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15/11/2011

Os actos da lei (ordenar, proibir, permitir e punir) são convenientemente enumerados?


Monólito com o Código de Hamurabi
(aprox. 1700 a.C.), Museu do Louvre.
Hamurabi é mostrado em frente ao trono
do rei Sol Shamash, recebendo dele as leis.
Parece que os actos da lei não foram convenientemente enumerados enquanto se diz que o ato da lei é “ordenar, proibir, permitir e punir”:

1. “Com efeito, toda lei é preceito comum”, como diz o Jurisconsulto (título dado por Santo Tomás à colecção de extractos dos jurisconsultos romanos compilada por ordem de Justiniano). Ora, o mesmo é ordenar e preceituar. Logo, os outros três são supérfluos.
2. Além disso, é efeito da lei que induza os súditos ao bem, como foi dito acima (art. precedente). Ora, o conselho é sobre bem melhor que o preceito. Logo, pertence mais à lei o aconselhar que o preceituar.
3. Ademais, assim como um homem é incitado ao bem pelas penas, assim também o é pelos prémios. Logo, como o punir é posto como efeito da lei, assim também o premiar.
4. Ademais, a intenção do legislador é de tornar os homens bons, como foi dito acima. Ora, aquele que só por medo das penas obedece à lei não é bom; com efeito, “mesmo que alguém, pelo temor servil, que é o temor das penas, faça o bem, não o faz bem”, como diz Agostinho. Logo, punir não parece ser próprio da lei.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Isidoro: “Toda lei, ou permite algo, como: O homem forte peça um prémio. Ou proíbe, como: A ninguém é lícito pedir em casamento uma virgem consagrada. Ou pune, como: Quem cometeu uma morte, seja decapitado”.
Como a enunciação é o ditame da razão segundo o modo de enunciar, assim também a lei segundo o modo de preceituar. Ora, é próprio da razão que induza de algo a algo. Donde, como nas ciências demonstrativas, a razão induz a admitir a conclusão por alguns princípios, assim também induz a admitir o preceito da lei por algo.
Os preceitos da lei dizem respeito aos atos humanos, os quais a lei dirige, como foi dito acima (q.90 a.1, 2; q.91 a.4). São, contudo, três as diferenças dos actos humanos. Como acima foi dito, alguns atos são bons pelo género, que são os actos das virtudes, e a respeito desses, é posto o ato da lei de preceituar ou ordenar; “ordena”, pois, “a lei todos os actos das virtudes”, como se diz no livro V da Ética. Alguns, porém são actos maus pelo género, como os actos viciosos, e a respeito desses cabe à lei o proibir. Alguns, contudo, pelo seu género, são actos indiferentes, e a respeito desses, cabe à lei o permitir. E podem ser ditos indiferentes todos aqueles actos que são ou pouco bons ou pouco maus. Aquilo pelo qual a lei induz a que se lhe obedeça, é o temor da pena, e quanto a isso, é posto o punir como efeito da lei. [i]
Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Como cessar de fazer o mal tem alguma razão de bem, assim também a proibição tem alguma razão de preceito. E de acordo com isso, tomando-se o preceito em sentido largo, universalmente se diz lei, o preceito.
2. Aconselhar não é acto próprio da lei, mas pode pertencer também à pessoa privada à qual não compete fazer a lei. Donde também o Apóstolo, na primeira carta aos Coríntios, ao dar um conselho, disse: “Eu digo, não ao Senhor”. E assim não é posto entre os efeitos da lei.
3. Premiar pode caber a qualquer um, mas punir só pertence ao ministro da lei, por cuja autoridade a pena é cominada. E assim o premiar não é posto como acta da lei, mas só o punir.
4. Pelo fato de alguém começar a habituar-se a evitar o mal e a realizar o bem por causa do medo da pena, às vezes é levado a fazê-lo de modo prazenteiro e por vontade própria. E de acordo com isso, a lei também, ao punir, leva a que os homens sejam bons.

Suma Teológica I-II, q.92 a.2)



[i] [Nota: As categorias do “preceituado”, “proibido” ou simplesmente “permitido” são com frequência contestadas em nossa época, em nome de uma moral personalista subjectivista, na qual o sujeito seria o único senhor de suas escolhas. Baseando a sua moral sobre a racionalidade do agir, S. Tomás mantém a necessidade de referências objectivas, permitindo dizer que tal ato deve ser realizado, proibido ou permitido. Como todo o funcionamento da razão teórica, o da razão prática se estrutura a partir da possibilidade de um conhecimento do ser das coisas, da realidade que é o homem inserido em um ambiente de relações ligadas a seu ser ou impondo-se a ele.]

Novíssimos - Juízo Particular 9

Julgamento de Fernando – sacerdote [i]

Não obstante todos os avisos de Jácome o sacristão, Fernando resolvera subir à torre sineira para ver qual era o problema com o grande sino que, ultimamente, soava de um modo estranho.
Até chegar ao último patamar da escada em caracol os sucessivos lanços tinham sido ultrapassados sem grande dificuldade.

Agora os seus quase oitenta anos faziam-se sentir no cansaço e, sobretudo, nas dores nas pernas.

Olhou para cima para o que faltava subir até às grossas vigas de madeira que suportavam o carrilhão e pensou que, talvez, fosse melhor desistir. É que o acesso embora de uns escassos quatro ou cinco metros era feito por uma escada de madeira, tipo escada de pedreiro, sem qualquer protecção lateral.

Mas o Padre Fernando era teimoso e como também não queria dar uma satisfação ao sacristão, tão teimoso como ele, decidiu-se a trepar por ali acima.

Devagar e com precaução redobrada lá foi subindo a custo até conseguir chegar ao vigamento.
Dali via bem o grande sino e percebeu logo a causa do tal som estranho: uma massa de paus, musgo, folhas e penas estavam agarradas ao olhal onde o sino se pendurava no grande gancho pendente numa grossa viga de madeira.

Claro! Uma coruja resolvera fazer ali o ninho! Como era possível!

A coisa parecia fácil de resolver e, em equilíbrio instável lá caminhou pelo vigamento até ao grande sino.
Com uma ripa de madeira que ali esta abandonada deu uma pancada forte no ninho da coruja para o derrubar.

A coruja estava no ninho - pois claro, era dia - e ao sentir o "assalto" ao seu lugar privativo lançou-se num voo picado soltando um pio lancinante.
Apanhado de surpresa o Sacerdote desequilibrou-se e despencou por ali abaixo.

A alma de Fernando sabia muito bem que o extraordinário Ser que estivera a relatar os derradeiros momentos da sua vida era o seu Anjo da Guarda.
Imaginara-o tantas vezes e, agora, face a face, reconhecia que nunca tivera sequer uma pálida imagem da maravilha que contemplava.

O Anjo prosseguia:

"O Fernando foi um Sacerdote muito zeloso do seu ministério, construiu um Centro de Dia para os idosos da sua paróquia, um Dispensário para os doentes pobres, uma Creche infantil, uma capela mortuária condigna, fez melhoramentos de vulto na Igreja, fundou um grupo de Escuteiros e uma Conferência de Vicentinos, criou um grupo coral de gabarito...

O Juiz interrompeu:

"Sim, tudo obras e mais obras de carácter social, sem dúvida meritórias…
Mas...
O seu munus sacerdotal?
Quanto tempo dedicava por dia... por semana ou... mensalmente ao confessionário?
E a atender espiritualmente os jovens que o procuravam?
E quanto tempo dedicava à oração diária?
E o estudo ou mesmo simples leitura dos Textos Sagrados e do Magistério?
E as mortificações sobretudo na comida e bebida?
Sim... parece que o Meu Sacerdote Fernando foi muito activo em obras sociais e um excelente gestor mas..."

Antes que o Anjo pudesse responder uma voz claríssima, cristalina, suave e terna que Fernando atribuiu imediatamente à Santíssima Virgem, fez-se ouvir:

"Todos os anos o Fernando organizava e dirigia uma peregrinação da sua paróquia a Fátima."

O Juiz disse então:

"Como em Caná da Galileia fiz o que me pediu, faça-se agora como a Minha Mãe desejar".
ama, Novíssimos 2011.11.15


[i] Levanta-se a questão da vida para além da morte. É uma das grandes interrogações que alguma vez durante a sua vida o homem se coloca.
É natural porque o ser humano é dotado de espírito, alma, que tem preocupações mais para além do imediatamente sensível.
Para os cristãos a segurança da Fé fá-los compreender que está destinado à eternidade, ou seja, embora o corpo pereça e acabe a vida terrena, a sua alma não morrerá jamais e, naturalmente, tende a voltar para o seu Criador, Deus.
Sim... a lógica propõe o que a fé garante, porque não se concebe o Criador abandonar a criatura a um desaparecimento puro e simples.
O restante do problema é o que se refere ao "destino" da alma e que é "marcado" na conclusão do juízo a que é sujeita pelo próprio Criador, logo que, após a separação do corpo, se apresenta perante Si.
No imaginário livro da vida, ao contrário do que que é mais comum, não existem colunas de "deve" e "haver" onde é feita uma espécie de contabilidade, não! O que existe é uma lista completa dos bens recebidos em vida, os dons, graças, auxílios, inspirações e meios com que o Senhor foi dotando cada um de forma especial e única.
Cada ser humano recebe um "pacote" específico, para si em exclusivo.
Deus Nosso Senhor não dispensa os Seus benefícios adrede ou de uma forma sistemática ou mecânica. Cada ser humano é objecto de atenção exclusiva e única por parte do Criador que lhe concede os Seus dons e benefícios conforme a Sua Soberana Vontade determina.
Esta misteriosa magnitude de Deus tem uma razão de ser.
O homem não é capaz por si mesmo de evoluir, de melhorar sem que um estímulo o leve a tal.
Este estímulo surge exactamente no estreitamento das suas relações com Deus.
Quanto mais se relaciona mais recebe e, quanto mais se recebe mais se deseja intimar com Deus.
Por isso no Evangelho consta «àquele que tem, lhe será dado; e ao que não tem, ainda aquilo mesmo que julga ter, lhe será tirado» Lc 8, 16-18.

Para chegar a Deus, o caminho seguro, é Maria Sua e nossa Mãe! 

Sancta Maria iter para tutum! (Santa Maria, prepara-me um caminho seguro)

Zombaria

Reflectindo





A zombaria é o golpe mais certeiro que podes infligir a Satanás, pois ele, que é de uma seriedade mortal, tem horror da zombaria; logo será compelido a afastar-se.









(tadeus dajczer, Meditações sobre a Fé, Paulus, 4ª Ed., pg. 106)

Música e repouso

 Bach: Coro "Lasset uns den nicht zerteilen", BWV 245/54


selecção JMA

Felicidade


A santidade, meus filhos, traz consigo – não o esqueçais – a felicidade na terra, ainda eu não meio de todas as contradições; e disto bastantes dos vossos irmãos têm uma experiência intensa.


Porque – digo-vo-lo – continuamente – se quereis ser felizes, sede santos, se quereis ser mais felizes, sede mais santos; se quereis ser muito felizes sede muito santos.

(s. josemaria, Meditação, 25.12.1968)

Evangelho do dia e comentário

 São Alberto Magno [i]












T. Comum– XXXIII Semana




Evangelho: Lc 19, 1-10

1 Tendo entrado em Jericó, atravessava a cidade. 2 Eis que um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos publicanos e rico, 3 procurava conhecer de vista Jesus, mas não podia por causa da multidão, porque era pequeno de estatura. 4 Correndo adiante, subiu a um sicómoro para O ver, porque havia de passar por ali. 5 Quando chegou Jesus àquele lugar, levantou os olhos e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, porque convém que Eu fique hoje em tua casa». 6 Ele desceu a toda a pressa, e recebeu-O alegremente. 7 Vendo isto, todos murmuravam, dizendo: «Foi hospedar-Se em casa de um homem pecador». 8 Entretanto, Zaqueu, de pé diante do Senhor, disse-Lhe: «Eis, Senhor, que dou aos pobres metade dos meus bens e, naquilo em que tiver defraudado alguém, restituir-lhe-ei o quádruplo». 9 Jesus disse-lhe: «Hoje entrou a salvação nesta casa, porque este também é filho de Abraão. 10 Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido».

Comentário:

Procurar Jesus Cristo é o que devem fazer todos os homens. Os cristãos sabem que Ele anda pelos caminhos da terra, a cada passo Se cruza connosco, que está sempre presente nas nossas vidas.
Mas não Se impõe, nunca!
Respeitando a liberdade que nos outorgou espera sem descanso que vamos ter com Ele.

Em muitas zonas deste mundo em que vivemos não é possível procurá-lo às claras, isto é, ir ter com Ele onde está fisicamente no Seu Corpo, Alma e Divindade oculto sob as espécies do pão. Corre grande risco – às vezes da própria vida – quem o faz arrostando com todas as dificuldades.

E nós?
Não somos, acaso, felizes por O ter disponível, permanentemente, em da Igreja da nossa terra?
E vamos ter com Ele?
Ao menos, por breves minutos, fazemos-lhe uma visita de cortesia nem que seja breve, só para Lhe dizer que estamos ali, que O amamos, O adoramos e lhe pedimos por todos aqueles que acima se referem que não podem fazer como nós?

O Supremo Acto de Amor que é a Santíssima Eucaristia não requer um pouco de amor da nossa parte?

(ama, comentário sobre Lc 19, 1-10, 2011.10.17)


[i] Nota Histórica 
Nasceu em Lauingen, junto do Danúbio (Alemanha), cerca do ano 1206. Fez os seus estudos em Pádua e em Paris. Entrou na Ordem dos Pregadores e exerceu o magistério em vários lugares com grande competência. Ordenado bispo de Ratisbona, pôs todo o seu empenho em estabelecer a paz entre os povos e cidades. É autor de muitas e importantes obras, tanto de cultura sagrada como profana. Morreu em Colónia no ano 1280.

Novembro

Navegando pela minha cidade
Em Novembro já estamos plenamente no Outono embora pelas regras do 
movimento dos astros que os homens estudam e sistematizam ele tenha começado já em Setembro. Talvez para dizer aos homens que quem manda são eles (os astros) o mês de Outubro deste ano foi um Verão muito melhor do que em Agosto.

Toda a natureza se vai aos poucos despindo e despedindo num até breve. Convida ao recolhimento e à meditação escatológica porque essa vida abundante, fértil e generosa que a natureza viveu desde a Primavera vai morrendo aos poucos diante de nós num grafismo vegetal de uma plasticidade incontornável.

Não sei, mas talvez seja por isto que a rua que vai direita da Rotunda da Boavista (Praça Mouzinho de Albuquerque) ao portão do cemitério de Agramonte se chame Rua da Meditação.

De facto, quem não meditou sobre a vida e sobre a morte quando teve de entrar por aqueles enormes portões de ferro acompanhando numa imensa dor um familiar ou um amigo que lhe morreu?

Quando assim não acontece. Isto é, quando se vai ao cemitério no dia dos Fiéis Defuntos ou num outro dia qualquer em que a dor não nos cega para tudo que não seja aquele amor ou aquela amizade que perdemos, vêem-se outras coisas que nos foram invisíveis então.

E aí é uma outra espécie de escatologia arquitectónica e literária que se afirma na monumentalidade dos jazigos; na estatuária; nos pensamentos e nas poesias saudosisticas. Tudo de uma maneira geral de fraco gosto estético e sempre assustador. Porque a morte e a eternidade são enormes mistérios. São os grandes mistérios do Homem.

Mas quando fracamente se fala de um grande mistério - ou de um grande amor – súbita e subtilmente ele transforma-se em algo ridículo e motivo de riso. Se não vejamos este tenebroso escrito numa placa de mármore no alto do portão do cemitério da Lapa: “Eis ossos carcomidos cinzas frias / em que parâo da vida os breves dias / Mortal se quanto vês te não abala / Houve a tremenda voz que assim te fala / Lembra-te ó homem que és pó e que destarte / em pó ou cêdo ou tarde hás-de tornar-te”[1]. Por baixo desta frase jazem gravadas em alto-relevo no granito, uma caveira sobre duas tíbias cruzadas e uma ampulheta com asas. É um Tempus fugit[2] na pedra como havia nos mostradores dos relógios antigos.

Ou este pedido gravado de cada lado da porta de um jazigo, num lado em latim e no outro em português: “Lembra-te de mim que fui e já não sou. / Tu que és e não serás”. Parece-se mais com uma ameaça ou uma praga do que com um pedido.

No cemitério de Agramonte, logo à direita de quem entra, uma grande placa de chapa pintada de branco com letras pretas é a demonstração acabada ou o exemplo perfeito da nossa burocracia. Ou seja, avisa o que não seria necessário avisar se os funcionários do cemitério fizessem cumprir o regulamento e a sua proibição desmente-se e desautoriza-se a si própria com a evidência de dezenas e dezenas de gordos e luzidios gatos que ornamentam os jazigos em figuras tão esfíngicas como as de pedra. Ei-la: “NÃO É AUTORIZADO DAR DE COMER AOS GATOS E CÃES VISTO QUE O REGULAMENTO PROÍBE A PRESENÇA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS NO CEMITÉRIO”.

Parece – avant la lettre – a expressão: “uma anedota ordinária contada num enterro”.

Mas tudo isto é à superfície, porque o que fica sempre neste Novembro que vai passando e em que de um modo especial lembro o irmão que morreu no dia 28 é a saudade que às vezes se interroga: e se tivesse sido de outra maneira? E a afirmação que lhe responde: tudo é para bem.

Por coincidência no jornal Público do dia 11 do 11 de 11 a citação do Escrito na pedra foi: A recordação da felicidade já não é felicidade; A recordação da dor ainda é dor.”[3]


Afonso Cabral


[1] Sic
[2] O tempo foge
[3] Lord Byron (1788-1824), poeta inglês