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29/11/2011

Tratado De Deo Trino 24

Questão 32: Do conhecimento das pessoas divinas.

Art. 2 — Se devemos introduzir noções em Deus.
(I Sent., dist. XXXIII, a. 2).

O segundo discute-se assim. — Parece que não devemos introduzir noções em Deus.

— Pois, Dionísio diz: Não devemos ousar afirmar de Deus nada mais do que o que nos foi expresso pelas Sagradas Letras [1]. Ora, a Sagrada Escritura nenhuma menção faz das noções. Logo, não devemos admitir noções em Deus.

Demais. — Tudo quanto dizemos de Deus concerne à unidade da essência ou à Trindade das Pessoas. Ora, nem a esta nem àquela concernem as noções. Pois, das noções nada se predica essencialmente; assim, não dizemos que a paternidade seja sábia ou crie; nem lhes atribuímos propriedades da pessoa, pois não dizemos que a paternidade gere e a filiação seja gerada. Logo, em Deus se não devem introduzir noções.

Demais. — Nos seres simples não devemos introduzir noções abstractas, que sejam princípios de conhecimento; pois, os seres simples a si mesmos se conhecem. Ora, as Pessoas divinas são simplicíssimas. Logo, nelas não devemos introduzir noções.

Mas, em contrário, diz João Damasceno: Reconhecemos a diferença das hipóstases, i. e, das Pessoas, por três propriedades, a saber, a paternal, a filial e a processional [2]. Logo, devemos introduzir em Deus, propriedades e noções.

Prepositivo, atendendo à simplicidade das Pessoas, disse que se não devem introduzir em Deus propriedades e noções; e quando as encontra, expõe o abstracto pelo concreto. E assim como costumamos dizer — Rogo à tua benignidade — i. e, — a ti benigno — assim, quando se fala da paternidade em Deus, entende-se o Deus Padre.

Mas, como já ficou demonstrado [3], não prejudica a divina simplicidade aplicarmos a Deus nomes concretos e abstractos, porque, como inteligimos assim nomeamos. Porque o nosso intelecto, não podendo atingir a simplicidade divina, em si mesma considerada, por isso apreende e nomeia as realidades divinas ao seu modo, i. e, segundo o que descobre nas coisas sensíveis, das quais tira o conhecimento. Ora, para significar as formas simples destas, usamos de nomes abstractos; e para significar as coisas subsistentes, de nomes concretos. E por isso, como já dissemos [4], exprimimos as realidades divinas, pelo concernente à simplicidade, com nomes abstractos; e pelo concernente à subsistência e ao complemento, com nomes concretos. Ora, é necessário exprimir, abstracta e concretamente, não só os nomes essenciais, como quando dizemos divindade e Deus, sabedoria e sábio; mas também os pessoais, como quando dizemos paternidade e pai.

E a isto sobretudo nos obrigam duas razões. A primeira é a instância dos heréticos. Pois, se nos perguntassem, ao confessar-mos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só Deus em três Pessoas, pelo que são um só Deus e pelo que são três Pessoas, do mesmo modo que responderíamos serem um Deus pela essência e pela divindade, assim também devem existir certos nomes abstractos pelos quais possamos responder que as Pessoas se distinguem. E tais são as propriedades ou noções expressas em abstracto, como paternidade e filiação. E assim, em Deus, a essência significa o que é, a Pessoa, quem é, e a propriedade, enfim, pelo que é.

A segunda é que, em Deus, uma Pessoa se refere a duas, a saber, a Pessoa do Pai à do Filho e à do Espírito Santo. Não porém pela mesma relação; porque daí resultaria referirem-se também o Filho e o Espírito Santo ao Pai por uma e mesma relação; e assim como em Deus só a relação multiplica a Trindade, seguir-se-ia não serem duas Pessoas o Filho e o Espírito Santo.

Nem se pode dizer, como queria prepositivo, que assim como Deus de um só modo se refere às criaturas, embora estas diversamente se lhe refiram a ele, assim também o Pai, por uma só relação, se refere ao Filho e ao Espírito Santo, se bem estes se lhe refiram a ele por duas relações. Porque, consistindo a razão específica do relativo em referir-se a outro, necessário é dizer-se, que duas relações não são especificamente diversas se lhes corresponde, por contrariedade, uma só relação; e por isso necessariamente são diversas as relações entre senhor e pai, segundo a diversidade entre filiação e escravidão. Ora, todas as criaturas de Deus se lhe referem por uma só espécie de relação. Porém o Filho e o Espírito Santo não se referem ao Pai pelas relações da mesma natureza; e portanto, o caso não é o mesmo.

Além disso, Deus não tem necessariamente uma relação real com as criaturas, como já dissemos [5]. E de outro lado, não há inconveniente em se multiplicarem nele as relações de razão. Mas no Padre é necessário haver uma relação real que o refira ao Filho e ao Espírito Santo; e daí, segundo a dupla relação do Filho e do Espírito Santo com o Padre, o ser forçoso admitir neste duas relações, que o refiram ao Filho e ao Espírito Santo. Por onde, sendo a Pessoa do padre uma só, é necessário separadamente exprimir as relações em abstracto, chamadas propriedades e noções.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora a Sagrada Escritura não mencione as noções, menciona contudo as Pessoas, nas quais aquelas se compreendem, como abstracto, no concreto.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As noções, em Deus, não significam realidades, mas umas certas razões, pelas quais se conhecem as Pessoas, embora essas noções ou razões nele existam realmente, como já dissemos [6]. Por onde, tudo o que se referir a um acto essencial ou pessoal não se pode predicar das noções, porque isto lhes repugna ao modo da significação. Assim, não podemos dizer que a paternidade gere ou crie, seja sábia ou inteligente. Porém, o que for essencial e não se referir a nenhum ato, mas remover de Deus as condições da criatura, pode-se predicar das noções; e assim pode dizer, que a paternidade é eterna ou imensa, ou predicações semelhantes. Semelhantemente, pela sua identidade real, podem os substantivos pessoais e essenciais ser predicados das noções; e assim podemos dizer: A paternidade é Deus e a paternidade é Pai.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora as Pessoas sejam simples, contudo, sem prejuízo da simplicidade, podem ser expressas em abstracto as razões próprias delas, como dissemos [7].

SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica,




[1] De div. nom., cap. 1.
[2] De Fide Orth., l. III, c. 5.
[3] Q. 3, a. 3, ad 1; q. 13, q. 1, ad 2.
[4] Q. 3, a. 3, ad 1; q. 13, q. 1, ad 2.
[5] Q. 28, a. 1 ad 3.
[6] Q. 28, a. 1.
[7] In corp.

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