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27/10/2011

Os olhos não vêem, mas o coração acredita

Caminhava pela berma da estrada pensando em tudo aquilo que lhe tinham dito sobre aquele homem.
Era tudo tão estranho e irreal!
Disseram-lhe que tinha nascido de uma mulher, mas que não tinha sido concebido por nenhum homem.
Diziam-lhe que a mãe era virgem e não tinha deixado de o ser.
Diziam-lhe que o homem falava como nunca ninguém tinha falado, que quando lhe faziam perguntas, respondia de tal modo que aqueles que pretendiam atrapalhá-lo se calavam, que tinha sempre uma palavra para cada um que encontrava, fosse quem fosse, e que até parecia conhecer a vida de todos, pois a sua palavra era sempre razão de conforto e esperança.
Que falava do perdão e do amor, e que todos se deviam amar como irmãos.
Afirmavam que fazia coisas incríveis, tais como curar doenças, ressuscitar mortos e, até, que perdoava os pecados.
Tudo aquilo era muito estranho e difícil da acreditar, sobretudo quando lhe contaram que aquele homem se tinha deixado torturar e matar, sendo inocente, sem um queixume, sem uma revolta e que no fim, ainda por cima, até tinha perdoado de viva voz àqueles que o tinham torturado e matado.
Mas o que mais o espantou foi quando lhe afirmaram que ao fim de três dias de sepultado, tinha ressuscitado!
Era demais!
Se a história já era difícil de acreditar, com este final então tornava-se impossível ter qualquer veracidade, e para além do mais, ainda andavam para aí uns quantos a dizer que ele tinha ficado entre nós e se oferecia como alimento, afirmando que quem comesse do seu corpo e bebesse do seu sangue tinha a vida eterna.
E tudo isto num pedaço de pão redondo, pequenino, que uns padres, agora neste tempo, distribuíam numas celebrações chamadas missas.
Não, não era possível acreditar em tudo aquilo!
Mas, curiosamente, aquele pensamento não lhe saia da cabeça.
Pensava, pensava e ia tentando arranjar modo de tornar verosímil aquela história, porque, tinha que concordar, se ela fosse verdadeira, seria a salvação do mundo, ou melhor, da humanidade.
Se Ele fosse Deus e Homem como diziam, assim talvez já fosse possível, mas porque é que Deus havia de vir fazer-se igual àqueles que tinha criado, conforme lhe diziam.
Já tinha pensado nisso muitas vezes: sendo o homem um animal tão perfeito, teria de ter havido algo muito superior para o criar, mas eram apenas devaneios da sua mente.
Tinham-lhe dado um livro sobre Deus, sobre a criação, sobre um povo escolhido, sobre aquele homem e uma igreja que tinha fundado e ele já tinha lido a maior parte, algumas vezes até sofregamente.
Era bom que fosse verdade, e o seu coração, no seu íntimo, queria levá-lo a acreditar, mas era tão irreal!
Ele queria acreditar porque percebia que era coisa boa, mas a sua racionalidade falava mais alto e dizia-lhe que tudo não passava de histórias inventadas.
De repente percebeu que um homem se aproximava dele e lhe perguntava:
-Posso caminhar contigo?
Não lhe apetecia nada a companhia, mas para não dizer que não, anuiu com a cabeça.
Durante algum tempo caminharam em silêncio, até que o homem se lhe dirigiu, dizendo:
- Vejo que estás pensativo, preocupado. Queres conversar sobre aquilo que te preocupa, sobre a razão de ser daquilo que pensas.
A intervenção daquele homem irritou-o um pouco! Quem era ele para se meter nos seus pensamentos?
Mas o tom da sua voz, a firmeza das palavras que tinha dito, fizeram-no abrir a boca e descrever tudo aquilo que vinha a pensar sobre o tal que diziam ter ressuscitado.
Curiosamente, o outro, em vez de se rir na sua cara, disse-lhe muito pausadamente:
- Compreendo a tua incredulidade, mas se me permitires julgo que poderei ajudar-te.
Anuiu com a cabeça, porque não lhe apetecia falar, nem dar confiança ao companheiro inesperado de viagem, mas ao mesmo tempo estava curioso sobre o que ele iria dizer-lhe.
O outro perguntou-lhe então:
- Conheces a Bíblia?
Ele acenou que sim, dizendo que ainda não a tinha lido toda, mas uma grande parte, embora lhe parecesse, acrescentou, uma história fantasiosa.
O outro olhou para ele com um olhar de paz e tranquilidade, e disse-lhe com voz segura:
- Deixa-me que te explique o que contém a Bíblia.
Acenou com a cabeça, pensando que iria ser com certeza uma grande “seca”, mas para além da natural curiosidade, não queria ser indelicado com quem lhe parecia ser tão prestável.
Sem se deterem, o outro começou a falar-lhe com uma voz serena sobre o princípio das coisas, de como Deus se revelara aos homens, desde a antiguidade, ao longo da história.
Tinha perdido a noção do tempo, e neste momento o seu medo era de que o passeio a pé que tinha encetado, chegasse ao seu termo sem poder ouvir o fim da história que o outro continuava a contar-lhe.
O mais estranho, mas no entanto agradável, era a certeza que se instalava no seu coração, de que afinal a tal história inverosímil, assim contada e explicada por aquele homem, era real e verdadeira, e percebeu em si uma necessidade de ouvir cada vez mais, mas sobretudo uma necessidade de acreditar, porque esse acreditar seria muito importante para a sua vida.
A noite caía e ele já pensava no que havia de dizer àquele homem para que não saísse da sua companhia.
Disse-lhe então:
- Olha, já anoitece, porque não paramos aqui um pouco, e comemos juntos qualquer coisa daquilo que trago na minha mochila?
O outro respondeu com voz doce e segura:
- Está bem. Trazes pão contigo?
Disse que sim com um aceno de cabeça, e sentaram-se debaixo de uma árvore à beira do caminho.
Pegou no pão que trazia e entregou-o nas mãos do outro que, estranhamente, levantou os olhos ao céu e traçou, com a sua mão, uma cruz sobre o pão.
Depois partiu-o e deu-lhe um pedaço para as suas mãos, que ele comeu.
Qualquer coisa aconteceu naquele momento, porque se sentiu como que elevado do sítio onde estava, embora continuasse sentado na mesma pedra do caminho, e uma paz imensa, um impulso de amor o envolveram de tal modo, que fechou os olhos para saborear aquele momento.
Quando abriu os olhos procurou o companheiro, que tinha desaparecido, pois por muito que procurasse, não o conseguia encontrar.
Sentou-se novamente, colocou a cabeça entre as mãos para meditar em tudo aquilo, e foi nesse momento que sentiu de um modo extraordinário que o outro estava ali com ele, embora não o pudesse ver.
Inexplicavelmente, o que os seus olhos não viam, o seu coração e todo o seu ser sentiam: a real e verdadeira presença do outro, já não só junto de si, mas em si próprio.
E percebeu, entendeu e viveu tudo aquilo que estava na Bíblia e o outro lhe tinha explicado.
Aliás, percebeu então, quem era o Outro Homem.
Levantou-se e correu para encontrar alguém!
Aquilo que agora sabia, que agora conhecia, que agora vivia, era bom demais, era importante demais, para ficar guardado apenas para si.




JMA, Monte Real, 17 de Outubro de 2011

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