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21/12/2011

Tratado De Deo Trino 46

Art. 2 – Se o Pai e o Filho amam-se pelo Espírito Santo.

(I Sent., dist. XXXII, q. 1; De Pot., q. 9, a. 9 ad 13).

O segundo discute-se assim. – Parece que o Pai e o Filho não se amam pelo Espírito Santo.

1. – Pois, Agostinho prova que o Pai não é sábio por sabedoria gerada [1]. Ora, como o Filho é sabedoria gerada, assim o Espírito Santo é Amor procedente, como já se disse [2]. Logo, o Pai e o Filho não se amam pelo Amor procedente, que é o Espírito Santo.

2. Demais. – Quando se diz – o Pai e o Filho se amam pelo Espírito Santo – o verbo amar é tomado em sentido essencial ou nocional. Ora, tal proposição não pode ser verdadeira se for o verbo tomado essencialmente, porque então, por idêntica razão, poderíamos dizer, que – o Pai intelige pelo Filho. Nem se for tomado nocionalmente pois, ainda pela mesma razão, poderíamos dizer, que – o Pai e o Filho espiram pelo Espírito Santo – ou que – o Pai gera pelo Filho. Logo, de nenhum modo esta proposição é verdadeira – o Pai e o Filho amam-se pelo Espírito Santo.

3. Demais. – Pelo mesmo amor o Pai ama ao Filho, a si e a nós. Ora, ele não se ama pelo Espírito Santo, pois nenhum acto nocional se reflecte sobre o princípio desse acto; assim não se pode dizer, que o Pai se gera ou se espira. Logo, também não se pode dizer que se ama pelo Espírito Santo, tomado amar em sentido nocional. Demais, o amor com o qual nos ama não é o Espírito Santo, porque, importando relação com a criatura, pertence à essência. Logo, também é falsa a proposição – o Pai ama ao Filho pelo Espírito Santo.

Mas, em contrário, diz Agostinho, que pelo Espírito Santo é que o Gerado é amado do Gerador, e ama ao seu Gerador [3].

Quando se diz – o Pai ama ao Filho pelo Espírito Santo – causa dificuldade o emprego do ablativo causal, parecendo que o Espírito Santo é o princípio de se amarem o Pai e o Filho, o que é absolutamente impossível. Por isso certos consideram falsa a proposição – o Pai e o Filho amam-se pelo Espírito Santo. E dizem, que Agostinho a retratou quando retratou a sua semelhante – o Pai é sábio por sabedoria gerada. – Outros porém a consideram como proposição imprópria e dizem que deve ser entendida: o Pai ama o Filho pelo Espírito Santo, i. e, pelo amor essencial, próprio do Espírito Santo. – Outros ainda disseram que o ablativo, no caso vertente, exprime um sinal, sendo o sentido – o Espírito Santo é sinal de que o Pai ama o Filho – deste procedendo aquele como Amor. – Ainda outros consideraram o ablativo como significando causa formal; pois, o Espírito Santo é o amor pelo qual o Pai e o Filho formalmente entre si se amam. – E outros, enfim, consideraram o ablativo como exprimindo um efeito formal. E estes são os que mais se aproximaram da verdade.

Ora, para evidenciar a questão devemos saber que, denominando-se as coisas comummente pelas suas formas – p. ex., o branco, pela brancura, o homem, pela humanidade – tudo aquilo que for causa da denominação de uma coisa está para com ela na relação de causa formal. Assim, dizendo – tal pessoa está vestida pela sua vestimenta, este ablativo, embora não seja formal, exerce a função de causa formal. Ora, uma coisa pode ser denominada pelo que dela procede; não só como o agente, pela acção, mais ainda pelo termo mesmo da ação, que é o efeito, quando este se inclui no conceito da acção. Assim dizemos que o fogo aquece pela calefacção, embora esta não seja calor, que é forma do fogo, mas acção procedente do fogo; e dizemos que a árvore está florida pelas flores, embora estas não sejam a forma daquela, mas efeitos procedentes. E por isso devemos dizer, que amar, em Deus, tendo duas acepções, a essencial e a nocional, na essencial o Pai e o Filho não se amam pelo Espírito Santo, mas, pela sua essência. Donde o dizer Agostinho: Quem ousará afirmar que o Pai não se ama a si mesmo, ao Filho e ao Espírito Santo, sem ser pelo Espírito Santo? [4] E neste sentido são procedentes as primeiras opiniões. Porém, nocionalmente falando, amar não é senão espirar o amor, como dizer é produzir o verbo, e florir, produzir flores. Pois, assim como dizemos que a árvore está florida, pelas flores, também dizemos que o Pai é dicente de si e da criatura, pelo Verbo ou pelo Filho; e que o Pai e o Filho se amam a si e a nós pelo Espírito Santo ou pelo Amor procedente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Dizemos que Deus é sábio ou inteligente só em sentido essencial; e por isso não podemos dizer que o Pai é sábio ou inteligente, pelo Filho. Mas amar dele predicamos não só essencial, mais ainda nocionalmente. E, então podemos afirmar que o Pai e o Filho se amam pelo Espírito Santo, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando o conceito de uma acção importa um efeito determinado, o princípio da acção pode receber a sua denominação da acção e do efeito; assim, podemos dizer que a árvore está florida pelo florescimento e pelas flores. Mas, quando não importa um efeito determinado, então o princípio da acção não pode ser denominado pelo efeito, mas só por ela; assim, não dizemos que a árvore produz a flor pela flor, mas, pela produção da flor. Ora, quando digo espira ou gera isso importa somente um acto nocional; e daí o não podermos dizer que o Pai espira pelo Espírito Santo, ou gera pelo Filho. Mas podemos afirmar que o Pai diz pelo Verbo, como por Pessoa procedente, e diz por dicção, como por acto nocional, porque dizer importa uma determinada pessoa procedente, pois, é produzir o verbo. E semelhantemente, amar, em sentido nocional, é produzir o amor. Portanto, podemos dizer que o Pai ama ao Filho pelo Espírito Santo, como por Pessoa procedente; e pela própria dilecção, como por acto nocional.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O Pai ama pelo Espírito Santo não só o Filho mas também a si mesmo e a nós. Pois, como acaba de ser dito [5], amar, nocionalmente, não só importa produção de Pessoa divina, mas ainda, a Pessoa produzida pelo amor, a qual tem relação com a coisa dilecta. Por onde, assim como o Pai se diz a si e a toda criatura; assim, ama-se a si e a toda criatura, pelo Verbo que gerou, enquanto o Verbo gerado suficientemente representa o Pai e toda criatura; assim, ama-se a si e a toda criatura pelo Espírito Santo, enquanto este procede, como amor, da bondade primeira, pela qual o Pai ama a si e a toda criatura. E assim também é claro, que o Verbo e o Amor procedente importam relação com a criatura, como secundariamente, enquanto a verdade e a bondade divina é princípio de inteligir e de amar toda criatura.

SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica,



[1] VII de Trin., c. 1.
[2] a. 1
[3] VI de Trin., c. 5.
[4] XV de Trin., c. 7.
[5] a. 1

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