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12/09/2011

Deus é Omnipotente?

À primeira vista, parece que Deus não é omnipotente, pois:

1. Com efeito, ser movido e ser passivo é próprio de tudo. Ora, isso não cabe a Deus, pois Ele é imóvel, como já foi dito. Logo, não é omnipotente.
2. Além disso, pecar é um agir. Ora, Deus não pode pecar, nem “renegar-se a si mesmo”, como se diz na segunda Carta a Timóteo (2, 13). Logo, Deus não é omnipotente.
3. Ademais, diz-se de Deus que “mostra sua omnipotência sobretudo perdoando e praticando a misericórdia”. Assim, o máximo que pode a potência divina é o perdão e a misericórdia. Ora, existem coisas muito maiores do que o perdoar e ter misericórdia; por exemplo, criar outro mundo ou algo semelhante. Logo, Deus não é onipotente.
4. Ademais, sobre as palavras da primeira Carta aos Coríntios: “Deus tornou louca a sabedoria do mundo(1, 20), a Glosa diz: “Mostrando possível o que esta sabedoria julgava impossível”. Parece, pois, que não se deve julgar possível ou impossível segundo as causas inferiores, como julga a sabedoria deste mundo, mas segundo a potência divina. Portanto, se Deus é omnipotente, tudo será possível. Nada haverá que seja impossível. Ora, negado o impossível, nega-se também o necessário, pois o que é necessário ser é impossível que não seja. Não haveria, então, nada necessário nas coisas, se Deus fosse omnipotente. Ora, isso é impossível. Logo, Deus não é omnipotente.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, está o que diz o Evangelho de Lucas: “Nenhuma palavra é impossível a Deus(1, 37).

Em geral, todos confessam que Deus é omnipotente. Mas parece difícil determinar a razão da omnipotência. Pois pairam dúvidas sobre o conteúdo desta afirmação: Deus pode todas as coisas. Mas, bem considerando, já que a potência se refere ao possível, quando se diz: Deus tudo pode, o mais correcto é entender que pode tudo o que é possível e por isso se diz omnipotente.
Ora, segundo o Filósofo, no livro V da Metafísica, o possível tem dupla acepção. Primeira, com relação a alguma potência. Por exemplo, é possível ao homem o que está sujeito a sua potência. Mas não se pode dizer que Deus seja omnipotente porque pode tudo o que é possível à natureza criada, pois a potência divina se estende a muito mais. Mas dizer que Deus pode tudo o que é possível à potência divina é um círculo vicioso. Pois seria dizer que Deus é omnipotente porque pode tudo o que pode. Portanto, deve-se dizer que Deus é chamado omnipotente porque pode absolutamente todo o possível, o que é outra maneira de conceber o possível. Ora, uma coisa é possível ou impossível absolutamente segundo a relação dos termos: possível, porque o predicado é compatível com o sujeito, por exemplo, que Sócrates esteja sentado; o impossível absolutamente significa que o predicado é incompatível com o sujeito, por exemplo, que o homem seja um asno.
Como, no entanto, todo agente produz algo semelhante a si próprio, é preciso considerar que a toda potência activa corresponde um possível como objecto próprio, conforme à razão do ato sobre o qual se funda a potência activa. Por exemplo, a potência de esquentar se refere, como a seu objecto próprio, ao que é susceptível de aquecimento. Ora, o ser divino sobre o qual se funda a razão de potência divina é um ser infinito, e não limitado por qualquer género do ser, pois pré-contém em si a perfeição do todo ser. Por conseguinte, tudo o que pode ter a razão de ente se encontra contido nos possíveis absolutos, em relação aos quais Deus é chamado omnipotente.
Ora, nada se opõe à razão de ente, senão o não-ente. Logo, o que é incompatível com a razão de possível absoluto, sujeito à omnipotência divina, é o que implica em si mesmo simultaneamente o ser e o não-ser. Isto não está sujeito à omnipotência divina, não em razão de uma deficiência dela, mas porque não pode ter a razão de factível nem de possível. Assim,  todas as coisas que não implicam contradição estão compreendidas entre os possíveis em relação às quais Deus é chamado omnipotente. Quanto às coisas que implicam contradição, não estão compreendidas na omnipotência divina, pois não comportam a razão de possíveis. Por conseguinte, convém mais dizer delas que não podem ser feitas, do que dizer:  Deus não pode fazê-las. – Tal doutrina não contradiz a palavra do anjo: “A Deus nenhuma palavra é impossível”. Pois o que implica contradição não pode ser palavra, porque nenhum intelecto pode concebê-la.

Suma Teológica I, 25, 3

Quanto aos argumentos iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Deus é omnipotente segundo a potência activa, não segundo a passiva, como foi dito. Por conseguinte, que não possa ser movido ou ser passivo não é incompatível com a omnipotência.
2. Pecar é falhar na perfeição do acto; em consequência, poder pecar é poder falhar no agir, o que incompatível com a omnipotência. Por isso Deus não pode pecar, ele que é omnipotente. No entanto, o Filósofo escreve no livro IV dos Tópicos: “Deus e o sábio podem praticar actos maus”. Isto, porém, se deve entender como uma proposição condicional cujo antecedente é impossível; por exemplo quando se diz que Deus pode praticar o mal, se quiser. Nada impede que uma proposição condicional seja verdadeira mesmo que seu antecedente e seu consequente sejam impossíveis; por exemplo, se o homem fosse um burro teria quatro patas. Ou então, quer dizer que Deus pode fazer coisas aparentemente más, que no entanto seriam boas, se as fizesse. Ou então, fala segundo a opinião comum dos gentios, que diziam poderem os homens ser divinizados, como Júpiter ou Mercúrio.
3. A omnipotência de Deus se manifesta sobretudo perdoando e praticando a misericórdia, porque, por essas acções, se mostra que Deus tem o supremo poder: ele perdoa livremente os pecados. Quem está ligado à lei de um superior não pode livremente perdoar os pecados. Ou, então, porque perdoando os homens e praticando a misericórdia, Deus os conduz à participação do bem infinito, que é o efeito supremo do poder divino. Ou ainda porque, como foi dito antes, o efeito da misericórdia divina é o fundamento de todas as obras divinas, pois nada a ninguém é devido a não ser em razão daquilo que lhe foi dado gratuitamente por Deus. Ora, a omnipotência divina se manifesta sobretudo em que a ela pertence a primeira instituição de todos os bens.
4. Não se afirma o possível absoluto nem em relação às causas superiores, nem em relação às inferiores, mas em si mesmo. Ao passo que o que é possível em relação a alguma potência é chamado possível em relação à sua causa próxima. Quando se trata de coisas cuja natureza exige ter a Deus por único autor, como a criação, a justificação, etc., diz-se que são possíveis em relação à causa superior. Ao contrário, das que podem ser realizadas pelas causas inferiores diz-se que são possíveis em relação a estas causas. Pois é segundo a condição da causa próxima que o efeito comporta contingência ou necessidade, como acima foi dito. Declara-se louca a sabedoria do mundo, porque julgava ser impossível ao próprio Deus o que é impossível à natureza. Vemos assim que a omnipotência de Deus não exclui das coisas nem a impossibilidade nem a necessidade.

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