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01/01/2012

Porquê se esconde Deus? 1

 “Se não houvesse escuridão,
o homem não notaria a sua corrupção
Pascal.

Porque o Senhor não se apresentou ante o sinédrio já ressuscitado?, Porque não apareceu ante Herodes ou Pilatos mostrando-lhes as suas mãos e  pés chagados? Porque na Eucaristia não surge uma corte celestial de anjos coroada pelo mesmíssimo Senhor no corpo glorioso?  Ante espectáculos semelhantes, figuram-se a perplexidade de Herodes, de Caifás, de Pilatos? Não se teriam caído redondos suplicando misericórdia e, convertidos ao novo Deus, teriam sido os melhores propagadores da nova fé?
Por outro lado as nossas Eucaristias estariam muito concorridas de fiéis: cada vez que o sacerdote consagrasse,   produzir-se-iam prodígios celestiais ante nós confirmando-nos na fé católica. Suspeito que a Igreja experimentaria um novo renascer; os ateus e agnósticos ficariam muito mal colocados e uma nova época se apresentaria à humanidade.

Mas por sorte nada disto se passou. Nada de isto se passará. Porquê?

Sempre me impressionaram aquelas passagens evangélicas em que o Senhor pede discrição aos seus discípulos sobre a sua condição divina; em muitos outros textos Jesus adverte com severidade os que curou milagrosamente que não falem com ninguém sobre a sua cura. Por exemplo, quando ressuscitou a filha de Jairo (Mc 5, 43) Jesus pede que ninguém se inteirasse de semelhante prodígio.
Tanta discrição não é contraditória com a mensagem de Jesus? Porquê calar o que, por outro lado, se anuncia?

Diz Fabrice Hadjadj que Deus joga às escondidas connosco. Não estou muito seguro de que seja assim. Imaginemo-nos um Deus que se mostra em todo o seu esplendor ou, pelo menos, num esplendor que o homem possa suportar. Uma situação destas,  obrigaria o homem a crer nele. Como não crer num Deus que se nos apresenta em cada Eucaristia sob as modestas espécies de pão e vinho, mas no  grande Deus nas manifestações perceptíveis pelos nossos sentidos?

Um Deus assim impor-se-ia à nossa consciência pela força da sua glória, pelo seu poder inabarcável, todo-poderoso. Este Deus submeteria o homem à sua magnificência e o homem, atazanado por um Deus resplandecente, ver-se-ia encadeado na sua luz. Com efeito, todos creríamos, o poder de Deus reinaria na Terra, o ateísmo desapareceria e a Igreja, e por fim!, poderia sem obstáculo ser portadora da  Revelação celestial.

Tudo sem amor. Tudo sem liberdade.   Satã teria vencido. A terceira tentação do demónio a Jesus no deserto não tem outro significado:

“De novo o diabo o levou a um monte altíssimo e lhe mostrou os reinos do mundo e a sua glória, e lhe disse: ‘Tudo isto te darei, se te prostrares e me adorares’. Então disse-lhe Jesus ‘Vai-te, Satanás, porque está escrito “Ao Senhor, tu Deus, adorarás e a ele só darás culto”’ (Mt 4,8-10).

Um Deus poderoso, que renega de a cruz e do amor, que pela força do poder domina ao homem, não é realmente um Deus: é o demónio transfigurado no Deus. Não é de estranhar que Jesus chamasse “Satanás” a Pedro quando este resistiu a que o Senhor viajasse para Jerusalém para ser crucificado (Mt 16, 23).  

Falando de física, Hegel ensinava que a luz se manifesta como tal na medida em que se distingue da escuridão. Porque há escuridão, há luz. O ensinamento hegeliano é também válido no espiritual. É imprescindível a escuridão para poder ver a luz. A nossa escuridão – o pecado, a terrível miséria humana que há em nós - permite buscar e viver  a luz de Deus.  Felix culpa.

Só porque podemos dizer não a Deus podemos ser abraçados por Ele. Paradoxo doloroso? Sem dúvida. Mas quereríamos um Deus cuja luz nos abrasasse? Sim, é verdade, tudo seria mais fácil. Todo o fácil que o demónio quereria. Mas Deus nega-se a tal.

Quando pedimos que Deus se nos revele com a claridade do dia, quando exigimos a Deus que se faça presente na nossa vida como se já não o estivesse ou quando lhe reprovamos o seu silêncio, a sua aparente ausência,   estamos reproduzindo sem o saber a petição do tentador.  

Tal como no deserto Deus deixa-se tentar por nós. Tal como naquela ocasião Deus não cai na tentação. Para nosso bem e para maior desespero do príncipe deste mundo.

carlos jariod borrego, trad ama

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