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04/04/2012

Cristo morreu por obediência?

Lázaro Losano
Matriz de Monte Real

Parece que Cristo não morreu por obediência:

1. Com efeito, a obediência se refere a uma ordem. Ora, não se lê que houvesse ordens para Cristo sofrer. Logo, não sofreu por obediência.

2. Além disso, diz-se que é feito por obediência o que alguém faz por necessidade de uma ordem. Ora, Cristo sofreu não por necessidade, mas por vontade própria. Logo, não sofreu por obediência.

3. Ademais, o amor é uma virtude de maior excelência que a obediência. Ora, diz a Carta aos Efésios que Cristo sofreu por amor: “Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós” (5,2). Logo, deve-se atribuir a paixão de Cristo mais ao amor que à obediência.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz a Carta aos Filipenses: “Ele se fez obediente ao Pai até a morte” (2,8).



Foi muito conveniente ter Cristo sofrido por obediência. Primeiro, porque isso era conveniente para a justificação humana, como diz a Carta aos Romanos: “Assim como, pela desobediência de um só homem, a multidão se tornou pecadora, assim também, pela obediência de um só, a multidão se tornará justa” (5,19).
Segundo, isso foi conveniente para reconciliar o homem com Deus, como diz a Carta aos Romanos: “Fomos reconciliados com ele pela morte de seu Filho” (5,10), porquanto a própria morte de Cristo foi um sacrifício muito agradável a Deus, conforme a Carta aos Efésios: “E se entregou a si mesmo a Deus por nós em oblação e vítima, como perfume de agradável odor” (5,2). Ora, a obediência é preferível a todos os sacrifícios, como diz o livro dos Reis: “É melhor a obediência que os sacrifícios” (1Re 15,22). Portanto, foi conveniente que o sacrifício da paixão e morte de Cristo procedesse da obediência.
Terceiro, foi conveniente à vitória pela qual Cristo triunfou sobre a morte e o autor dela, pois o soldado não pode vencer se não obedecer ao capitão. Assim o homem Cristo garantiu a vitória pelo fato de ter sido obediente a Deus, conforme o que diz o livro dos Provérbios: “O homem obediente cantará vitórias” (21,28).
Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Cristo recebeu do Pai a ordem de sofrer. É o que diz o Evangelho de João: “Eu tenho o poder de entregar a vida e tenho o poder de a retomar: este é o mandamento que recebi do meu Pai” (10,18), ou seja, o poder de entregar a vida e de a retomar. Conclui-se, como diz Crisóstomo, que não se deve entender que “primeiro, ele esperou receber ordens e que as tivesse de entender, mas demonstrou que suas atitudes eram voluntárias, destruindo as suspeitas de contradição” com o Pai. E porque a antiga lei se encerrou com a morte de Cristo, conforme o que ele próprio disse ao morrer: “Tudo está consumado” (Jo 19,30), pode-se entender que, ao sofrer, cumpriu todos os preceitos da antiga lei. Cumpriu os preceitos morais, que se fundam nos mandamentos do amor, porquanto sofreu pelo amor do Pai, segundo João: “A fim de que o mundo saiba que amo o meu Pai e ajo conforme o Pai me prescreveu. Levantai-vos, partamos daqui” (14,31), ou seja, para o lugar da paixão; e pelo amor do próximo, segundo o que diz a Carta aos Gálatas: “Me amou e se entregou por mim” (2,20). Cumpriu com sua paixão os preceitos cerimoniais da lei, que se destinam especialmente aos sacrifícios e oblações, porquanto todos os sacrifícios da antiga lei foram figuras do verdadeiro sacrifício que, ao morrer, Cristo ofereceu por nós. Por isso, diz a Carta aos Colossenses: “Ninguém vos condene por questões de comida e bebida, a respeito de uma festa, de uma lua nova. Tudo isso não passa de sombra do que devia vir, mas o corpo é de Cristo” (2, 16-17), pois Cristo está para tudo isso como o corpo para a sombra. Com sua paixão, Cristo cumpriu os preceitos jurídicos da lei, que se relacionam especialmente com a satisfação aos que sofreram injúria, pois, como diz o Salmo 68: “Então pagarei o que não roubei” (v.5), permitindo ele mesmo ser pregado no madeiro por causa do fruto que o homem, contra a ordem de Deus, tirara da árvore.
2. A obediência, embora seja necessária com relação ao que se manda, contudo implica vontade de cumprir o preceito. E foi essa a obediência de Cristo, pois, embora sua própria paixão e morte, em si consideradas, fossem repugnantes à vontade natural, Cristo queria cumprir a vontade de Deus a respeito, segundo o que diz o Salmo 39: “Meu Deus, quero fazer a tua vontade” (v. 9). Por isso, dizia: “Se esta taça não pode passar sem que eu a beba, faça-se a tua vontade” (Mt 26, 42).
3. Pela mesma razão Cristo sofreu por amor e por obediência, pois só por obediência cumpriu os preceitos do amor e, por amor, foi obediente às ordens do Pai.

Suma Teológica III, q.47, a.2

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