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19/11/2011

Visão cristã

Reflectindo

Mesmo o pecado mortal, que converte a alma num repugnante cadáver da Graça, é menos perigoso do que o desalento que acaba por minar a alegria do recomeçar constante nos nossos passos da vida interior. O pecado para os filhos de Deus, para as almas que habitualmente vivem em graça, é um passo em falso, uma queda que as faz levantar com presteza para continuar o caminho da santidade. Pelo contrário, o desalento é um inimigo formidável, que paralisa toda a vibração.
É característico dos espíritos velhos, desses homens «experientes», que em nada vêm o remédio, nem para a sua vida, nem para a do mundo. Temperamentos adocicados e brandos, que necessitam de uma mão férrea que os empurre na ascensão da vida.
Começaram-na porventura com brio; mas uma queda, e outra, e outra...apagaram a luz que os guiava. Na sua vida, só contam experiências negativas, impotência, esterilidade, pequenos fracassos, tentações, descorçoamento. Em tudo vêm impossíveis.
Falta-Lhes a visão cristã da vida: a fé e o sacrifício; e, por isso, todo o trabalho heróico se lhes torna impossível de realizar.
O desalento introduz-se na vida interior quando as almas, levadas ao começo pela consolação do sentimentalismo, sentem que se apaga a chama da devoção sensível sem falsas apreciações, erros funestos da inteligência o que impede progresso interior. A suavidade de que se cercava a presença de Deus nos começos - pequenos presentes que Deus faz a quem Lhe apraz e porque Lhe apraz, e que nada revelam acerca do progresso de uma alma - dever tornar-se uma «presença» de vontade, que pede esforços e estratagemas humanos para se ter Cristo diante dos olhos.
E não sabem fazer isso por erro de formação.
Abomina tu essas devoçõezinhas sentimentalóides, pela falsidade que encerram. Doutro modo, expões-te a avançar muito lentamente nessa vida cristã, viril, que deves percorrer a ritmo acelerado. Olha que na vida interior não é possível estagnar: ou se avança ou se retrocede. o Amor não admite equilíbrios.
Não podes cansar-te! O desalento da tua alma deve-se a que manténs na tua vida interior a mesma frivolidade que te consome nas obras humanas. Não andes só à superfície; penetra, aprofunda na tua alma com a oração e com o sacrifício, e esquece os sentimentalismos.
Toda a noite se tinham afadigado os companheiros de Pedro, tentando pescar nas águas de Genesaré, e nada tinham conseguido. Mas logo que chegam a terra, antes de serem vencidos pelo cansaço e pelo desânimo, começam a lavar e a remendar aquelas redes vazias, preparando a pesca da noite seguinte. Assim são os homens da Esperança.
Remam com esforço contra a corrente, bendizendo a Deus quando o Céu os favorece, e sem se desalentarem quando se encapelam as ondas do mar.
Que pena ver tantas almas generosas com sede e nostalgia das alturas, mas descorçoadas e abatidas pelo desalento!
Nessas inteligências falta um valor divino que nas coisas humanas é absolutamente necessário: a vida de fé, uma fé sacrificada.
Se falta a fé, em quem poderemos confiar?
Vive a virtude da firmeza, que é a seiva e a vitalidade de todos os teus actos, e curar-se-á a anemia do teu espírito.
Arranca da terra a tua alma - com confiança na bondade divina - esse espantalho, esse fantasma que te assusta e te detém, esse desalento pessimista que te faz levar uma vida de animal burguês.
Com insistência sussurra ele aos teus ouvidos: não vês que não podes? Que isso não é para ti? Não ouves falar de santidade e de heroísmo? De ambição e de guerras?
Sê viril na tua reacção. Olha para Cristo e escuta João e Tiago: «Possumus!» E pela primeira vez, sentirás que em ti reverdeje outra virtude luminosa: a juventude.

(jesus urteaga, O Valor Divino do Humano, Éfeso, 1ª ed., Lisboa 1988, nr. 126)

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