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06/10/2011

O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA (2)

2 – O Sacramento da Penitência



O texto/imagem bíblica que talvez melhor expresse em todas as suas vertentes este sacramento, e a sua importantíssima necessidade para cada cristão, é sem dúvida a Parábola do Filho Pródigo, que podemos ler no Evangelho de São Lucas 15,11-32

Aquele filho tinha tudo, nada lhe faltava, mas mesmo assim decidiu romper a sua relação com o pai e afastar-se dele.
Mesmo assim, o pai com nada lhe faltou, e viu-o partir.
O rompimento dessa relação de amor com o pai, levou-o a uma vida desregrada, a uma vida dissoluta, no fundo a uma vida de pecado.
Essa vida dissoluta, conduziu-o inevitavelmente aos vícios, que retiram a liberdade ao homem, e como tal são causa de intranquilidade, de provações, de desespero.
É isso que o pecado faz no homem, quando o homem nele se deixa cair e viver, aprisionando-o, retirando-lhe a alegria de viver, provocando-lhe ao longo do tempo, mais dor do que prazer.
Mas o filho reflecte, faz um “exame de consciência” e percebe que a vida que leva está errada, não tem sentido, e que só a relação com o pai lhe dá paz, lhe dá mais vida.
Arrependido parte à procura do pai para lhe pedir perdão pelos seus actos.
Mas o pai não fica extático á espera do pedido de perdão do filho. O pai vai também ao encontro do seu filho.
Podemos ver aqui, sem grande esforço a figura do sacerdote, que vai ao encontro daquele que se aproxima do Sacramento da Penitência.
O filho arrependido, já nada exige, a não ser fazer a vontade de seu pai, o que constitui sem dúvida a imagem do propósito de emenda.
Mas o perdão do pai é de tal modo, que lhe abre os braços e volta-o a tratar como o filho querido que sempre foi.
E ao recebê-lo novamente como filho, a liberdade daquele filho é restabelecida, porque a relação de amor verdadeiro é sempre assente na liberdade de cada um.
O perdão de Deus é tão infinito, que pelo Sacramento da Penitência, a reconciliação, a relação com Deus, é de imediato restabelecida em toda a sua dimensão de eterno amor.
Era assim necessário que aquele filho procurasse o pai arrependido, mas era também necessário que o pai viesse ao encontro do filho, para o perdoar e acolher.



A Igreja, sobretudo no Concílio de Trento, apresenta como fundamento principal da instituição do Sacramento da Penitência o texto bíblico do Evangelho de São João 20,22-23
«Em seguida, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos.»



O texto é tão claro, tão preciso, que parece, (e é sem dúvida), uma resposta àqueles que afirmam que o Sacramento da Penitência não é necessário, pois se “confessam” directamente a Deus.



Deus quis instituir este sacramento assim, servindo-se dos homens, porque Ele mesmo, na pessoa de Jesus Cristo, se quis encontrar com os homens, num contacto directo, através dos sinais e linguagens da condição humana, quis viver como nós e passar pelas mesmas condições que nós, excepto o pecado.



Como nos diz o Arcebispo Bruno Forte, numa Carta Pastoral à Igreja de Chieti-Vasto para o Advento de 2005, sobre O Sacramento da Penitência:
«Como Ele saiu de si mesmo por nosso amor e veio “tocar-nos” com a sua carne, assim nós somos chamados a sair de nós mesmos por seu amor e ir com humildade e fé ter com quem pode dar-nos o perdão em seu nome mediante a palavra e o gesto.
Somente a absolvição dos pecados, que o sacerdote nos dá no Sacramento, pode comunicar-nos a certeza interior de sermos verdadeiramente perdoados e acolhidos pelo Pai que está nos Céus, porque Cristo confiou ao ministério da Igreja o poder de ligar e desligar, de excluir e de admitir na comunidade da aliança. (cf Mt 18,17)»



Com efeito, como podemos nós aferir se determinado comportamento é pecado ou não, se verdadeiramente na nossa consciência temos dúvidas?
A nossa consciência é “moldável” perante tantas circunstâncias, que neste caso concreto da nossa relação com Deus, (ou do rompimento dessa relação da nossa parte), só com algo, ou alguém para além de nós, podemos aferir se aquilo que nos incomoda é realmente pecado, e sobretudo e também, podermos ouvir e perceber espiritualmente e fisicamente o perdão de Deus.
É curioso percebermos que, em tantas coisas da nossa vivência da Fé, pedimos sinais visíveis, palpáveis, e no entanto, em algo tão importante e imprescindível para a vivência dessa Fé, que é a nossa relação com Deus que dá sentido a essa Fé, queremos prescindir dos sinais visíveis e palpáveis que o próprio Deus nos concede.



Só na celebração do Sacramento da Penitência perante o sacerdote que nos ouve e connosco fala, o mesmo sacerdote nos pode ajudar a percebermos a dimensão total do nosso pecado, a necessidade do nosso arrependimento e nos conduzir, não só ao perdão de Deus, mas à consciência do perdão a nós mesmos e aos outros.
Muito mais ainda isto é verdade, se nos lembrarmos que a Igreja nos ensina que o sacerdote no Sacramento da Penitência é pessoa de Cristo, ou seja, nos estamos a confessar verdadeiramente a Jesus Cristo.



É importante percebermos que não é o sacerdote que nos concede o perdão dos nossos pecados, mas sim, pela autoridade de Cristo em que está investido, é o próprio Deus que nos perdoa.



Aliás, a confissão dos pecados, no Sacramento da Penitência, não dá origem a um “julgamento”, nem o sacerdote é um “juiz” que vai aferir do “tamanho” dos nossos pecados, mas apenas nos vai colocar perante a realidade das nossas faltas e ajudar-nos a compreender como é necessário, para além do perdão de Deus que nos leva à reconciliação com Ele, o perdão a nós próprios, porque tantas vezes ao falharmos, nos julgamos com demasiada severidade, o que por sua vez, nos conduz a uma vergonha interior que nos retira a paz.



Leva-nos também a perceber a necessidade de pedirmos perdão a quem ofendemos, e a perdoarmos a quem nos ofendeu, para que em nós seja uma realidade o que rezamos no Pai Nosso: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos».


A nossa coroação 6

Para lá do Túnel
.- Por isso se diz que só há duas classes de pessoas: as que dizem a Deus: 
“Faça-se a Tua vontade”, e aquelas a quem é Deus que lhes diz no último instante: “Faça-se a tua vontade”. Todos os que estão no inferno assim o decidiram. Sem esta auto-eleição não poderia existir o inferno. Nenhuma alma que deseje a felicidade séria e constantemente a perderá. O que não se pode fazer é jogar com dois baralhos, com o Senhor.


.- Sem a oração não há salvação possível. Santo Afonso Maria Ligorio dizia: “O que reza, certamente salva-se; o que não reza, condena-se.  Todos os condenados se condenaram porque não fizeram oração; se tivesse orado com constância, ter-se-iam salvo”. A sensu contrario é sabido que: O homem que nunca cessa de pedir a graça da sua salvação, está seguro de que irá para o céu.

Juan del Carmelo, trad ama

Derrocada

Há mais de uma hora que não fazia o mais leve movimento. Nem podia… a enorme viga de cimento que lhe esmagava as pernas tinha-o preso como num torno.
Fora tudo tão rápido! Ao ruído da explosão seguira-se o desmoronamento do edifício e não tivera tempo para um “ai”. Não fazia a menor ideia de quanto tempo estivera desacordado depois do choque brutal que o prostrara, mas, decerto, teriam sido uns largos minutos porque a poeira espessa que envolvera tudo à sua volta já se tinha dissipado e agora era como que uma segunda pele que o cobria completamente. Tentara limpar os olhos mas o ardor fora insuportável e desistira. Não lhe restava outra coisa que quedar-se imóvel à espera de algum socorro.
Não sabia o que acontecera, nem e lembrava bem dos momentos antes da violentíssima explosão, de resto, isto não lhe interessava para nada a sua preocupação resumia-se a ser encontrado por alguma equipa de socorro, os bombeiros…

Há pouco parecera-lhe ouvir vozes e quis gritar por socorro mas, da sua garganta não saiu um som sequer.

Sim, haveriam de dar com ele, disso não tinha dúvidas mas, à medida que o tempo passava começou a ”empreender”, como dizia a criada velha dos seus pais, o que é que isso adiantaria. Sim, com as pernas, que não sentia, esmagadas e irremediavelmente perdidas, passaria o resto dos dias a viver como um destroço humano dependente dos outros para as mais pequenas necessidades. 

E… isso… seria vida?
Não, decerto que não! Aos quarenta e três anos… que vida seria a sua?
Talvez fosse melhor que não o encontrassem!
Sim… talvez… mas, também, morrer ali de inacção, desidratado, debaixo de um choque traumático tremendo… não era, decididamente, uma solução animadora.

De vez em quando varria-se-lhe o pensamento e ficava como que apático, sem pensar nem sentir nada, numa tontura que o avassalava por completo. A vida passava-lhe como um documentário de notícias rápidas e um pouco desfocadas com pouca ou nenhuma ligação entre umas e outras. Os rostos das pessoas pareciam-lhe como as fotografias dos filhos pequenos das celebridades que as revistas de sociedade publicavam distorcidas com o intuito, dizia-se, de dificultarem a identificação por possíveis sequestradores em busca de resgates chorudos. Os ambientes apareciam todos com cores esfumadas e esbatidas como se tivessem ocorrido há mais de cem anos. Um nevoeiro… isso… era um nevoeiro que tudo cobria de disfarçava.
Por cima de si. Tanto quanto conseguia a perceber-se, estava uma amálgama de tijolos, cimento e pedras fazendo como que uma estranha abóbada sobre o pequeno buraco onde jazia. A viga de cimento parecia ser o esteio de tudo aquilo e, conseguiu pensar, que se os socorristas tentassem movê-la tudo aquilo se despenharia sepultando-o de vez, irremediavelmente.

O que é que se faz numa situação destas?

Não lhe ocorria outra coisa que não fosse: preparar-se para morrer.

Mas como é que isso se faz? Como é que uma pessoa sepultada viva debaixo de uma mole de escombros se prepara para morrer?
Ocorreu-lhe que, talvez fosse bom rezar qualquer coisa. Mas… o quê?
Nunca tinha ligado a “essas coisas” de rezar, Igreja etc. Agora, aflito como estava, é que se lembrava de rezar?
E… Deus… que havia de pensar? Então, tu, que nunca te lembraste de Mim, agora que estás nessa situação é que me invocas! Mas, Eu, não te conheço! Como posso conhecer-te se tu nunca quiseste privar comigo?
Esta “posição” de Deus era, no seu ponto de vista, lógica e absolutamente coerente.
E, depois, rezaria o quê, isto é, como é que se reza?
Pois claro, tinha ido várias vezes à Igreja nos Baptizados dos sobrinhos, no casamento de amigos, nos funerais dos pais… mas isso foram circunstâncias sem nenhum significado especial, faziam parte da “vida social” e como cerimónias habituais e correntes.
Bom… havia o Pai-Nosso… mas não se lembrava como era e parecia-lhe uma oração enorme com imensas palavras difíceis de recordar.
Uma deslocação súbita vez cair sobre ele uma chuva de detritos e pensou que seria o fim, mas não, ficou-se por ali. O que seria? Um simples movimento dos escombros ou alguém que andaria a escavar à sua procura?
Há… pois… ninguém deveria andar à sua procura pelo simples facto de que ninguém sabia que ali estava. Chegara já de noite à velha casa dos pais e, seguramente, ninguém sabia que ele ali estava. Davam-no em França… ou seria na Alemanha… para onde emigrara há mais de vinte anos. Sim, agora lembrava-se de ter aberto a porta de entrada perra de anos sem serventia e ter acendido o isqueiro para ver alguma coisa na escuridão. A explosão fora imediata. Como era possível que, tantos anos abandonada, a casa ainda conservasse no seu interior uma tão grande acumulação de gás da botija completamente enferrujada?
Sim, no lugarejo próximo, uma explosão àquela hora da noite numa vivenda abandonada não faria sair ninguém de casa para ver o que passava. Coisas de marginais, haveriam de pensar…
Neste “dormir acordado” com intervalos de completa inconsciência, tinham-se passado mais de trinta minutos contados pelo relógio que continuava no pulso a trabalhar como se nada se tivesse passado.

Lembrou-se da última vez que visitara a mãe ainda com vida… há tantos anos…
A pobre mulher sem notícias do filho emigrado há tanto tempo, quase sucumbira de alegria e não descansou enquanto não a levou a Fátima a agradecer – dizia ela – tê-lo podido beijar e abraçar de boa saúde.
No seu espírito passaram as imagens impressionantes de centenas de milhares de velas acesas e um imenso coro e vozes a cantar o “Avé”
E, então, subitamente, como se fosse a coisa mais natural, começou a trautear com voz sumida:

“A treze de Maio, na Cova de Iria, apareceu brilhando…”

Mais uns detritos caíram sobre ele e um rosto iluminado por uma lanterna apareceu numa nesga entre os destroços.
Ouviu gritar:

“Pessoal… está aqui… está vivo…”

ama, Carvide 2011.09.11

Princípios filosóficos do cristianismo

A Fé e a Razão

Filósofo
Rembrandt
Mas se a fé necessita da razão, esta recebe boa ajuda da fé, a qual recebe boa ajuda da fé, a qual contribui para a purificar das suas imperfeições e limites, que se devem no homem às consequências do pecado original, e elevação a horizontes insuspeitados. Que mudança experimentou a filosofia de Aristóteles que conhecia Deus como mero motor que se limita a impelir as outras substâncias, mas que desconhecia Deus como criador! Em Aristóteles o ser é a essência que, como forma, sela e define a matéria-prima.
São Tomás supera radicalmente esse esencialismo da forma numa concepção do ser que se baseia fundamentalmente no conceito de participação: o ser da criatura é um ser recebido de deus e em permanente comunhão com Ele. Quando a fé, fiz Mondin, anuncia à razão onde está a verdade, então o filósofo sebe em que direcção há-se mover-se. E é então quando corresponde à filosofia demonstrar a verdade conhecida com a sua metodologia autónoma. A filosofia deveria justificar por si mesma o que conheceu a partir da fá. Seguramente, o tema da alma espiritual e imortal, desde o ponto de vista histórico, deve mais à luz da fé que à luz da razão, se bem que seja uma verdade que há-de demonstrar-se também no campo da razão.

(jose ramón ayllón, trad. ama)

Textos de São Josemaria Escrivá


“Deus não te arranca do teu ambiente”

Deus não te arranca do teu ambiente, não te tira do mundo, nem do teu estado, nem das tuas ambições humanas nobres, nem do teu trabalho profissional... mas, aí, quer-te santo! (Forja, 362)

Convencei-vos de que a vocação profissional é parte essencial e inseparável da nossa condição de cristãos. O Senhor quer que sejais santos no lugar onde estais e no trabalho que haveis escolhido pelas razões que vos aprouveram: pela minha parte, todos me parecem bons e nobres – desde que não se oponham à lei divina – e capazes de ser elevados ao plano sobrenatural, isto é, enxertados nessa corrente de Amor que define a vida de um filho de Deus. (...). 
Temos de evitar o erro de considerar que o apostolado se reduz ao testemunho de algumas práticas piedosas. Tu e eu somos cristãos, mas, ao mesmo tempo e sem solução de continuidade, cidadãos e trabalhadores, com obrigações bem nítidas que temos de cumprir exemplarmente, se deveras queremos santificar-nos. É Jesus Cristo que nos estimula: Vós sois a luz do mundo. (Amigos de Deus,  60–61).

Deus entra na composição dos outros seres?

Tratado De Deo Uno


Questão 3: Da simplicidade de Deus

Art. 8 — Se Deus entra na composição dos outros seres.

(I Sent., dist. 8, q. 1, a. 2; Cont. Gent., I, 17, 26, 27; III, 51; de Pot., q. 6, a. 6; De Verit., q. 21, a. 4)

O oitavo discute-se assim. — Parece que Deus entra na composição dos outros seres.

1. — Pois, Dionísio diz:  Ser de todas as coisas é o que, além de existir, é a divindade [i]. Ora, tal ser entra na composição do ser individual. Logo, Deus entra na composição dos outros seres.

2. Demais. — Deus é forma, como o diz Agostinho: O verbo de Deus (que é Deus) é forma não informada [ii]. Ora, a forma faz parte do composto. Logo, Deus é parte dos seres compostos.

3. Demais. — Coisas que existem e de nenhum modo diferem são idênticas. Ora, Deus e a matéria-prima, em nada diferindo entre si, são absolutamente idênticos. Mas, como a matéria-prima entra na composição de todos os seres, o mesmo há-de dar-se com Deus. — Prova da média. Seres diferentes hão-de diferir por certas diferenças; logo, hão de necessariamente ser compostos. Ora, Deus e a matéria-prima são absolutamente simples; portanto, de nenhum modo diferem.

Mas, em contrário, Dionísio:  Não há nele  (em Deus) contacto nem qualquer comunhão por onde vá de mistura com partes [iii].

SOLUÇÃO. — Três erros se cometeram neste assunto. Uns ensinaram ser Deus a alma do mundo, como se lê em Agostinho [iv]; e a ele se reduzem os que disseram ser Deus a alma do primeiro céu. — Outros, porém, afirmaram ser ele o princípio formal de todas as coisas, e tal se diz ter sido a opinião dos Almarianos. — E o terceiro erro foi o de Davi de Dinant, concebendo estultissimamente Deus como matéria-prima. — Ora, todas estas doutrinas são falsas, pois de nenhum modo é possível que Deus entre na composição de qualquer ser, nem como princípio formal, nem como material. — Primeiro, porque, consoante ficou dito [v], Deus é a causa eficiente primeira. Ora, a causa eficiente não coincide numericamente com a forma de seu efeito, mas só especificamente; assim, um homem gera outro. A matéria, porém, não coincide com a causa eficiente, nem numérica nem especificamente, pois é potencial, e esta actual. — Segundo, porque sendo Deus a causa eficiente primeira, é-lhe próprio, primária e essencialmente o agir. Ora, o que faz parte da composição de um ser não é agente primário e essencial; pois é, antes, o composto que age. Assim, não é a mão que age, mas, o homem, por meio dela; e o fogo aquece pelo calor. Logo, Deus não pode fazer parte de nenhum composto. — Terceiro, porque nenhuma parte do composto pode ser, absolutamente, a primeira entre os seres; nem, portanto, a matéria e a forma que são as partes primeiras dos compostos. Pois, aquela é potencial, e a potência é, em si mesma, posterior ao ato, como do sobredito resulta [vi]. A forma, por seu lado, como parte do composto, é participada. Ora, como o participante é posterior ao ser que existe por essência, assim também o é o próprio participado. P. ex., o fogo, matéria ígnea, é posterior, ao que é fogo por essência. Ora, já demonstramos que Deus é o ser absolutamente primeiro [vii].

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A divindade é chamada ser de todos os seres, efectiva e exemplarmente, e não, por essência.

RESPOSTA A SEGUNDA. — O verbo é forma exemplar; mas não é forma como parte de um composto.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os seres simples, ao contrário dos compostos, não diferem entre si senão pelo que são. Assim, o homem e o cavalo diferem entre si, por ser aquele racional e este irracional; mas essas diferenças não mais diferem entre si, por outras. Por onde, em rigor de expressão, não se dirá propriamente — diferem, mas — são diversos. Pois, segundo o Filósofo [viii], a palavra — diverso — se emprega em sentido absoluto; ao passo que todo ser diferente de outro, difere por alguma coisa. Por isso, rigorosamente falando, a matéria-prima e Deus não diferem, mas são diversos entre si. Donde, não se segue que sejam idênticos.


[i] Cael. Hier., cap. 4.
[ii] Serm. Ad Popul., 117 (al. De Verbis Dom., 38)
[iii] de Div. Nom., cap. 2.
[iv] VII de Civitate Dei, c. 6
[v] Q. 2, a. 3.
[vi] Art. 1.
[vii] Q. 2, a. 3.
[viii] X Metaphys., c. 3

Evangelho do dia e comentário













T. Comum– XXVII Semana




Evangelho: Lc 11, 5-13

5 Disse-lhes mais: «Se algum de vós tiver um amigo, e for ter com ele à meia-noite para lhe dizer: Amigo, empresta-me três pães, 6 porque um meu amigo acaba de chegar a minha casa de uma viagem e não tenho nada que lhe dar; 7 e ele, respondendo lá de dentro, disser: Não me incomodes, a porta está agora fechada, os meus filhos e eu estamos deitados; não me posso levantar para tos dar; 8 digo-vos que, ainda que ele não se levantasse a dar-lhos por ser seu amigo, certamente pela sua impertinência se levantará e lhe dará tudo aquilo de que precisar. 9 Eu digo-vos: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. 10 Porque todo aquele que pede, recebe; quem procura, encontra; e ao que bate, se lhe abrirá. 11 «Qual de entre vós é o pai que, se um filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, em vez de peixe, lhe dará uma serpente? 12 Ou, se lhe pedir um ovo, porventura dar-lhe-á um escorpião? 13 Se pois vós, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celestial dará o Espírito Santo aos que Lho pedirem».

Comentário:

A tua verdade disse que, se chamássemos, seríamos atendidos, se batêssemos à porta, ser-nos-ia aberta, se pedíssemos, ser-nos-ia dado: ó Pai eterno, os teus servos clamam-te misericórdia. Responde-lhes, pois. Porque eu sei que a misericórdia te pertence e, por isso, não a podes recusar a quem ta pede. Batem à porta da tua verdade porque é na tua verdade, no teu Filho (Jo 14,6), que conhecem o amor inefável que experimentas para com o homem. É por isso que batem à porta. E é por isso que o fogo da tua caridade não poderá, não pode não abrir àqueles que batem com perseverança.    
Abre, pois, dilata, quebra os corações endurecidos daqueles que criaste - se não for por causa dos que não batem, que seja ao menos pela tua bondade infinita e por amor dos teus servos que batem à tua porta em favor dos outros. Atende-os, Pai eterno... Abre a porta da tua ilimitada caridade que veio até nós pela porta do Verbo. Sim, eu sei que tu abres mesmo antes de nós batermos porque é com a vontade e com o amor que lhes deste que os teus servos batem e te chamam, para tua honra e para a salvação das almas. Dá-lhes, pois, o pão da vida, isto é, o fruto do sangue do teu Filho único.

(santa catarina de sena, doutora da Igreja, co-patrona da Europa, Os Diálogos, cap. 134)