser, de outro, porque todo livro é es­crito por alguém. E enfim, a expressão – Que é – parece própria ao Filho. Porque, se pelas palavras de Moisés – Eu sou quem sou – é a Trindade quem fala, ele poderia também ter dito: Aquele que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo mandou-me para vós. Logo, também a seguir poderia dizer: Aquele que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo mandou-me para vós, declarando uma Pessoa certa. Ora, isto é falso, pois nenhuma Pessoa é Pai e Filho e Espírito Santo. Logo, não pode a referida expressão ser comum à Trindade, mas é própria do Filho.

O nosso intelecto, que parte das criaturas para chegar ao conhecimento de Deus, deve considerá-lo do modo pelo qual as considera. Ora, o exame de qualquer criatura faz­nos descobrir nelas quatro coisas, na ordem seguinte. Primeira, que, considerada absolutamente, é um ser. Segunda, que se manifesta como uma. Terceira, que é dotada de virtude operativa e causal. Quarta, que tem relação com os seus efeitos. Donde o aplicarmos a Deus essa quádrupla consideração.

Por onde, se do primeiro modo considerar­mos Deus absolutamente, no seu ser mesmo, então a apropriação de Hilário significa que a eternidade é apropriada ao Pai; a beleza ao Filho; o uso, ao Espírito Santo.A beleza ou especiosidade tem semelhança com os próprios do Filho. 




Pois, a beleza exige três condições. Primeiro, a integridade ou perfeição; donde vem, que coisas mesquinhas são por isso mesmo feias. Segundo, a proporção devida ou consonância. E, por fim, o esplendor, que nos leva a chamarmos belas às coisas de colorido brilhante. – Ora, pela primeira condição, a beleza tem semelhança com a propriedade do Filho, por trazer o Filho em si, verdadeira e perfeitamente, a natureza do Pai. Por isso, Agostinho, indicando-o, diz na sua exposição: Em quem, i. e, no Filho, está à suma e primeira vida, etc [9]. Pela segunda ela convém com a propriedade do Filho, como imagem expressa do Pai. Por isso chamamos bela à imagem, que representa perfeitamente o seu objecto, embora feio. Ao que alude Agostinho quando diz: Em quem há tão grande conveniência, e a primeira igualdade, etc. [10]. Finalmente, pela terceira, convém com a propriedade do Filho, enquanto Verbo, que é a luz e esplendor do intelecto, no dizer de Damasceno [11]. E a isto alude Agostinho, quando diz: Como Verbo perfeito a quem nada falta, e como arte de Deus omnipotente, etc [12].

Pois eternidade, enquanto significa o ser não principiado, tem semelhança com a propriedade do Pai, de ser princípio sem princípio.



Quanto ao uso, ele tem semelhança com as propriedades do Espírito Santo, tomando-se, o uso em sentido lato, segundo o qual usar compreende em si também o gozar; pois, usar é submeter alguma coisa ao império da nossa vontade; e gozar é usar com prazer, como diz Agostinho [13]. Ora, o uso pelo qual o Pai e o Filho mutuamente se gozam convém com a propriedade do Espírito Santo, enquanto Amor. E a isso se refere Agostinho: Aquela dilecção, aquele prazer, aquela felicidade ou beatitude é chamada uso por ele [14]. Quanto ao uso, pelo qual gozamos de Deus, ele tem semelhança com a propriedade do Espírito Santo, enquanto Dom. E isso o mostra Agostinho quando diz: Na Trindade é o Espírito Santo a suavidade do Gerador e do Gerado, derramando-se sobre nós com grande largueza e fertilidade [15].

Por onde, é claro que a eternidade, a especiosidade e o uso se atribuem ou apropriam às Pessoas; não porém a essência ou a operação. Porque, sendo por natureza comum, não têm nenhuma semelhança com as propriedades das Pessoas.

Pela segunda consideração, vemos que Deus é uno. E assim, Agostinho apropria a unidade ao Pai; a igualdade, ao Filho; a concórdia ou o nexo, ao Espírito Santo. O que tudo manifestamente importa a unidade, mas de modo diferente. Assim, a unidade tem sentido absoluto, nada mais pressupondo. Por isso se apropria ao Pai que não pressupõe nenhuma outra pessoa, por ser princípio sem princípio. Porém a igualdade importa a unidade em relação a outro ser; pois, é igual a outro o ser que tem a mesma quantidade que ele. Por isso a igualdade se apropria ao Filho, princípio com princípio. O nexo, enfim, implica unidade de dois seres. Por isso se apropria ao Espírito Santo, enquanto o Espírito Santo procede das duas Pessoas.

Por onde também podemos entender o dito de Agostinho, que os três são um, por causa do Pai; iguais, por causa do Filho; conexos, por causa do Espírito Santo. Pois, é claro que uma atribuição pertence primariamente ao ser ao qual primeiro convém; assim, dizemos que todos os seres inferiores vivem, pela alma vegetativa, na qual primeiramente se encontra a essência da vida deles. A unidade, por seu lado, imediatamente existe na Pessoa do Pai, mesmo se, por impossível, fossem removidas as outras Pessoas. Por isso as outras Pessoas recebem do Pai a unidade. Mas, removidas elas, não existe no Pai a igualdade, a qual imediatamente aparece, reposto o Filho. Por isso, todos se consideram iguais por causa do Filho; não que o Filho seja princípio da igualdade do Pai; mas que, se não fosse o Filho igual ao Pai, este não poderia chamar-se igual. Pois, a sua igualdade é primeiramente considerada em relação ao Filho; assim, mesmo o ser o Espírito Santo igual ao Pai vem do Filho. Semelhantemente, excluído o Espírito Santo, nexo das outras duas Pessoas, não poderíamos compreender a unidade de ligação entre o Pai e o Filho. Por isso que são conexos pelo Espírito Santo; pois, posto o Espírito Santo, compreendemos porque o Pai e o Filho podem chamar-se conexos.

Segundo, porém, o terceiro ponto de vista, pelo qual consideramos em Deus a virtude suficiente para causar, tem lugar uma terceira apropriação, a saber, a do poder, da sabedoria e da bondade. Essa apropriação se funda na ideia de semelhança, se levarmos em conta a reali­dade das divinas pessoas; e na ideia de dissemelhança, se levarmos em conta a realidade das criaturas. Assim, o poder tem a natureza de princípio, e por isso tem semelhança com o Pai celeste, princípio de toda divindade. Mas falta, por vezes, ao pai humano, por causa da velhice. A sabedoria, por sua vez, tem semelhança com o Filho celeste, como Verbo, que nada mais é do que o conceito da sabedoria. Falta, porém, às vezes aos filhos dos homens, quando ainda em tenra idade. Por fim, a bon­dade, razão e objecto do amor, têm semelhança com o Espírito divino, que é Amor. Mas parece repugnar ao espírito terreno, por importar um certo impulso violento, conforme diz a Escritura (Is 25, 4): O espírito dos robustos é como um torvelinho que impele uma parede. Quanto à virtude, ela apropria-se ao Filho e ao Espírito Santo, não no sentido em que chamamos virtude à potência mesma de um ser, mas no sentido em que às vezes chamamos virtude ao que resulta da potência desse ser, quando dizemos que um ato virtuoso é a virtude de um agente.

Finalmente, o quarto ponto de vista, pelo qual consideramos a Deus em relação aos seus efeitos, tem lugar a apropriação de quem, por quem e em quem. Pois, a preposição de importa por vezes a relação de causa material, o que não é possível em Deus. Outras vezes, porém, importa relação de causa eficiente; a qual convém a Deus em razão da sua potência activa; e por isso se apropria ao pai, do mesmo modo que a potência. Quanto à preposição por, ela designa às vezes a causa média (instrumental), como quando dizemos que o ferreiro trabalha por meio do martelo. E assim, às vezes a preposição por não é um apropriado, mas próprio do Filho, segundo aquilo da Escritura (Jo 1, 3): Todas as coisas foram feitas por ele; não que o Filho seja instrumento, mas por ser em si princípio com princípio. Outras vezes, porém, a preposição por designa uma relação de forma pela qual o agente opera; como quando dizemos que o artífice opera pela arte. Por onde, como a sabedoria e a arte se apropriam ao Filho, assim também a locução por quem. Enfim, a preposição em denota propriamente a relação de continente. Ora, Deus contém as coisas de duplo modo. De um modo, pelas semelhanças delas; no sentido em que dizemos que as coisas estão em Deus por estarem na ciência dele. E assim a locução – nele mesmo, deve apropriar-se ao Filho. Mas, de outro modo, as coisas estão contidas em Deus, enquanto Deus pela sua bondade as conserva e governa, conduzindo-as ao fim conveniente. E assim a locução em quem se apropria, como a bondade, ao Espírito Santo. Nem é necessário, que a relação de causa final, embora seja esta causa a primeira das causas, se aproprie ao Pai, princípio sem princípio. Porque as Pessoas divinas, das quais o Pai é o princípio, não procedem como tendendo a um fim, pois cada uma delas é o último fim; mas por uma processão natural, considerada como pertencente essencialmente, antes, à potência na­tural.

Quanto ao que se objecta, concernente a outros pontos, devemos responder, que a verdade, pertencendo ao intelecto, como já vimos [16], apropria-se ao Filho, embora não lhe seja própria. Pois a verdade, como dissemos [17], pode ser considerada em relação ao intelecto ou ao objecto. Pois, assim como o intelecto e o objecto, essencialmente considerados, são realidades essenciais e não pessoais, assim também a verdade. Ora; a definição aduzida de Agostinho, é da verdade enquanto apropriada ao Filho. Quanto ao livro da vida, ele importa directamente o conhecimento; mas, indirectamente, a vida, pois é, como dissemos [18], o conhecimento que Deus tem dos que devem alcançar a vida eterna. Por isso se apropria ao Filho, embora a vida se aproprie ao Espírito Santo, por importar um certo movimento interior, convindo assim com o próprio do Espírito Santo, como Amor. Mas ser escrito por outro não é da essência do livro, como tal, mas enquanto produto da arte. Por isso não implica origem, nem é nada de pessoal, mas, apropriado à Pessoa. Quanto à expressão – Que é, ela é apropriada à Pessoa do Filho, não na noção própria dessa expressão, mas como adjunto; a saber, enquanto a fala de Deus a Moisés prefigurava a liberdade do género humano, operada pelo Filho. Contudo, tomado relativamente, poderia referir-se, às vezes, à Pessoa do Filho e então seria tomado em sentido pessoal como por exemplo, se disséssemos: O Filho é o gerado que é, do mesmo modo que o Deus gerado é pessoal. Mas tomado como indefinido, o sentido é essencial. Embora o pronome – este, gramaticalmente falando, diga respeito a uma pessoa certa, todavia qualquer coisa susceptível de designação pode, gramaticalmente falando, ser designada por esse pronome, se bem não seja, por natureza, pessoa; assim, dizemos esta pedra e este asno. Por onde, a essência divina, gramaticalmente falando, enquanto significa e suposta pelo nome de Deus, pode ser designada pelo pronome este, conforme a Escritura (Ex 15, 2): Este é o meu Deus e eu o glorificarei.

SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica,



[1] II de Trin., num. 1.
[2] Q. 35, a. 2
[3] Q. 38, a. 2
[4] I De Doctr. Christ., c.5.
[5] Q. 39, a. 7 ad 2; q. 37, a. 2, arg. 1.
[6] Vide Hug. De S. Vict., de Sacram., l. I, p. II, c. 6, 8.
[7] De Trin., L. VI, c. 10.
[8] De Vera Religione, c. 36.
[9] De Trin., l, VI, c. 10.
[10] De Trin., l, VI, c. 10.
[11] De Fide Orth., l. 1, c. 13.
[12] Loco prox. Cit., 3.
[13] X de Trin., c. 11.
[14] De Trin., l. VI, c. 10.
[15] Loco proxime cit.
[16] Q. 16, a. 1.
[17] Q. 16, a. 1.
[18] Q. 24, a. 1.

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